Pessoalmente, na lista, falei sobre a minha própria experiência no ensino superior em Portugal comparado com fora do país, referi que já há alguns livros sobre esta temática de como o modelo de ensino superior na "velha Europa" está falido, repeti o que já outros tinham dito que o que conta é as pessoas seguirem os seus sonhos da maneira que preferirem, e levantei a ponta do véu sobre o que penso que é preciso mudar em Portugal - a mentalidade das bases!
Isto faz-me voltar a um tema de há meses atrás: os Jogos Olímpicos.
Tivemos 77 representantes nacionais, mas somente 2 medalhas (Nélson de Ouro, e Vanessa de Prata; e mesmo na derrota tivemos sinais positivos do Obikwelu, da Naide, do Gustavo Lima, entre outros).
Mas o que chocou mais os portugueses foram as razões apresentadas por alguns atletas que não conseguiram bons resultados. 13 delas:
- tenho asma, não vou aos jogos;
- a poluição em Pequim prejudicou-me;
- o meu cavalo assustou-se com os ecrans gigantes;
- tive problemas gastro-intestinais durante a corrida;
- não estava a conseguir ver bem;
- fiquei intimidada com o estádio tão cheio;
- fiquei intimidada com tantas atletas a correr ao mesmo tempo;
- não sou dada a grandes competições;
- a culpa foi do árbitro;
- estava num dia mau;
- não vale a pena correr, porque as africanas vão ganhar;
- comecei a correr muito depressa, e depois as pernas não davam mais;
- de manhã não é para competir, mas para estar na caminha.
Comparem agora essas atitudes com estas:
- a nadadora Dana Torres não se desculpou com os seus 41 anos ou com a sua filha, e ganhou 3 medalhas de prata.
- o Phelps nos 200 metros mariposa teve um problema com os óculos - deixavam entrar água - o que não lhe permitia ver a parede a cada 50 metros, mas mesmo assim continuou, ganhou, e bateu o recorde do mundo.
- a Shalane Flanagan teve intoxicação alimentar o que a obrigou a ir ao hospital e a não treinar. Mas mesmo assim achou que não devia ir a Pequim "passar férias". Foi correr 10.000 metros e ganhou a medalha de bronze.
Qual é a diferença entre estas atitudes?
Não me parece que a culpa seja dos nossos atletas.
A culpa é da mentalidade portuguesa. Os portugueses têm a incrível mania, e eu já o digo há vários anos e já fui mal-interpretado várias vezes por o dizer, de arranjarem sempre desculpas para não fazerem as coisas. Enquanto noutros países a mentalidade é de fazer-se. Faz-se ou não se faz, mas não se arranja desculpas. Em Portugal há a mentalidade de "fazia-se, mas...". Há sempre razões, justificações, desculpas externas para não se fazer alguma coisa.
E posteriormente, constantes lamúrias pelo que não se fez e pela vida que levam (como diria Robert West: "Não é necessário nenhum talento, abnegação, inteligência e carácter para se estabelecer no ramo das lamúrias").
(a excepção é dos Paralímpicos que teriam todas as razões do mundo para apresentarem desculpas MUITO válidas para não fazerem... mas PREFEREM empregar o tempo a terem melhores resultados que os Olímpicos! 7 medalhas!)
É preciso arriscar, é preciso tentar, é preciso fazer!
É preciso ganhar (ou no mínimo, TENTAR o melhor) independentemente das circunstâncias, das razões, das desculpas!
E se as desculpas/razões fazem parte da mentalidade portuguesa, é natural que também se veja na astronomia.
No Blog têm havido várias críticas, como aqui e aqui, a alguns sectores da astronomia em Portugal. Na lista, têm havido muitas mais críticas, sobretudo ao nível de haver menos encontros nacionais dos que havia antigamente.
Mas vai-se a ver e há um rol enorme de desculpas para não se fazer alguma coisa - mesmo neste projecto astroPT reparamos nisso por vezes.
As razões/justificações/desculpas são variadas:
- não tenho tempo;
- tenho o meu trabalho;
- não há fundos para fazer essa actividade;
- nesse dia/fim-de-semana não posso;
- tenho que estar com a minha família;
- vou estar com a minha namorada;
- vai a pessoa X e eu não gosto dela;
- hoje não posso porque me dói o Y;
- já tenho o meu projecto individual;
- não gosto de colaborações;
- as associações não promovem;
- tou de férias;
- etc...
Longe de mim dizer que algumas das razões não são legítimas; são. Mas, tal como as de cima, não passam de justificações/desculpas para não se fazer algo.
Antes de apontar o dedo aos atletas portugueses, é preciso ver a "Big Picture" e perceber que é toda uma cultura, uma mentalidade que está em causa. É preciso olhar para dentro e perceber que nós próprios damos desculpas similares no dia a dia em diferentes projectos.
