Veja Q Porcaria n.23 - 2006

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José Chrispiniano

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Jun 12, 2006, 9:01:12 PM6/12/06
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- Para quem interessar possa, foi criada uma pequena comunidade sobre o boletim no Orkut, chamada Veja que Porcaria, criada por estudantes de jornalismo após uma palestra. Basta dar uma busca em "comunidades", com seu título, que "aparece".

- Comparações entre atitudes e tratamento da imprensa dados à esquerda ou à direita, ou ao PSDB e ao PT, talvez seja uma das coisas mais chatas e óbvias do cenário político e da análise de mídia. Ainda mais quando se sabe com quanta mediocridade, hipocrisia e oportunismo, os partidos políticos fazem este jogo. Mas às vezes não temos como escapar disso. Semana passada viu uma manifestação do até então desconhecido Movimento pela Libertação dos Sem-Terra (MLST), depredar uma ante-sala do prédio do Congresso Nacional. Os manifestantes foram presos, vários deles estão sendo processados. O governo soltou uma nota condenando o caso, e o PT, em uma velocidade célere que não se viu para punir membros do partido ligados ao escândalo do mensalão, prepara a expulsão do líder do movimento, Bruno Maranhão, filiado ao partido e membro da sua executiva nacional. Tudo isso, todos sabem.
Quando o assunto encontra a criatividade, ideologia e “boa vontade” jornalística da equipe editorial da Veja, pessoas viram “PTbulls”. Vai a transcrição completa do texto da capa:

“A invasão do Congresso por um destacamento do Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST) vem sendo classificada de vandalismo. É um erro. A operação foi uma ação violenta, planejada e executada com desvelo em seu objetivo de desmoralizar a democracia representativa. Era de esperar que, como a mais alta figura na hierarquia política do país, o presidente Lula fosse eloqüente na condenação do episódio. Outro erro. Sua assessoria se limitou a emitir uma nota sem convicção.
(...)
Nem Lula nem seu partido, o PT, pareceram preocupados com a essência deletéria do episódio sobre o frágil tecido político sobre o qual se assentam as instituições democráticas no Brasil. Em um ano eleitoral, limitaram-se a salvar as aparências.”


Vou reproduzir abaixo, tentando comentar o mínimo possível, os “melhores momentos” do editorial e da matéria sobre o tema. Mas já que estamos falando de atos que atentam contra a democracia representativa e o frágil tecido político do país, e o próprio título da matéria fala em “Insulto a democracia”, vamos para um outro fato ocorrido na semana passada (terça-feira) que não mereceu nenhuma palavra de Veja esta semana.

O secretário de segurança de São Paulo vai depor no parlamento local, a Assembléia Legislativa. Enche a sala de oficiais das forças policias do estado, e a frente do prédio da assembléia de viaturas (ou seja, em serviço, ou seja, financiados pelo governo) e fica debochando e ironizando, com gestos e impropérios, os deputados, dizendo que está ali perdendo tempo. Não só os do PT, o próprio PFL ficou irritado com a atitude do secretário, que nitidamente falou e jogou com a corporação armada do estado, a qual chefia, para se postar diante do parlamento. Joga com ela na pior perspectiva, que é a de uma polícia sem transparência, sem controle, corporativa, sem respeito aos “direitos humanos” e cheia de ações sigilosas onde podem prosperar abusos e corrupção.

O secretário é filiado ao PSDB, é autoridade oficial, e foi posto no cargo pelo candidato a presidente da República Geraldo Alckmin. É um caso regional, mas no estado mais importante do país, e ligado aos desdobramentos dos atentados do PCC, grande crise de poucas semanas atrás. A nossa imparcial, republicana, moderna e lucrativa imprensa escrita, não dedicou um editorial ao fato. Veja, nenhuma palavra. Isso com toda a preocupação que eles têm com a democracia, com o estado de direito, com todos os colunistas e editorialistas que eles têm para entregar indignação indignada em doses regulares, sejam diárias ou semanais. O único a tratar do assunto foi o ex-diretor da Veja, Elio Gaspari, na sua coluna na Folha de S. Paulo de domingo. Quem sabe foi um simples caso de desatenção?

