Veja Q Porcaria n.38 - 2006

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José Chrispiniano

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Oct 2, 2006, 11:00:00 AM10/2/06
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O tal do jornalismo militante


Nenhum veículo da imprensa grande brasileira declarou voto nestas eleições. Inclusive o objeto de análise deste boletim. Imagine, nenhum dos seus donos deve ter candidato e são isentas suas linhas e políticas editoriais...

Chove uma garoa fina na noite de domingo em São Paulo, e na minha zona norte natal, terra das senhoras de Santana e do Clube Espéria, estouram fogos de artifício em comemoração ao segundo turno das eleições, obtido, principalmente, pelos rumos da votação em São Paulo (que também consagrou, em um voto “ético e consciente”, Paulo Maluf, Enéas Carneiro, Frank Aguiar, Palocci, João Paulo Cunha, José Mentor, Waldemar Costa Neto e Clodovil...). O carro desliza pelo asfalto liso e ruas vazias. Tomo, mais uma vez, o caminho mais longo para ir pensando...

Semana passada já deixei vários furos na análise da Veja. A pequena vingança encomendada a Jerônimo Teixeira sobre Paulo Coelho pela jogada da sua antiga editora, a Rocco, no lançamento do seu último livro, quando ocuparam as capas das três maiores semanais. Um erro ridículo da coluna do Mainardi que já vinha corrigido na própria edição, o cargo de Mino Pedrosa, que é ex-editor da Isto É desde 2005, e não editor atual da Isto É (ou seja, foi publicada, apesar da Veja saber que esta informação estava errada), e que nega ter ouvido a história que Mainardi relata como dele, e que o colunista recebeu via PFL. A atitude de Mainardi foi sensacional. O ídolo do proto jornalismo em declaração ao site Comunique-se não deu a mínima para o seu erro. Também poderia comentar a não divulgação de que, pelo andar da carruagem, é provável que não tenha havido grampo no Tribunal Superior Eleitoral, como a revista fartamente noticiou semana passada. Mas Veja não tem a preocupação de corrigir informações erradas.

Este texto tem um tom pessoal mesmo. Porque é a explicação do seguinte: não pretendo escrever o boletim até o início de novembro, uma ou duas semanas após o segundo turno. Não dá. Ao contrário da Veja, e a saúdo por isso, não tenho sangue de barata ou/e a vocação deles para o exercício do jornalismo militante. Nunca foi o objetivo do boletim, para algumas frustrações que achavam que ele estava aqui para “defender Lula”. Não está. A idéia era defender uma idéia mais plural e honesta e menos ideológica e hipócrita de jornalismo e debate. De forma muito modesta e limitada, aliás. Um hobby.

Também não sou bom em carregar imposturas ou adicionar sapos na minha dieta, como parece ser pré-requisito para cumprir certas tarefas no jornalismo “grande” brasileiro. Levo toda esta palhaçada excessivamente a sério. Por isso mesmo, neste mês, não vou ter paciência, ou isenção para analisar com cuidado o varejo das suas pequenezas. Como ainda levo-me a sério, e agora ao fim do primeiro turno tomei uma posição que interfere com a postura do boletim, pausa-lo-ei. Vamos, para sair de “férias”, ao atacado, o que eu poderia resumir com a expressão: Fala sério!

Todas as cartas publicadas na Veja (ah, menos uma curtinha irrelevante...) desta semana elogiam a revista e criticam a explosão de corrupção no governo do PT. Todas transbordam indignação com a grave crise ética que o governo Lula levou o Brasil. Todas. Todas. Isso só pode significar duas coisas: ou todas as cartas, menos a exceção que confirma a regra, que a revista recebeu tinham este conteúdo, e aí ninguém dos quase 50% da população brasileira que não concordam com isso (e que aliás, são de várias regiões e classes sociais do país) e votaram em Lula não mandaram carta para a revista, ou ela simplesmente sonega representação para cartas que discordem de sua linha editorial que, hipocritamente, não declara voto quando ele está claro. Neste caso, o item um pode até ser conseqüência do dois. De qualquer forma o fim é o mesmo: isso é símbolo de como na revista, um setor imenso da sociedade brasileira vê-se negado de voz, compreensão das suas posições, de diálogo. Linchado simbolicamente. Não é o que se espera de uma imprensa que se pretenda maior e democrática, para dizer o mínimo.

Não sejamos bestas. Uma das sociedades mais desiguais do mundo não se segura sem uma variedade de violências e sem fortes grupos de interesses apegados, de diversas formas, ao status quo. E realistas. O governo Lula, nas suas qualidades e defeitos, apenas arranha esta estrutura. Mas parece que já é o suficiente para causar histeria em alguns.