No meu entender, mais do que melhorar condições (seja para atletas, seja para a astronomia) é preciso mudar esta mentalidade de insucesso.
Em vez de se inventarem desculpas para não se fazer, em vez de nos resignarmos que não conseguimos mais; está na altura de nos unirmos, de todos puxarmos para o mesmo lado, de colaborarmos, de se passar a dizer que se faz, e de se fazerem as coisas!
Isto vê-se no desporto, na educação superior, ou na astronomia.
A mentalidade é a mesma.
Claro que não são só as bases que têm culpa. Quem está no poder, quem está numa posição de fomentar positivamente as actividades e mudanças, também deveria fazer por melhorar as condições, seja no desporto (por exemplo, nos Jogos Olímpicos, o Presidente do COP demitir-se antes de atletas portugueses competirem foi uma autêntica palhaçada), seja na educação superior, ou seja na astronomia. Mas cada qual tem os "presidentes" que merece, no sentido que se não querem, façam por mostrar porque eles são errados e tentem pôr lá alguém de maior mérito!
Novamente, o que penso é que são as bases que devem fazer pela mudança, em vez de atirarem as responsabilidades para outros. Cada um de nós deve assumir as responsabilidades e fazer mais e melhor pela educação e pela astronomia.
Ou seja, voltando ao início deste texto, concordo inteiramente com o artigo do professor Orfeu Bertolami de que é preciso modificar o ensino superior e a forma como a astronomia é tratada em Portugal. Penso que a solução para isso passa por incentivar a população, fazê-la ver as vantagens da mudança, incutir-lhe uma maior literacia científica e educacional, e a partir daí fazer as mudanças necessárias em termos estruturais no ensino superior astronómico.
Para mudar a mentalidade:
O Yoda dizia: "Do or do not. There is no try".
A Nike diria: "Stop complaining. Just do it!"
A Ellie Arroway disse: "The world is what we make of it!"
Eu digo: "Faz. Não gastes o teu tempo com desculpas para não fazeres".
http://astropt.org/blog/2008/11/02/reflexoes/
Blog do astroPT - a desbravar caminhos celestiais
(c) 2007 http://www.astropt.org/blog/
Gostei bastante de ler este teu e-mail.
Ressalvo 3 coisas:
- a tua história pessoal, e o facto das notas escolares de "memorização" não determinarem o que uma pessoa sabe;
- o desprezar-se a iniciativa;
- o comodismo.
Carlos
A crítica não é sinónimo de dizer mal. Dizer mal por dizer é uma coisa; já a crítica, que pode ser positiva ou negativa, é outra coisa distinta.
A crítica, mesmo a negativa, pode ser entendida como uma forma de chamar a atenção de forma a mudar-se, e melhorar-se o trabalho.
O Francisco também me parece que tocou neste ponto, como se o criticar-se parte da mentalidade portuguesa é o mesmo que dizer mal de Portugal - não é! Eu adoro Portugal!
Mas a estagnação leva à morte!
A crítica pode levar à mudança e a uma melhoria de condições.
O não perceber-se que "dizer mal" e "criticar" são coisas diferentes, faz alguns portugueses chegar aos EUA e até à Inglaterra e darem-se mal com algumas críticas a determinada parte do trabalho, e até chorarem à frente de audiências como eu já vi!
Lá está, problemas de mentalidade. O nao se entender que nem tudo é perfeito, e que pode sempre haver lugar para a mudança, e para melhorar.
Da mesma forma que em Portugal se tem problemas em dar e receber elogios.
Noutros países (EUA incluído) é natural dar-se elogios quando as coisas estão bem! Dar-se elogios aos outros e a nós próprios. É normal.
Ou seja, avalia-se.
E elogia-se no que se deve, e critica-se no que se deve.
O espírito dos vencidos falei precisamente no post.
Irem para a competição (seja desportiva ou não) já com uma carrada de desculpas às costas para não terem que vencer.
Sim, concordo com o facto da mentalidade não ser só portuguesa, mas sim da "velha Europa", como referi no post.
Em várias partes da Inglaterra (a "nova Europa" segundo Bush) respira-se melhor.
Quanto à iniciativa, concordo que vem do modelo educacional.
Mas também vem das famílias.
Em Portugal, o míudo só é chamado à atenção quando faz alguma coisa mal, e mesmo quando faz bem é-lhe dito que a coisa não está perfeita; aqui o risco é apreciado - se a pessoa fez mal, ao menos tentou, e já está mais conhecedora, já sabe uma razão de como não fazer.
Ou seja, aqui priviligia-se o risco. E daí que se pode errar 20 vezes que a ideia é que da próxima vez é ke vai dar.
Em Portugal, dá-se na cabeça em quem erra, de modo a ele não arriscar mais, porque poderá errar de novo.
