Veja Q Porcaria n.31 - 2006

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José Chrispiniano

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Aug 6, 2006, 8:43:47 PM8/6/06
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- Dois “conflitos de interesse” neste boletim. Serão citados conforme aparecerem.

- O especial que a Veja traz sobre a China é muito interessante. Tem muitas informações, histórias, muita empolgação com “empreendedorismo”, mas até trata das contradições políticas, das duras condições de vidas de operários e as violentas expulsões de moradores para abrirem caminho aos arranha-céus e especulação imobiliária. As comparações trazem as obsessões internas das revistas: mensalidade nas universidades públicas por exemplo. Mas apontam como crédito barato e investimentos em ciências e tecnologia são fundamentais para o crescimento chinês. A revista deveria um dia ir ouvir o cientista Leopoldo de Meis, para ver como enquanto a China importa cérebros e financia seus cientistas, nós estamos jogando projetos científicos de qualidade no lixo e exportando doutores do país. A edição do caderno tem umas falhas, repete dados e temas, perdi a conta de quantas vezes é citada a inter-dependência EUA-China, e as pressões sobre meio ambiente e preço das commodities. É que também ninguém lê estas coisas inteiras. Outras duas falhas do especial é que é pouquíssimo analisada, fica só no plano empresarial, e não político, as relações Brasil-China. Tinha que ter no mínimo um histórico delas, analisando a política recente.  E a revista não traz uma matéria mais ampla sobre violação de direitos humanos. Existem citações a repressão no campo e muitas contra a liberdade de imprensa. Mas não há nada sobre as execuções de penas de morte em série no país. Seria legal, mesmo já imaginando a carga ideológica, que poderia ser reduzida ao menos um pouquinho, né?, que a revista fizesse um especial pé na estrada deste pelo próprio Brasil. Como está agora, a redação Veja já andou mais pela China do que pelo nordeste.


- A editora em que eu trabalho, a Boitempo, está lançando um extenso e interessante livro de entrevistas do jornalista franco-espanhol Ignacio Ramonet com Fidel Castro. O lançamento estava programado para o aniversário de 80 anos de Castro, e a divulgação acabou antecipada por conta do anúncio de sua doença.  Por isso, acompanhei bastante as matérias sobre o assunto na última semana. Independente da posição de um veículo ou outro sobre Cuba, o Mais! publicou uma boa matéria de John Lee Anderson A ilha do dia anterior. E a matéria de capa da Carta Capital, escrita por Antonio Luiz M. C. Costa, "Fidel Castro no ocaso" é muito ampla e equilibrada, sobre o legado de Fidel, enfim, são peça jornalísticas. A questão não é a Veja ser contra Fidel e Cuba. É fazer pastiche de jornalismo, sonegar informações, gerar uma paródia, negar qualquer informação que vá contra a sua tese, enfim, distorcer e forçar a barra. E não se precisa disso para criticar Fidel, ainda mais do ponto de vista da Veja. Vários dos pontos citados são pertinentes. Mas parece que lá, quanto mais tosco, melhor.  Um pouco dos “melhores” momentos:

Olha esta legenda:

Fidel discursa na Argentina, no mês passado: um ator que viveu para o papel que criou para si próprio.

Esta frase é extraída da declaração de uma exilada cubana que está na matéria, obviamente uma declaração “imparcial”, que na legenda Veja retira das aspas e assume. É reduzir a muito pouco um personagem histórico deste tamanho.

Olha este trecho:

A Cuba de Fulgencio Batista era, em muitíssimos aspectos, melhor para os cubanos que a de Fidel. Antes da revolução, os cubanos usufruíam a quarta maior renda per capita da América Latina. De lá para cá, caiu para a 29ª posição.
(...)
Se tivesse seguido a vocação turística das ilhas caribenhas e explorado os benefícios oferecidos pela geografia – a paisagem deslumbrante e a proximidade dos Estados Unidos-, Cuba provavelmente seria tão rica quanto a vizinha Bahamas, arquipélago cuja renda per capitã é seis vezes maior que a Cubana.


