[BruceCameron] Tradução e Comentários Sobre o Livro de Eclesiastes - Capítulo 1

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Levi de Paula Tavares

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8 de jan. de 2007, 09:10:2008/01/2007
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Qohélet – Capítulo 1

 

por Rolnei Bueno Tavares

tradução do texto hebraico de Haroldo de Campos

 

            O livro de Qohélet (Eclesiastes) é um poema-sapiencial hebraico que se propõe descobrir nas questões cotidianas o sentido da vida. Devido a sua atitude pessimista em alguns momentos  e ao seu conteúdo mais filosófico do que teológico, houve uma certa resistência para que ele fosse incluído no cânon bíblico. Qohélet, porém, deve ser compreendido como um todo; não se pode concluir as partes isoladas do livro sem se considerar o epílogo, seu ponto auge, onde o autor resolve (e ao mesmo tempo não resolve) todas as questões que foram abordadas.

 

            Muito se discute sobre as minúcias do texto em hebraico de Qohélet devido as suas diversas influências. A crítica literária bíblica não tem consenso ao se tentar datar o texto devido a singularidade do hebraico utilizado nele. Por exemplo, a expressão que lhe é muito comum, “sob o sol” (“tachat hashemesh”), não é mencionada em nenhuma outra parte da bíblia ou outro escrito hebraico, mas é encontrado em inscrições fenícias. Também se identificam no texto influências do Aramaico e possíveis expressões Persas. As muitas alianças de Salomão com os povos vizinhos são consideradas o principal motivo dessas influências.

 

            A tradução utilizada nesse comentário foi feita pelo poeta concretista paulista Haroldo de Campos (1929-2003) e pode ser encontrada com os comentários originais do autor sobre Eclesiastes e com comentários sobre sua tradução no livro “Qohelet O-que-sabe”, (São Paulo, editora Persectiva, 2004 – coleção Signos n º13). Nesta tradução, Haroldo de Campos procura manter a impressão que se tem ao ler o texto hebraico, mantendo jogos de palavras e aliterações na medida do possível: “Nesse sentido, tendencialmente, intentei 'hebraizar' o português”. As 27 pontuações do texto original, introduzidas pelos massoretas, foram simplificadas em 3, hierarquicamente. Ou seja, o /  corresponde a uma pausa mínima, o // a uma pausa média e o /// a uma pausa mais alongada.

 

            Na transliteração das palavras, que ocorrerão ocasionalmente nos comentários, o “ch” é pronunciado como o “J” no espanhol, como em “Juán”. O “sh” é como no inglês “Shopping”, e o “h” como o “r” duplo do português em “carro”. O “r” sempre terá o som do “r” português entre vogais, como “varejo”. O “s” sempre terá o som do “s” duplo em português, como “massa”.

 

 

1. Palavras / de Qohélet(1) filho de Davi //

 rei  / em Jerusalém

 

2. Névoa de nadas(2) / disse O-que-sabe //

 névoa de nadas / tudo névoa-nada

 

3. Que proveito / para o homem ///

 De todo o seu afã(3) //

 fadiga de afazeres / sob o sol

 

4. Geração-que-vai / e geração-que-vem //

 e a terra / durando para sempre

 

5. E o sol desponta / e o sol se põe ///

 E ao mesmo ponto //

 aspira / de onde ele reponta

 

6. Vai / rumo ao sul //

 e volve / rumo ao norte ///

Volve revolve / o vento vai //

e às voltas revolto / o vento volta(4)

 

7. Todos os rios / correm para o mar //

e o mar / não replena ///

Ao lugar / onde os rios / acorrem //

para lá / de novo / correm

 

8. Tudo tédio palavras //

como dizê-lo / em palavras(5) ///

O olho não se sacia / de ver //

e o ouvido não se satura / de ouvir

 

9. Aquilo que já foi / é aquilo que será //

e aquilo que foi feito // aquilo / se fará ///

E não há nada novo / sob  sol

 

10. Vê-se algo / se diz eis / o novo ///

Já foi / era outrora //

fora antes de nós / noutras eras

 

11. Nenhum memento(6) / dos primeiros vivos ///

E também dos vindouros / daqueles por vir /

deles não ficará / memória //

junto aos pós-vindos / que depois virão

 

12. Eu Qohelet O-que-sabe / eu fui rei /

se Israel / em Jerusalém

 

13. E do meu coração(7) eu me dei /

a indagar e inquirir / com saber //

sobre o todo / de tudo o que é feito / sob o céu ///

Torpe tarefa(8) / que deu Elohim(9) /

aos filhos do homem / para atarefá-los

 

14. Eu vi / todos os feitos //

que se fazem / sob o sol ///

E eis tudo / névoa-nada / e fome-de-vento(10)

 

15. O que é torto / não se pode endireitar ///

E  o que é falho / não se pode enumerar

 

16. Palavras para o meu coração / eu as disse //

eis-me / aumentei e avultei / o saber //

muito além / de quantos me foram antes /

sobre Jerusalém(11) ///

E por dentro de mim / vi no auge / o saber e a ciência

 