Carlos ;-)
Daí ser dito que o melhor do mundo são as crianças!
Essas ao menos não têm medo de errar, arriscam e aprendem com os erros, têm imaginação a rodos, seguem os sonhos que têm no momento, tentam ser felizes o mais possível, etc.
Os adultos é que as estragam!
Os adultos - esses seres super-aborrecidos que seguem todos em carneiradas!
Carlos
Basicamente disse que tenho estado a ler opiniões interessantes por aki, por isso se alguém kiser dar uma espreitadela a este tema por aki, é só clicarem no link da thread ;-)
Não tenho grandes bases sobre isso porque sou da geração posterior à revolução, mas concordo que muitas ideias perduram. O próprio moto do antigo regime - orgulhosamente sós - castra toda e qualquer iniciativa de ser diferente, de arriscar, de ir mais longe, de "sair do sítio".
Os medos da guerra, da tecnologia, etc, também afectarão as mentes.
A mentalidade de "é melhor não mexer", "é melhor não pôr em causa", "é melhor não criar celeumas contra os poderes instalados", está sem dúvida ligada a uma mentalidade de não arriscar, de lamúrias, de dar desculpas para se conformar com ideias feitas.
Mas as novas gerações não deveriam ter esse medo de arriscar, de imaginar, de ir mais longe, de fazerem mais por elas!
Mas se as telenovelas criam estagnação e um vegetamento em frente à TV por parte de mulheres, terceira idade, e famílias!, o certo é que séries como "Morangos" e concursos da treta, provocam esse vegetamento (a falta de iniciativa) nas gerações mais jovens.
Por onde andam as séries de qualidade que levavam à imaginação e à revolta/rebeldia natural juvenil contra a conformidade - séries que até já falamos por aqui como: Era Uma Vez o Espaço, D'Artacão, etc?
Carlos
--- On Sun, 11/2/08, ulis...@gmail.com <ulis...@gmail.com> wrote:
Realmente somos um país de desculpas: desculpamo-nos que em Portugal as
coisas estão mal, não há condições, mentalidaes mesquinhas e em vez de
mudarmos o status quo, vamos para o estrangeiro.
Este argumento é tão válido como dizer que nos desculpamos com isto e com
aquilo para não fazermos nada.
E preciso dizer que nem tudo são desculpas para isto ou aquilo dentro do
país, há pessoas realmente ocupadas; culpabilizar o espeirito nacional de
arranjar desculpas e saltar do país em vez de o modificar com desculpas (ou
argumentos válidos- se a falta de tempo e a gfamilia e a namorada tambem o
forem), é no mínimo, hipócrita.
Em relação ao espirito do marranço no nosso país... lá está, venham
modificar isso e dar aulas diferentes no nosso país - eu neste momento faço
parte do corpo docente de uma licenciatura que está a usar o sistema PBL
(nem vou discutir se concordo ou discordo, mas que é bem doiferente do
tradicional ninguem o pode negar.
Se me esqueci de criticar alguém, as minhas desculpas, mas n tive tempo para
ler os posts todos.
Abraços
Elísio
- as pessoas vão para o estrangeiro porque querem, para seguirem os seus sonhos, para seguirem o que querem. Ou seja, é uma prova de que não são comodistas nem andam com desculpas para ficarem num só sítio. Alguns ficam porque "enganam-se" com desculpas...
- então agora só se pode mudar se quem está fora voltar? Xeira-me a mais uma desculpa de quem fica e não quer mudar nada - como eu disse no post, é mais um apontar desculpas/responsabilidades para o exterior.
- o século XXI é um tempo de "setting" global.
Isto leva a que mesmo os que estão fora, é como se estivessem em Portugal.
Não só porque existe a net, onde eles podem tentar mudar as mentalidades, mas porque estão constantemente (e conheço vários ke o fazem!) a voltar a Portugal para mostrar trabalho que veio do exterior.
- o que leva a este outro ponto. Os países que se preparam para o século XXI enviam o seus jovens para fora, ou então chamam jovens de fora para dentro. Porque só com a partilha de conhecimentos, as pessoas e os países se podem desenvolver. Certamente que não se desenvolvem se estiverem voltados para dentro, na mística do "orgulhosamente sós" em que ninguém pode sair ou entrar.
- por último, quem está cá fora, além de já fazer muito pelo país estando fora em projectos portugueses, e fazer quando vai a Portugal (que me parece que o Elisio até já viu), também já tentou fazer mais coisas em Portugal e permanentes (exemplo: escola), mas tanto as mentalidades de base como as chefias são tão obtusas e têm uma mentalidade tão pequenina que como é óbvio quem está fora não está para se chatear nem perder tempo se as coisas não são para se fazer em condições. (além de que as motivações de cunhas, apesar de até as ter, não são tão elevadas como as motivações por mérito).
;-)