- A matéria da Veja de capa, sobre o câmbio, tem algumas verdades. A valorização de hoje não é igual a de 1998, na medida que ela ocorre em um mercado livre da moeda, e se sustenta parcialmente no saldo da balança comercial e na melhoria do cenário internacional. Veja também está certa na sua análise da relação entre a popularidade de Lula e a economia, e que este cenário deve permanecer no futuro próximo. Há aspectos positivos no câmbio valorizado para alguns setores, como a compra de máquinas mais modernas e estudo no exterior. Eu também acho divertido comprar equipamentos e viajar para a Europa (não para a Disney...), como qualquer um. Mas há outros setores que sofrem. E a quantidade de abobrinha e besteiras na matéria ainda assim, são de revirar o estômago.
“Os mais céticos custam a aceitar que o país mudou de
patamar e afirmam que a valorização do real nada mais é do que um
reflexo dos
altos juros brasileiros, que, segundo eles, atraem capital especulativo
e
distorcem o câmbio. Mas essa é a visão de uma minoria. Opiniões à
parte, o fato
é que os investidores dos mercados financeiros nunca depositaram tanta
confiança na estabilidade monetária de longo prazo no país.”
Veja ridiculariza opiniões sérias e destrói qualquer debate. Trata quem discorda dela como idiota. É lógico, contábil e óbvio que a arbitragem de ganhos com os juros e o câmbio brasileiro atrai volumes financeiros significativos e influencia na taxa de câmbio. Inclusive pode ser ela mesmo fator de instabilidade no futuro, se a valorização for excessiva. Assim como é óbvio que não é só isso. As pessoas se preocupam com uma pauta de exportações baseadas em commodities, que hoje estão com demanda forte e preço alto, mas isso pode mudar (lembram como Veja gozava com soja por volta de 2002/2003, era o futuro do país, e como o setor quebrou fácil como um graveto em 2004/2005?).
- Quando eu leio a matéria da Veja sobre câmbio forte falar em “darwinismo industrial”, eu lembro das vacas européias. Sim, não é industrial, mas está dentro da discussão sobre eficiência econômica. As vacas européias estão entre os bichos de estimação mais caros do mundo. Economicamente, se fossemos levar a lógica da eficiência econômica a sério, não existiriam. As vaquinhas que tem que ser protegidas do inverno europeu com subsídios não tem como concorrer com as suas irmãs australianas, argentinas e brasileiras, ou mesmo de algumas regiões do Estados Unidos. Assim como as plantas industriais de etanol baseado em milho que estão sendo erguidas nos EUA, são irracionais se pensarmos nos termos de Veja. Mas o mundo não funciona assim, e nenhum país sério, nenhum governo sério, nenhuma sociedade minimamente solidária, mesmo no capitalismo, arrebenta setores da economia como Veja acha bacana. Ela, no mínimo, tenta lhes dar uma chance de desenvolvimento. O “Brasil” abstrato tratado por Veja esmaga e não liga para setores da economia – empresas, empregos, pessoas – que poderiam estar melhor e não precisariam ser eliminados por uma destruição criativa. A desvalorização de 1999 foi o que depois permitiu a adaptação da economia brasileira a folia do populismo cambial do período 1993-1998 (que combinou câmbio valorizado com juros altos, devastando a economia). Tudo na vida traz matizes. 1993-1998 foi importante para conter a inflação. Mas não é verdade que precisava arrasar a economia para fazê-lo e depois haver o trauma e golpe da desvalorização e recessão. O mesmo vale para hoje.
- Um amigo apontou o seguinte:
“No passado, o governante de plantão interferia nas cotações para beneficiar esse ou aquele setor. Em todo o mundo, tal modelo fracassou e foi abandonado, porque trouxe endividamento, inflação e baixa produtividade.”
O autor da "matéria", o “brilhante” jornalista econômico Giuliano Guandalini, só esqueceu da Índia e da China, onde isso acontece e é a região global de maior crescimento econômico (embora este crescimento ocorra sobre uma base de PIB per capita ridícula). Óbvio. São dois países pequenos, fáceis de passar despercebidos no mapa. Afinal a China e a Índia são até citados em outro trecho da matéria... E o tema do baixo valor da moeda chinesa, mantido artificialmente, só é tratado por autoridades norte-americanas o que, toda a semana?
