A respeito de um Teorema de Tarski e uma historinha interessante

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Walter Carnielli

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Apr 1, 2017, 2:46:37 PM4/1/17
to Lista dos Logicos Brasileiros
Há alguns dias, nos Seminários de Lógica no CLE, falei sobre ''O
Princípio de Ariadne e o Axioma da Escolha'', apresentando uma
alternativa ao Axioma da Escolha, o "Principio de Ariadne" (baseado em
uma propriedade combinatória infinita, trabalho conjunto com Carlos Di
Prisco).

Mencionei uma historinha interessante sobre um teorema de Tarski que
implica o Axioma da Escolha,e algumas pessoas me pediram detalhes;
aqui vão alguns.

O teorema mencionado é o seguinte: considere a seguinte propriedade
sobe conjuntos infinitos

B: Para todo conjunto infinito X, existe uma bijeção entre X e X × X,

Teorema (Tarski, 1924): B implica o Axioma da Escolha

A respeito da anedota sobre o que pensavam os matemáticos na década de
20 sobre o Axioma da Escolha, Jan Mycielski escreve em "A system of
axioms of set theory for the rationalists" Notices of the American
Mathematical Society, 53 (2): 209, 2006:

''[Tarski told me the following story. He
tried to publish his theorem (stated above) in the
Comptes Rendus Acad. Sci. Paris but Fréchet and
Lebesgue refused to present it. Fréchet wrote that
an implication between two well known propositions
is not a new result. Lebesgue wrote that an
implication between two false propositions is of no
interest. And Tarski said that after this misadventure
he never tried to publish in the Comptes Rendus.]''

Tarski acabou publicando o resultado em Fundamenta Mathematicae:

Tarski, A. (1924), "Sur quelques theorems qui equivalent a l'axiome du
choix", Fundamenta Mathematicae, 5: 147–154

Para os estudantes iniciantes compreenderem como Fréchet e Lebesgue
estavam ambos errados e agiram preconceituosamente -- o Axioma a
Escolha não é nem óbvio, nem falso, e eles sequer imaginavam o
seguinte:

Gödel provou em 1940 que o axioma de escolha é consistente com os
demais axiomas da teoria dos conjuntos de von Neumann-Bernays-Gödel,
que é uma extensão conservativa de Zermelo-Fraenkel. Em 1963, P.
Cohen demonstrou que o axioma de escolha é, não somente consistente
com, mas independente da teoria dos conjuntos de Zermelo-Fraenkel.

A propósito: o livro com dezenas de equivalentes do Axioma da Escolha é

Rubin, Herman and Rubin, Jean E. "Equivalents of the Axiom of Choice
II." North-Holland, 1985.

Walter

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Walter Carnielli
Centre for Logic, Epistemology and the History of Science and
Department of Philosophy
State University of Campinas –UNICAMP
13083-859 Campinas -SP, Brazil
Phone: (+55) (19) 3521-6517
Institutional e-mail: walter.c...@cle.unicamp.br
Website: http://www.cle.unicamp.br/prof/carnielli

Hermógenes Oliveira

unread,
Apr 1, 2017, 4:05:37 PM4/1/17
to logi...@dimap.ufrn.br
Walter Carnielli <walter.c...@gmail.com> escreveu:

>
> [...]
>
> Para os estudantes iniciantes compreenderem [...] o Axioma da Escolha
> não é [...] falso [...]

Me parece que "estudantes iniciantes", dependendo do seu grau de
doutrinação em Lógica (especialmente lógica clássica ensinada como
"teoria do bom raciocínio"), tenderiam a entender a afirmação acima como
equivalente a "o Axioma da Escolha é verdadeiro" e estariam assim
autorizados a solicitar-lhe, como justificativa dessa alegação, uma
demonstração do *Axioma* da Escolha, visto que "axioma" aqui não pode
ser tomado como verdade óbvia/evidente (conforme você mesmo escreveu).

--
Hermógenes Oliveira

Samuel Gomes

unread,
Apr 1, 2017, 5:31:02 PM4/1/17
to LOGICA-L, hermogene...@student.uni-tuebingen.de
... Touché para o Hermógenes,

O uso de linguagem comum e cotidiana quando vamos divulgar matemática (ou ciência) sempre traz seus riscos,

Só passei por aqui pra passar mais algumas referências:

--> Muitas histórias como essa do Walter podem ser encontradas no livro:

Moore, Gregory H. Zermelo's axiom of choice. Its origins, development, and influence. Studies in the History of Mathematics and Physical Sciences, 8. Springer-Verlag, New York, 1982. xiv+410 pp.

Nos primeiros anos de Axioma da Escolha a coisa foi bem assim mesmo, "ou se achava óbvio ou se achava falso" - será que as aspas irão me salvar ? 8-)

E, o mais interessante, aqueles que mais se posicionavam contra o Axioma da Escolha (Lebesgue, por exemplo) cansavam de usar esse axioma em seu trabalho,
só que "sem perceber"...