Diogo Mainardi crê que o país não é governado por uma elite má. Eu também não. Mas onde Mainardi vê nos problemas do Brasil algo que saiu errado, talvez por clima, religião, indolência, latitude, miscigenação ou excesso de batucada, eu vejo algo errado que deu, e segue dando, certo. Uma estrutura forte e arraigada. Se todos fôssemos de fato a favor da igualdade e contra a pobreza, se delas muitos, nós mesmos, não nos beneficiássemos de uma forma ou outra, ela já estaria entre nós. Mesmo no empurra-empurra das culpas pela miséria entre esquerda e direita e as discussões sobre os rumos da sua resolução, seriam muito, mas muito diferentes se todos tivéssemos o mesmo interesse em resolvê-las, no sistema político-econômico que fosse.
Mas se uma pessoa quer ir para o norte e outra para o sul, alguém está sendo enganado se elas concordam no caminho que seguirão juntas, certo?

O governo de Lula tem defeitos e qualidades. Mas eu tenho a estranha tese de que um governo espetacular, capitalista inclusive, mas que de fato combatesse a desigualdade social, ia ter que agüentar uma tremenda bronca neste país.

Você acha, sinceramente, que quem se acostumou, na fazenda, na fábrica, na sua residência, a pagar uma merreca para um trabalhador quer igualdade social? Quer escola de qualidade para todos, para que todo mundo dispute igual vaga na Fuvest, concurso de juiz e seleção da Unilever?

Não tem Vieira Souto, Lagoa Rodrigo de Freitas, Angra dos Reis e Jardins para todos, cumpadi! Lavar a própria pia, limpar a própria casa, estacionar o próprio carro. Pagar multa e não gritar “você sabe com quem está falando?”.

Acho que os problemas éticos e legais do PT devem ser investigados e punidos. Sou muito tranqüilo em relação a esta discussão específica e acho que a oposição cumpre papel importante e benéfico nisso. Não suporto a pressão, e a farsa da interdição da política que há por detrás disso, da intolerância e desrespeito aos eleitores – pobres, do nordeste, ou de todas as outras regiões e classes sociais – que optaram por votar em Lula. Porque é uma tremenda cortina de fumaça, que revela por frestas e entrelinhas muito do que há por trás disso.

O ódio ao voto dos mais pobres. O ódio que o governo distribua alguma renda para quem se enquadra no programa, indiscriminadamente à posição política, por isso não é compra de votos, algo em torno de 70 reais por mês aos mais pobres da sociedade.

A opção por uma sociedade mais desigual. Por lendas e mitos que atrasam. Pelo muro e pela repressão.
Pelo caminho mais covarde possível como linha de política externa. Pela mera submissão a qualquer ditame do governo norte-americano, mesmo quando esta é ditada por fundamentalistas corruptos, mentirosos e belicistas que inventam guerras. “Alinhamento estratégico” é o nome pomposo disso.

Pela crença de que o interesse dos ricos é o interesse da sociedade e vice-versa. Que quanto mais o capital render para os que já são ricos, que isso por si só será bom para a sociedade, mesmo isso sendo feito com a redução de direitos da maioria da sociedade, que é trabalhadora, a detonação do meio ambiente, ou violentas exclusões e expropriações.

Que o Estado não pode ter um papel, sequer marginal, de redistribuição de renda, que é um acinte destinar recursos de impostos aos mais pobres, que isso é “assistencialismo”, “populismo”, muito menos os pobres se organizarem politicamente, que isso é “manipulação”, e movimentos sociais “criminosos”. Que a única maneira de salvar os pobres é com um conceito e discurso abstrato de “educação” (como dar educação sem o mínimo de estabilidade e nutrição no lar, o que, aliás, o Bolsa Família sequer chega a dar?), que não contempla aumentar salário de professores ou enfrentar os benefícios fiscais que subsidiam a escola particular dos mais ricos (sim, a isenção do imposto de renda de quem estuda em colégio particular...). Enquanto pagar juros obscenamente altos aos mais ricos é uma decisão “prudente” e “técnica”, que imagina, não movimenta nenhum tipo de lobby e grupos de interesse...Imagina.

Que não é para vivermos em uma sociedade de fato solidária que estenda direitos, mas ao invés disso os pobres devem ser tratados não como cidadãos, mas como objetos de uma “generosidade” pornográfica dos ricos, em humilhações publicitárias do chamado “marketing social” ou "caridade". Que os mais pobres não têm direito de votar de acordo com seus interesses. Que eles não sabem o que é melhor para eles mesmos.
O governo Lula faz pouco neste, e em muitos outros sentidos. Mas faz algo, contra uma elite malandra e arraigada, e uma classe média deslumbrada e mesquinha, ambas mestras em se fazer de vítima (com as muitas exceções e particularidades que não cabem no geral, sempre). Os que arrotam merda sobre o Bolsa Família, são os mesmos que vão para a França, onde ajudas similares ao “Bolsa Família” são de algumas centenas de euros e há uma rede de proteção social (que até nos Estados Unidos, onde ela tem sido reduzida, é mais densa que aqui), ou para a Inglaterra, onde os sistemas públicos funcionam bem melhor que aqui. Esbaldam-se com a “civilização”, e depois vêm aqui defender suas fazendas de abobrinhas. Legítimos súditos de Dom Pedro II, que por décadas foi o descolado imperador de uma atrasada e aberrante nação escravocrata.