- Voltemos aos trechos de Veja:

“Os fatos demonstram que, quando Lula coloca o boné dos sem-terra, ele não está sendo apenas demagogo, afagando o espectro mais radical de seu arco de alianças – composto, reconheça-se, também de ingênuos sociais-democratas.
(...)
Se não, vejamos. O Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Incra foram entregues a agitadores comprometidos até a medula com o MST, de cuja costela nasceu o MLST. O financiamento governamental a ambos os grupos radicais cresceu exponencialmente durante a administração petista. Somente o MST recebeu mais de 25 milhões de reais entre 2003 e 2005. O atual governo simplesmente ignorou a medida provisória, com força de lei, que proíbe a desapropriação, para fins de reforma agrária, de terras invadidas. Com o empurrão do Planalto, as invasões triplicaram ao longo do mandato de Lula. O chefão do MLST é Bruno Maranhão. Ele é um dos integrantes da Executiva Nacional do PT e secretário do partido encarregado dos movimentos sociais. O termo é um eufemismo. Ele designa as organizações que, a pretexto de defender causas justas, sentem-se livres para cometer crimes e adiantar sua declarada agenda revolucionária marxista. Está passando da hora de essa gente ser informada de que está no século errado.”


Textualmente, isso é a chamada “criminalização dos movimentos sociais”. Uma tremenda simplificação, para dizer o mínimo. Quanto ao problema da “declarada agenda revolucionária marxista”, e a hora que está passando, é uma clara demonstração de que a “paciência” de certos democratas com a liberdade de manifestação política está "se esgotando". Devem estar a beira de ter um piti.

Na matéria, assinanda por Julia Dualibi e Otávio Cabral, além do “PTbulls”, Veja pode sacar outra da sua gaveta criativa: o “mal de Marxzheimer” que seria uma “doença social que produz miséria física e mental”. Não vou nem comentar isso.

Vai um trechão da matéria:

“Por que os sem-terra atacaram o Congresso? Porque a reforma agrária não avança, os assentamentos estão parados? Porque são marginalizados, ninguém os ouve, não têm acesso aos parlamentares, ao presidente da República, ao Palácio do Planalto? Nada disso. Eles têm representantes no Congresso, recebem verbas públicas e são recebidos pelo presidente Lula no Palácio do Planalto. O petista Bruno Costa de Albuquerque Maranhão, o líder do MLST e do quebra-quebra da semana passada, foi recebido duas vezes por Lula no Palácio do Planalto, uma em julho de 2004 e outra em novembro do ano passado. Portanto, a resposta é outra: os sem-terra promoveram a baderna contra o alvo determinado porque em sua cartilha e em sua visão de mundo não existe lugar para o Congresso. Também não existe lugar para a liberdade de expressão, para universidades livres, para laboratórios de pesquisa ou para progresso científico.”

Observe o “jornalismo sério e competente”, como diz o Marco Bianchi do Rock&Gol da MTV. Eles foram lá para “destruir” o Congresso? Não havia nenhuma reivindicação ao menos prévia ao quebra-quebra (pela matéria, não sabemos)? Por mais injustificável que seja o ato como acabou, e o é, não está sendo investigada a dinâmica do que ocorreu, se já chegaram depredando ou foi algo que se desenrolou, se as lideranças tentaram conter ou estimularam ainda mais, etc...Se para eles não existe lugar para Congresso, porque foram até lá entregar alguma reivindicação?

Veja depois divide os movimentos sociais em dois: os transparentes e saudáveis, e os do “século passado” (que sempre gosto de lembrar os editores, acabou faz só cinco anos...) que tem a velha idéia de servirem de instrumento de mudança revolucionária.
Outra coisa curiosa da matéria de Veja, é que das poucas aspas que têm, duas são para editoriais de outros veículos da imprensa. Uma do Estado de S. Paulo, outra para o O Globo.
Tem muito, muito mais, mas talvez valha a pena parar só com o fim da matéria, que desenha um cenário histérico e irreal:

E as instituições – as leis, os contratos, a Justiça, os partidos, o Parlamento etc. – são obras de construção lenta. São a síntese da história de um povo, um resultado de suas crenças, de sua visão de mundo, de suas tradições e experiências. É por isso que são diferentes ao redor do mundo. É por isso que não se erguem instituições de um dia para outro – mas se pode destruí-las rapidamente. É o que querem o MLST e seus cúmplices. O governo se aproveita disso para chantagear os adversários e a sociedade, como Tarso Genro mostrou com clareza. Quem nos defende?”