(É como um famoso livro de Topologia Geral no Brasil - escrito por um brasileiro e tudo...-  onde o autor diz que "vai usar o Axioma da Escolha uma única vez - mas na forma do Lema de Zorn, que tem o aspecto de um verdadeiro teorema, diferentemente do Axioma da Escolha, que tem um cunho mais filosófico"... No entanto, as sequências convergentes formadas por pontos escolhidos arbitrariamente, e infinitas vezes, estão em todas as páginas do livro)

--> O livro do Rubin e Rubin é um clássico aí com suas quatrocentas equivalências do Axioma da Escolha, porém observo que muito da pesquisa atual se faz
com os chamados "princípios fracos de escolha", que são versões fracas ou fragmentos, digamos assim, do Axioma da Escolha. Para essas consequências do Axioma da Escolha o texto de referência hoje é o seguinte:

Howard, Paul; Rubin, Jean E. Consequences of the axiom of choice. Mathematical Surveys and Monographs, 59. American Mathematical Society, Providence, RI, 1998. viii+432 pp. ISBN: 0-8218-0977-6


... Atés,

[]s  Samuel

Walter Carnielli

unread,
Apr 1, 2017, 5:39:05 PM4/1/17
to Lista dos Logicos Brasileiros
Caro Hermógenes:

como se depreende da historinha, Fréchet acreditava na verdade do
Axioma da Escolha, e Lebesgue na falsidade. Esse é o ponto da
mensagem. O que eu escrevi é menos importante.

De toda forma, escreví que [...] o Axioma da Escolha não é nem óbvio
(quer dizer, **obviamente verdadeiro**) nem falso, e se um(a)
estudante se sentir "autorizado(a)" a solicitar-me uma demonstração
do *Axioma* da Escolha, vai aprender loguinho que deu-se a si
próprio(a) uma "autorização" errada...

W.


Em 1 de abril de 2017 17:05, Hermógenes Oliveira
<hermogene...@student.uni-tuebingen.de> escreveu:
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> Para cancelar inscrição nesse grupo e parar de receber e-mails dele, envie um e-mail para logica-l+u...@dimap.ufrn.br.
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> Para ver esta discussão na web, acesse https://groups.google.com/a/dimap.ufrn.br/d/msgid/logica-l/87pogvnbav.fsf%40camelot.oliveira.



--

Carlos Gonzalez

unread,
Apr 2, 2017, 3:03:16 PM4/2/17
to Lista acadêmica brasileira dos profissionais e estudantes da área de LOGICA, Walter Carnielli, Carlos G González, Carlos González
Prezado Walter e outros colegas,

Essa história de Tarski é altamente significativa com relação a vários problemas da filosofia e da história da matemática e a lógica.

O meu primeiro artigo filosófico tem muito a ver com isso, pois ocupa-se da discussão entre Zermelo e vários matemáticos franceses acerca do Axioma da Escolha.

Uma coisa a destacar é que o realismo como posição relacionada à ciência e à filosofia tem-se desenvolvido muito e tornado-se mais complexo. Depois das contribuições de Quine, Putnam, as correntes da "idealização" (Nancy Cartwright), as pesquisas psicológicas e cognitivas, etc., as versões antigas do realismo, incluindo a de Gödel nos parecem ingênuas ou simplistas.

Hoje, uma "verdade óbvia" muitas vezes pressupõe um contexto, tendo tanta ou mais importância o "óbvia" que o "verdade". Para os matemáticos realistas de 1924, "verdade" baseia-se na realidade ---certo: que realidade?--- e, portanto para eles é uma questão mais objetiva que subjetiva. Lebesque acreditava na falsidade do AE num contexto de realismo matemático, pensava que estava falando de uma verdade objetiva. Claro, de uma maneira que hoje achamos ingênua, não como o realismo de Putnam, por exemplo. Para Lebesgue falar de  um enunciado falso é uma perda de tempo inútil.

Teria muito para dizer, mas o que eu acho o mais interessante é ver como posições metafísicas podem decidir o que será publicado ou não. Será que hoje ainda acontece isso? Gostaríamos de pensar que não.

Carlos

2017-04-01 18:38 GMT-03:00 Walter Carnielli <walter.c...@gmail.com>:
Caro Hermógenes:

como se  depreende da historinha, Fréchet acreditava na verdade do
Axioma da Escolha, e Lebesgue na falsidade. Esse é  o ponto da
mensagem. O que eu escrevi é menos importante.

De toda forma, escreví que [...]  o Axioma da Escolha não é nem óbvio
(quer  dizer, **obviamente verdadeiro**) nem falso,   e se  um(a)
estudante se sentir  "autorizado(a)" a solicitar-me  uma demonstração
do *Axioma* da Escolha, vai aprender loguinho que deu-se a  si
próprio(a)  uma "autorização"  errada...

W.


Em 1 de abril de 2017 17:05, Hermógenes Oliveira

> Walter Carnielli <walter.c...@gmail.com> escreveu:
>
>>
>> [...]
>>
>> Para os estudantes iniciantes compreenderem [...] o Axioma da Escolha
>> não é [...] falso [...]
>
> Me parece que "estudantes iniciantes", dependendo do seu grau de
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> "teoria do bom raciocínio"), tenderiam a entender a afirmação acima como
> equivalente a "o Axioma da Escolha é verdadeiro" e estariam assim
> autorizados a solicitar-lhe, como justificativa dessa alegação, uma
> demonstração do *Axioma* da Escolha, visto que "axioma" aqui não pode
> ser tomado como verdade óbvia/evidente (conforme você mesmo escreveu).
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> Hermógenes Oliveira
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Walter Carnielli
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Famadoria

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Apr 3, 2017, 7:55:00 PM4/3/17
to logi...@dimap.ufrn.br, Walter Carnielli, Carlos G González, Carlos González
Pois é, mas acho que espaços-tempo exóticos e Cohen-genéricos têm existência no duro, nalguma realidade sei-lá-como. 

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