17. E do meu coração eu me dei / a saber o saber //

e a saber da loucura / e da sandice ///

Soube // também isto / é vento-que-some

 

18. Pois / em muito saber / muito sofrer ///

E onde a ciência cresce / acresce a pena

 

Comentários:

 

(1)

            Foi mantida em alguns pontos a palavra original; “Qohelet”, que significa “Aquele que preside à Qahal”, a “assembléia”. O Qohelet poderia ser tanto um pregador da assembléia (como sugere a tradução de Ferreira de Almeida) quanto um mero freqüentador, mas sempre aquele que tem um espírito investigativo, que está envolvido nas discussões. Haroldo de Campos passará a utilizar “O-que-sabe” (verso 2) ou mesmo um composto de ambos (verso 12) na tentativa de “retomar algo da forma fônica original”, evocando o significado que Guido Ceronetti, citado por Haroldo, interpreta como “sapiente venerado”,  “O velho”.

 

(2)

            O termo hebraico “havel” significa literalmente “fumaça”, “vapor”. A intenção é de algo vazio, ilusório, passageiro, e não o sentido moderno de “vaidoso”. As versões portuguesas tradicionalmente traduzem o hebraico “havel havalim” como “vaidades de vaidades”, seguindo a sugestão da Vulgata “vanitas vanitatum”, que procurou manter a consonância do texto original.

            Nossa tradução mantém a aliteração procurando ao mesmo tempo fazer referência ao sentido concreto e abstrato de “havel havalim”: “névoa de nadas – tudo névoa-nada”.

 

(3)

            O autor do texto prefere abrir mão substantivo hebraico “maassim”, forma mais comum na bíblia para “obras”, derivada do verbo “laassot”, “fazer”. Antes, ele usa “amalo”, que tem o sentido de obra feita com esforço, algo cansativo. Poderia-se traduzir literalmente como: “De todo seu esforço // da qual ele se esforça”

 

(4)

            Haroldo de Campos reproduz a aliteração consonantal do original hebraico em sua tradução. O som do texto original é:

 

            “holech / el daron //

            vesovev / el tsafon ///

            sovev sovev / holech haruach //

            veal sevivotav / shav haruach”

 

(ver parágrafo sobre a pronuncia da transliteração ao final da introdução)

 

(5)

            “Dabar” pode significar tanto “palavra” como “coisa”. Poderia-se traduzir “Todas as coisas são tediosas / como dizê-lo / em palavras”. Haroldo de Campos preferiu manter “palavra” devido ao verbo que aparece logo em seguida, “ledaber”, da mesma raiz de dabar mas com sentido estrito de “falar”, “contar”.

 

(6)

            “Memento” ou “memória”, “lembrança”. A palavra no original é “zichron”, da mesma raíz do verbo “lezachor”, que significa “lembrar”. É o verbo usado no mandamento sabático, “zachor et iom hashabat”: “lembra-te do dia de sábado”.

 

(7)

            Diferente do pensamento ocidental, o “lev”, o “coração”, no pensamento hebraico, não é  ligado simplesmente às emoções. O coração é de onde vem as deliberações, escolhas e mesmo o saber (“daat”), como demonstra o verso 17.

 

(8)      

            Literalmente “Má tarefa”. O autor usa de certa ironia sobre o pesar de se “indagar e inquirir” sobre as coisas. Este também é o pensamento com que ele conclui o capítulo.

 

(9)

            É mantida a forma hebraica da palavra “Deus” para se ter mais recursos de rima e tentar se reproduzir a sonoridade hebraica do poema. “Elohim” deriva de “Eloha” que significa “força”. Quando se refere à Deus, é tratado no texto hebraico sempre como substantivo próprio singular, apesar de estar na forma plural (o sufixo “im” é o plural masculino hebraico.  “Serafim”, por exemplo, é o plural de “seraf”; assim como “Querubim” de “Qerub”).  Apesar de não aparecer em Qohélet, também é comum a sua forma abreviada: “El”.

 

(10)

            “Reut ruach”: querer (ter ambição de) vento. “Reut” deriva de uma raíz que tem o significado de pastar, alimentar-se de pasto. No verso 17 apresenta uma variante “raion”. A palavra “ruach” significa tanto “vento” ou “sopro” quanto “espírito” (talvez porque Elohim “soprou” nas narinas de Adão e ele se tornou alma vivente). Mas em Qohélet se prefere a primeira opção devido ao contexto. A expressão dá a intenção de anelar algo que é sem valor, perda de tempo.

 

(11)

            Considerando que Qohélet é Salomão, em um primeiro momento pensamos que antes dele reinaram apenas Saul e Davi em Jerusalém. Mas Jerusalém foi uma cidade conquistada, portanto muito mais antiga do que o reino Israelita. O primeiro rei de Jerusalém citado na Bíblia é Melquisedeque (Gênesis 14:18), quando a cidade ainda levava seu nome antigo, Salém.

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