A tese do “braço armado” é que os movimentos sociais seriam usados pelo PT como ameaça contra a “sociedade indefesa” caso saiam do poder, como em um cenário pré-ditadura. Para isso, desenha-se uma situação histérica, onde tiram do contexto uma declaração de Tarso Genro sobre um possível impeachment, para dar sustentação a isso,que hoje é total alucinação. Tem que ser muito louco e/ou mal intencionado para achar que o Brasil, em pleno processo eleitoral e de liberdade de expressão normal, passa por algo assim.

- A matéria acompanha uma retranca feita por Leonardo Coutinho onde uma ex-militante do MST diz ter sido torturada ao tentar denunciar crimes em um assentamento. É um longo depoimento, todo em aspas, que não ouve o outro lado e expõe a própria depoente, porque ao invés de se basear em uma reportagem que reforce o caso, usa apenas o seu forte relato, que é uma denúncia importante a ser investigada, inclusive antes de ser publicada. De boa fé, creio que a história foi checada pelo jornalista, que os citados foram ouvidos, e que o relato de abusos em assentamentos, não só nesse como qualquer um, devem ser apurados. De novo, porque Veja nunca cobre também relatos de torturas e abusos cometidos, por exemplo, nas muitas fazendas do Pará onde se encontra trabalho escravo? Ou o assassinato de trabalhadores rurais? Ou assentamentos que deram certo? Porque nunca publicou o depoimento dramático de uma mulher de líder rural assassinado? Porque só foi pautar este tipo de morte no campo, quando a vítima é norte-americana, no caso,  Dorothy Stang? Sempre gosto de repetir e lembrar, até porque há gente na redação da Marginal Pinheiros que lê este boletim, que no interior do país o discurso unilateral, ideológico e preconceituoso da Veja reforça as crenças de gente que, no limite, contrata os matadores contra líderes que organizam o lado mais frágil da nossa sociedade. E que a repressão e morte trágica de muitos deles também tem sido parte da “síntese da história de um povo”, e da “construção lenta” de nossas instituições.

- Veja voltou ao Iraque. Dois pesos, duas medidas. O título da matéria é “O fim do açougueiro do Iraque” sobre o assassinato do terrorista Abu Musab al-Zaqawi. Abre assim o texto de José Eduardo Barella: “Na sina ingrata da guerra no Iraque, o governo e o Exército americano merecem aplausos pelas bombas que mataram Abu Mussab al-Zarqawi.” Zarqawi foi um terrorista sanguinário, que não se importava em matar civis no meio do caminho, ou fomentar conflitos para atingir seus objetivos. A morte de Zarqawi consolida a adoção pelos Estados Unidos, sem maiores discussões, da controversa tática israelense de assassinatos “seletivos”, execuções sumárias por meio de bombas, e nesse caso  não mostraram nem interesse em dar prioridade a captura e julgamento do inimigo. É como se do “procura-se vivo ou morto” eliminassem a primeira opção. As bombas que “merecem aplauso” (que trecho bárbaro e desnecessário, vergonhoso) mataram também uma mulher e uma criança. O massacre de 24 civis iraquianos por tropas norte-americanas, talvez mais importante para a percepção sobre a guerra dentro dos Estados Unidos, é citado apenas no último parágrafo da matéria e classificados como “abusos”, após não terem sido sequer noticiados semana passada. A matéria reconhece de forma “ingênua”, o óbvio: o governo norte-americano está usando a morte de Zarqawi para contrabalançar o impacto negativo da notícia do massacre de Haditha, e do lamaçal que se tornou a ocupação. Barella e Veja usam dois pesos e duas medidas bem diferentes (açogueiro X abusos) para tratar de líderes que não se importam com a morte de civis no caminho ou de fomentar conflitos para atingir seus objetivos.
 
- Além de citar o massacre de Haditha, Veja noticia discretamente, uma semana após este boletim que a analisa citar o caso, que não passou no senado norte-americano a proposta de banimento do casamento gay (permitido em alguns estados) feita por George W. Bush, e os mesquinhos fins eleitorais da medida.