Bem, também não havia liberdade política na época de Batista, muito mais pródiga de registros de tortura que o período de Fidel (hoje, o único registro de tortura na ilha, de acordo com a Anistia Internacional, acontece em Guantánamo, no campo de prisioneiros norte-americano). Veja sonega no texto que Cuba tem Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) melhor que o do Brasil, mortalidade infantil mais baixa que a norte-americana e a população com melhor índice educacional da América Latina. Além disso, o perfil, em termos de tamanho de Cuba é muito mais semelhante ao da Republica Domincana, Jamaica ou Haiti do que o das Bahamas. Todos estes são países com situações sociais longe de exemplares, e com muita pobreza. O Haiti, cujos governos tiveram na maior parte do período pouca democracia e boas relações com os Estados Unidos, e nunca foi comunista, é um estado falido. Medir um país, especialmente socialista, apenas pelo critério de renda per capita impõem distorções e Veja sabe disto. Aliás é limitado medir qualquer país apenas por renda per capita. Há a distribuição da renda, poder de compra etc...

O grande feito de Fidel foi pegar uma ilha caribenha, famosa pelos cabarés e charutos, e a colocar no centro das preocupações internacionais.

Não é só isso. Leiam esta matéria da Reuters - Fidel Castro exporta médicos em vez de revolução  
 Veja sonega informações sobre estes programas cubanos

Os historiadores do futuro talvez venham a qualificar Fidel Castro entre os mais sangrentos farsantes de todos os tempos.

Um mito persistente é o de que a hostilidade americana empurrou o jovem guerrilheiro para os braços soviéticos. A verdade provavelmente é mais prosaica: o ditador cubano é um demagogo cujo único compromisso é a própria sobrevivência. Foi sobretudo para poder levar adiante seu projeto de uma ditadura personalista que Fidel ofereceu seus serviços a Moscou. "Desde o ataque de Moncada, ele começou a dizer a seus colegas que a revolução deveria ter apenas um líder", escreveu o americano Brian Latell no livro After Fidel (Depois de Fidel).”

“Talvez”, “historiadores do futuro”, “verdade provavelmente”. Os trechos acima são tão fracos de sustentação que tem que se apoiar nestas construções bizarras em textos jornalísticos. É o novíssimo jornalismo que Veja pratica.  O que Veja chama de “mito” é um dos fatores considerados pelos historiadores sérios que analisam o assunto. Não é o único. Mas a análise da Veja é personalista e tirada do fundo do colete.

A imprensa cubana, diante da doença de Fidel e da troca de comando, limita-se a publicar mensagens de pronto restabelecimento enviadas ao comandante. É o tipo de controle rígido da informação que alguns amigos de Fidel tentam implantar no Brasil.

A informação está bem controlada no Brasil. Toda a mídia grande reagiu coordenadamente contra a proposta de obrigatoriedade de diploma de jornalista. Toda a mídia grande não achou importante a censura prévia executada por decisão do Tribunal Superior Eleitoral em cima da Revista do Brasil, financiada por um conjunto de sindicatos e com conteúdo produzido pela Agência Carta Maior. Atenção: censura prévia. Pedida pela coligação PSDB/PFL, que não creio serem os amigos de Fidel citados na matéria. A liberdade de imprensa no Brasil parece ser atributo exclusivo de empresas privadas financiadas por grandes anunciantes e pelas amizades governamentais. Sindicatos não podem se meter a financiar publicações? A informação no Brasil seria mais diversa se houvesse uma presença maior, ao lado da imprensa comercial, de uma forte imprensa sindical, e também de sistemas públicos federais e estaduais (com autonomia em relação aos governos e forte presença da sociedade civil) de TV, Rádio e Agência de Notícias, ampliando e institucionalizando o trabalho que, por exemplo, o ex-executivo da Abril Eugênio Bucci desenvolve na Radiobrás. Teríamos mais diversidade, e menos controle de informação.


- A curiosa convivência, na mesma edição, de diferentes tratamentos jornalísticos para a China e Cuba, não só em extensão, mas principalmente em tom, para países que tem problemas políticos semelhantes, mostra que na visão estritamente capitalista de mundo a grande liberdade que interessa, de fato, é a de ganhar e gastar dinheiro.