- Na coluna que mostra que a moeda brasileira foi a que mais se valorizou em relação ao dólar, Veja não nota que assim como no fato dos nossos juros serem os mais altos do mundo, há sempre algo de estranho em ser o “mais” alguma coisa em economia. A moeda brasileira se valorizou 58%. O grupo que vai do segundo ao quarto lugar, logo atrás do Brasil, com valorizações entre 54% (Eslováquia) e 39% (Polônia) são todos países que aderiram a União Européia recentemente, o que explica em grande parte tamanha valorização das suas moedas em relação ao dólar. Isso mostra como a valorização brasileira está acima do tom, porque países em processos mais ou menos “normais” estão 20 pontos percentuais para baixo da nossa valorização, que aliás, sequer parou...
- Três boas sugestões (de mercado) para impedir uma valorização excessiva do real foram dadas pelo empresário Boris Tabacof, na Folha de S. Paulo de sexta-feira:
“1) rápida redução dos juros, o que não representa riscos de inflação, que seria a meta de chegar a 6% de juros reais, dito explicitamente pelo Banco Central;
2) eliminação da isenção de 15% de Imposto de Renda sobre os ganhos dos investidores estrangeiros em títulos públicos federais;
3) tributação crescente sobre rendimentos de capitais que ingressam para ganhar na arbitragem dos juros, por exemplo, pegando-se empréstimos com taxas japonesas muito baixas e trazendo para a aplicação em títulos com juros brasileiros, o que dá um lucro garantido de, no mínimo, 6% ao especulador financeiro, sendo a progressividade da taxação inversamente proporcional ao prazo de permanência do investimento não produtivo no país. Além da adoção de medidas que a criatividade das autoridades de Brasília têm demonstrado com tanto sucesso na criação de constrangimentos ao crescimento da economia brasileira.”
- A vítima da semana (a esta altura, já passada) da “coluninha da maldade” de Heloisa Joly é a deputada do PC do B Manuela D´Ávila. Heloisa está se especializando em fazer uma coluna machista com a credencial de ser mulher. São as oportunidades excitantes de trabalho na mídia grande brasileira.
- As matérias da Veja sobre as ameaças ao Conselho Nacional de Justiça, sobre o avanço de missionários evangélicos sobre populações indígenas e as denúncias contra Jader Barbalho são importantes.
- Maílson da Nóbrega assina um artigo comparando Cuba e Dubai, sobre suas visitas aos dois países, ambos ditaduras, mas uma exaltada, porque capitalista, outra criticada, porque socialista. Além de ficar claro que democracia não é o ponto aqui (Cuba é considerada mais “democrática” que Dubai) e a simpatia de citar Mike Davis, Maílson é obrigado a reconhecer que os cubanos são altamente instruídos, cosmopolitas e saudáveis. Muito mais, aliás, que seus vizinhos do Haiti, Jamaica e República Dominicana. Mas o artigo até que é tranqüilo, pragmático e realista. Melhor que as reportagens da Veja. Quem diria: um artigo de Maílson da Nóbrega um dia seria mais jornalismo que o jornalismo...
- Na sua matéria de uma página sobre a polêmica em torno da
língua da tribo pirahã, seria educado da parte de Veja: 1) não comprar
completamente a tese, polêmica e contestada por muitos, de Daniel
Everett, só
porque ela rebate uma teoria científica elaborada por Noam Chomsky. 2)
Citar
que chupinhou a matéria da New Yorker. Ao menos citaram Chomsky sem
nenhum impropério
do lado...Em tempos de web e blogs, na sexta-feira quem se interessava
pelo
assunto já tinha ido na fonte original...
- Outro caso de obituário grosseiro da revista
“O artista plástico
americano Sol LeWitt, expoente da arte
conceitual, um modismo dos anos 60 segundo o qual a idéia por trás de
uma obra
é tão ou mais relevante do que a sua realização final. Esse blablablá
teórico
não era levado em conta pelos compradores das pinturas de LeWitt, que
gostavam
mesmo era das cores fortes de seus murais com motivos geométricos. Dia
8, aos
78 anos, de câncer, em Nova York.”
- Semana passada Veja publicou uma longa matéria sobre cantoras. Das
clássicas as novas, focava em cinco talentos, mas citava mais de duas
dezenas dela. A cantora Céu, talvez a mais bem-sucedida e com trabalho
mais consistente das cantoras da nova geração, não era sequer citada. A
explicação veio ao longo da semana. Ela seria uma das focadas, mas não
quis falar com a Veja. E aí Veja decidiu "vingar-se"
e nem citou o seu nome na matéria. Do caso,
fica a pergunta: alguém ainda acha que este boletim é necessário para
alguma coisa?
- PS: Sobre a mesma matéria das
jovens cantoras. Uma carta de leitor corrige Sérgio Martins, que
escreveu que as interpretações de Elis Regina privilegiavam a emoção ao
invés da técnica. Alguém que não entende que ela conseguia combinar os
dois ao mesmo tempo deveria se abster de escrever sobre MPB.
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