- O jornalista Sérgio Martins produziu uma matéria de tablóide sobre a gestão de Gilberto Gil a frente do Ministério da Cultura (Minc). O título “Ministro em causa própria”. O olho “A gestão de Gilberto Gil é fraca. Mas deu um belo impulso à sua carreira”. A matéria tem coisas curiosas como aspas em off para agressão (não informação), que dessa forma se torna covarde, de um empresário musical. "Gil é a Xuxa do governo Lula: é só dar uma deixa que ele põe a platéia para dançar o Ilariê", solta o off impróprio. Saudosos tempos em que Veja inventava declarações e ao menos buscava gente para dar o nome para assumi-la. A matéria distorce o fato do cachê de Gil ter aumentando depois dele ter entrado no ministério. Para sustentar sua tese, Veja esquece o contraditório e distorce outros sapos, desculpe, fatos. Como o fato de que se “Gil ganhou visibilidade”, também emprestou a sua, a que ele de fato tem, para divulgar o ministério e o país no exterior.
O ministério fez muito por Gil – mas a recíproca não é verdadeira. Sua gestão é pobre em resultados. Gil tomou medidas populistas, como priorizar projetos no interior do país na distribuição dos incentivos, em detrimento das grandes produções de teatro e cinema. Devotou-se ainda a empreitadas fátuas como uma campanha para transformar o samba-de-roda do Recôncavo Baiano em patrimônio da humanidade. A "promoção da cultura brasileira no exterior" mereceu sua atenção especial. Somente dois eventos, o Ano do Brasil na França e a Copa da Cultura, que se realiza agora na Alemanha, consumiram 73 milhões de reais.
A avaliação sobre a gestão é, no mínimo, subjetiva. No meio, leviana. No máximo, maldosa. Mistura problemas reais, como verbas de incentivo pleiteadas pela sua esposa, Flora Gil, com maluquices, e classificações de "populistas" que surgem de forma stalinista (aliás, que melhor termo que "stalinista", para definir o regime que impera na redação da Veja?). A matéria traz um quadro, com o que Gil fez pelo Minc e o que o Minc fez por Gil. O primeiro item o critica por tentar criar a Ancinav, que daria um “controle ditatorial sobre o cinema e a TV”. Isso não é verdade. Mas como há um controle ditatorial sobre a produção jornalística de um cartel de mídia na defesa dos seus interesses financeiros, isso é retratado e refletido como “verdade”, porque este projeto ia contra seus interesses, com taxação e combate a monopólio de produção e salas de cinema. O segundo item tenta retratar o ano do Brasil na França como um fracasso. “Os franceses não gostaram muito da programação”. A frase, ridícula, é sinal de quão fraca é sua base jornalística. O ano do Brasil na França pode ser analisado, e inclusive criticado, por vários ângulos, mas teve muito mais repercussão dentro da França que eventos semelhantes dedicados a outros países, gerou intercâmbio de negócios e os eventos na França tiveram grande público. Veja defende que o dinheiro gasto daria para sustentar a Osesp por dois anos.Olha a abrangência, dimensão e alcance de uma coisa, e da outra, que aliás, sequer tem comparação, são alhos e bugalhos...No quarto item, Veja diz que Gil “priorizou pequenos projetos pulverizados pelo país, em detrimento das grandes produções. Não conseguiu, contudo, fazer uma revisão mais ampla das leis de incentivo”. Porque esta prioridade de distribuição de cultura é ruim e grandes produções são boas? Haveria mais, mas podemos terminar perguntando qual era a visibilidade, e o que fez pelo Minc a gestão do ex-petista Francisco Weffort, que foi ministro por todo o governo Fernando Henrique Cardoso (que na Veja, o único a criticar foi o colunista Diogo Mainardi)? Ou por que a matéria não cita o ínfimo orçamento do Minc, como o fez Antonio Fagundes em entrevista à Ilustrada da Folha de S. Paulo, este domingo? Por que a Unesco decretar o samba-de-roda patrimônio da humanidade é algo ridículo? E afinal, porque Veja não ataca de frente a questão de fundo, que realmente a incomoda na gestão de Gilberto Gil no Minc, que é uma das suas principais bandeiras, a questão da propriedade intelectual?


- Para quem quer uma visão diferente sobre a disputa na América do Sul, além daquela veiculada pela Veja, vale a pena ler este texto do economista Paulo Nogueira Batista Jr.:  A ampliação do Mercosul. Posso enviar para quem não tiver acesso.



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