- Veja aumentou a diversidade de posições nas cartas publicadas sobre o conflito do Oriente Médio, inclusive publicando cartas de leitores de origem árabe. A matéria desta semana é bem melhor que a da semana passada. Fica aqueles “esquecimentos” convenientes: em uma semana foi por terra a tese que estava na revista semana passada, de que Israel estava isolando politicamente o Hezbollah no Líbano (e que então já era ridícula). E tenta relevar um pouco a questão das vítimas civis: Se por uma lado o Hezbollah se esconde entre os civis (em parte porque é uma resistência irregular), por outro se reconhece que isso é consequência de bombardeios a distância de Israel. Assim, com um jornalismo que fica mudando de rumo para não admitir os erros, não consigo concordar com estas duas cartas publicadas na revista:

VEJA tem sido um oásis na imprensa nacional pela maneira como aborda a situação da guerra entre Israel e o Hezbollah. Vem sendo imparcial, ponderada e responsável, passando a seus leitores o diagnóstico correto de todo o conflito, diferente de tudo o que tenho lido nas últimas semanas em grandes veículos de imprensa ("Existe guerra justa?", 2 de agosto).
Flávio Stanger
Rio de Janeiro, RJ


Nenhum órgão da imprensa, até este momento, descreveu com tanta clareza, detalhando fatos reais, o que só não vê quem não quer: quem começou a guerra foi o Hezbollah. Israel está respondendo ao ataque inicial, principalmente porque esse grupo terrorista vem sendo financiado pelo Irã e pela Síria, que querem que Israel vá pelos ares. Por que o Líbano permitiu que o Hezbollah ocupasse suas fronteiras?
Marcia Algranti
Rio de Janeiro, RJ”


A única carta sobre o artigo de Alan Dershowitz, o elogia. Vamos acreditar então que ninguém mandou carta contestanto aquela abominação.

- A proposta de constituinte feita em duas páginas pela revista Veja não é matéria, sequer editorial: é um programa de partido político. De uma arrogância e usurpação inacreditável.

- Veja publica duas páginas assinadas por Jerônimo Teixeira sobre o escritor paquistanês Tariq Ali, que é ex-editor, e cuja mulher, Susan Watkins é a atual editora da revista New Left Review, da Verso, editora inglesa de esquerda, que tem vários títulos lançados no Brasil pela Boitempo, onde eu trabalho. É um “perfil” de Ali. O gracioso título: “O perfeito idiota paquistanês”.  Começa assim:

No mercado internacional de idéias, o antiamericanismo vende bem. Não requer originalidade nem brilho – apenas uma cantilena contra George W. Bush e o imperialismo. Há intelectuais que ganham a vida explorando esse filão.

Eu fiz uma paródia:

No mercado nacional de idéias, o antiesquerdismo vende bem. Não requer originalidade nem brilho – apenas uma cantilena contra Luís Inácio Lula da Silva e o socialismo. Há intelectuais (e jornalistas) que ganham a vida explorando esse filão.

Fica para o leitor os perfis de quais pessoas poderiam ter o começo acima.

A matéria da Veja traz aquele clássico moralismo ridículo “como o sujeito é de esquerda e vive bem em um bairro bacana de Londres, foi estudar em Oxford e não na Etiópia, ou no Iraque?”. Ser de esquerda, até onde eu sei, não é igual a fazer voto de pobreza. Eu não compartilho de muitas das posições de Ali, principalmente as referentes ao conflito nos Bálcãs. Mas o que irrita é que as coisas funcionam assim para Veja: Tariq Ali, ainda de esquerda, crítico feroz da guerra do Iraque, vem para Festa Literária de Parati (Flip), então porrada nele, inclusive no julgamento de seus romances. Cristopher Hitchens, vem para a mesma Flip, ex-esquerda, defensor da guerra do Iraque, páginas amarelas simpáticas para ele. Itamar, dez anos sujeito ridículo, louco de hospício. Anuncia apoio à Alckmin, tomou rumo na vida. É o tribunal dos pequenos juízos e juízes da Marginal Pinheiros.

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