Digníssimos escribas iluminados de uma imprensa livre, que por obra de imensa coincidência, conhece pouquíssima dissidência e diversidade nas suas páginas. Todas as cartas, amigos, batendo em Lula. Claro, afinal todos que votam nele não são analfabetos? Logo, como escreveriam cartas ou e-mails?

Os jornalistas da imprensa grande brasileira, que são um verdadeiro google para detectar e rebater qualquer análise não histérica sobre Cuba ou Venezuela, passam batido por coisas como “macacos hispânicos” proferida pelo guru da "lógica" Arnaldo Jabor falando de Chávez e Morales, com todo o carinho e educação. Ou pegam um livro como Não somos racistas de Ali Kamel, diretor de jornalismo da Rede Globo, e passam batido pelos seus simpáticos resenhistas, inclusive o da Veja, e aí cabe agradecer especificamente ao Marcelo Leite que escreveu excelente resenha no caderno Mais!, uma passagem do livro como essa:

"A verdade é que a escravidão não assentava sua legitimidade em bases raciais, pois era grande a mobilidade social dos escravos. (...) Ou seja, uma vez alforriados, a cor não era impedimento para que os negros fossem aceitos como iguais pelos brancos".

Como aponta Leite, dizer que a escravidão não assentava sua “legitimidade” (o maior sic do mundo) em bases raciais é um absurdo inacreditável, pelo simples motivo que negros não poderiam ter brancos como escravos. Onde eles poderiam ser iguais? Onde isso não se baseava em raça? Kamel deve ter assistido muita “Sinhá Moça”. O mínimo era admitir "caguei nesta passagem" e ajoelhar no milho....

Fala sério. Todo o jornalista sabe o que pega bem e o que pega mal demonstrar ideologicamente para ascender nas redações de Veja, Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo e afins. Todo mundo no meio sabe o que é “Operação Portugal” ou pedidos estranhos. Muitos mantêm a integridade com muito esforço dentro destas condições. Outros fazem por convicção. Alguns inclusive sobem na carreira mesmo sendo de esquerda, corretos ou independentes, por tremendos méritos. Mas todos, todos sabem dos latifúndios autoritários que dizem representar a “liberdade de imprensa”. Como se barra a investigação de determinados escândalos, entrevistas, opiniões de determinadas correntes acadêmicas.

O principal problema para a real liberdade de imprensa hoje é a auto-censura dentro das grandes empresas de mídia. Taí um único e belíssimo motivo para votar no Lula. A liberdade e fiscalização da imprensa sobre seu governo será muito melhor do que a sobre Alckmin.

Não se trata aqui de manipulação, de armação, de conspiração. Mas de supressão e desqualificação das diferenças políticas, como se estas fossem apenas um caso de polícia, e já investigado, transitado e julgado em última instância. E como se discordando a realidade do impresso, errada está a realidade, que não sabe ler. E claro, deve estar recebendo algum mensalão...

Este mês vai ser fogo. Tenho muito trabalho, para as muitas continhas pagar. Uma matéria imensa para fazer. A editora em que eu trabalho organizará 3 grandes debates/lançamentos, um já na quinta no Memorial, um dia 10 na FAU-Maranhão, outro dia 18 no Sesc Vila Mariana. Também vou fazer no mínimo uma festa (espetacular) como DJ dia 21. E pretendo, no tempo que for possível, exercer meu direito de defender minha opinião política como cidadão, não contra, mas com seu local a parte da gritaria de frases-feitas do moralismo de ocasião, que enfim, cada um tem o direito de escolher que roupa vestir. Dialogar, expor opinião, ouvir, argumentar. Porque acho que é meu direito. Porque acho o momento importante. Porque esta histeria fabricada, estes preconceitos de classe que afloram, anti-republicanos e anti-democráticos, estes valores regressivos, egoístas e inconseqüentes me deram nos nervos.

Assim, que o Veja Q Porcaria volte depois da eleição quando eu estarei tranqüilo e feliz independente do resultado, respeitando a escolha de voto e o rumo, se norte ou sul, escolhido pela maioria e pela minoria, para analisar os abusos cometidos pela revista, que são muitos, além e aquém do seu direito de ter um ponto de vista e uma opinião.

Porque, ao contrário da Veja, este boletim não é, para o bem ou para o mal, jornalismo militante ou a serviço de uma candidatura.

Grande abraço, obrigado pela atenção dispensada, e inté breve.

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