Veja Q Porcaria n.29/30 - 2006

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José Chrispiniano

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Aug 2, 2006, 10:32:52 AM8/2/06
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- Caros leitores: desculpas deste escriba que por compromissos e contratempos não conseguiu fazer o boletim semana passada, e como tinha esperança de fazê-lo ainda antes do fim da semana, não avisou do não envio. Não se repetirá (ao menos até o fim de 2006...). Queria tratar de alguns tópicos da edição passada no fim do boletim. Mas nem para isso estou com tempo e como animação de padaria é pãozinho quente, vamos a Veja desta semana.

- Na capa da revista, a conflito entre Israel e Hezbolah no Líbano. Conflitos envolvendo Israel e países árabes é  o assunto n°1 em disputas e reclamações sobre a mídia no mundo (dos dois lados). Envolvem relações étnicas, visões de mundo, paixões e afiliações políticas inconciliáveis. O mais interessante da internet é permitir consulta a material diversificado sobre o assunto, numa era onde com interesse e espírito aberto pode-se ler coisas produzidas em muitas partes do mundo, como aponta o editor do Orkut, Gavib Tachibana,  em  artigo em inglês que chama atenção para o Google News (da mesma empresa dona do Orkut), que fornece justamente isso. Nunca foi tão claro como as pessoas optam por tais e tais informações e forma de analisá-las (muitas vezes negando outras que complicam sua visão de mundo), nunca foi tão crua as relações de alianças políticas que influenciam a mídia de um país ou outro (o artigo de Tachibana é justamente sobre isso). Apenas um preâmbulo a análise da matéria da Veja.

- Semana passada Diogo Mainardi publicou um artigo bastante simplista pró Israel. Recebeu 36 mensagens. Curioso que em um assunto tão polêmico, em um país com muitos descendentes de árabes, principalmente libaneses, nenhuma das três cartas publicadas critica o texto. Todas o elogiam. É um saco ter que apontar isso, e só o faço porque Veja não publicou uma única carta que minimamente o contesta, mas todas as cartas são de pessoas de sobrenome judaico. Será que Veja publicaria uma carta de um leitor judeu que discordasse de Mainardi?
 
- Como já é um estilo da revista, a matéria de capa é uma análise fria, arrogante, “superior” e editorializada do conflito. Em linguagem chula, é o famoso “caga-regras”. Após duas semanas, até Veja que ironizou na primeira matéria a classificação de “desproporcional” para o ataque de Israel feita pela União Européia, passou a admitir isto (não seu erro no que disse, mas que a UE estava certa). A abordagem da pergunta “Existe guerra justa?”, que não é o que está em questão, mostra o tamanho da viagem (belicista, "falcônica") do semanário.

- Mas para não encher com uma análise detalhada e longa, vamos só as informações que precisaram ser sonegadas para a matéria da Veja se sustentar:

1) O ataque de Hezbollah à Israel, que iniciou a guerra, foi uma incursão unilateral ao território de Israel, mas atacou alvos militares (três mortos e dois seqüestrados com o objetivo de trocá-los por prisioneiros). Mas não foi a primeira incursão deste tipo. Como a própria revista escreve, até ali as reações foram moderadas. O que impressionou, e que certamente o Hezbollah não esperava, foi a escala inédita da resposta de Israel, que não se limitou aos postos do Hezbolah no sul do Líbano.  Esta lançou o conflito em outra escala, na época em que o Hamas na Palestina estava às vésperas de reconhecer o direito de existência de Israel (outra informação sonegada). Veja publica, no seu estilo ridículo, um intertítulo “O culpado pelo começo da guerra é o Hezbollah”. É de um simplismo desonesto. Ao não dar uma resposta pontual e lançar um ataque de larga escala sem acordo com o governo libanês (o que poderia ser intermediado pelos Estados Unidos), o governo de Israel colocou um grande número dos seus próprios civis em risco no conflito. Havia conflito. Quem escalou para guerra foi Israel.

2) A tese da Veja de que o número de inocentes mortos é principalmente por causa do uso deles como escudo humano pelo Hezbollah não encontra paralelo na mídia internacional, principalmente nos correspondentes em Beirute. Ela não explica, aliás, nada ainda explica, os ataques aos bairros cristãos da capital libanesa, destruição de estradas, de centrais elétricas (que causam morte de inocentes), ou a morte de observadores da ONU após 10 pedidos de cessão de ataques na região do posto feitos pela entidade para autoridades de Israel. Veja cita algumas e sonega informações sobre outras ocorrências importantes. E ainda publica um desumano, nojento e abjeto artigo do jurista norte-americano Alan Dershowitz. O seu projeto de reavaliação das leis de guerra é coisa da mesma seara dos trabalhos de Alberto Gonzáles que deram origem conceitual à Guantánamo, ou a idéia de “guerra preventiva”, ou uso de armas nucleares “táticas”. É assustador o que parte da sociedade norte-americana gesta em termos de puro fascismo, e Veja dá guarida e promoção.

3) Veja sonega a informação de como os Estados Unidos tem barrado na ONU e em outras instâncias, todas as tentativas do resto da comunidade internacional de estabelecer algum limite à ação israelense. Ao contrário, na revista os EUA são o fio de esperança da paz, quando na realidade tem bloqueado todas as iniciativas de outros países em busca de um cessar-fogo imediato.

4) A revista compra a tese israelense, e entrevista daqui, lideranças no Líbano que reforçam isso, de que os ataques tem sido bem sucedidos em isolar o Hezbollah do resto da sociedade libanesa. Nem eu nem Schelp estamos lá, mas numerosos relatos, como o de Robert Fisk (e, lembre-se, quem estava certo sobre o Iraque?) indicam o  óbvio contrário, que a ampla ofensiva de mísseis de longa distância tem reforçado posições anti-Israel naquele que era a sociedade mais moderada, plural e “ocidental” entre os seus vizinhos. Mesmo o New York Times mostra divisão, não embarca na tese de isolamento do Hezbollah. Pouco mais de um ano atrás Veja enviou uma correspondente que celebrou a democracia libanesa, então a “jóia” do projeto neoconservador de um novo Oriente Médio democrático. O ataque israelense amplo ao Líbano jogou isto no lixo e fez o governo libanês de completo idiota ao excluí-lo desde o início. Qual a vantagem para Israel de gerar 800 mil refugiados e destruir a economia libanesa, e fazer regredir aos escombros dos anos 80 sua cosmopolita capital, Beirute?

- Há muitas maneiras de ver uma guerra. Para alguns analistas ligados aos democratas norte-americanos, a ideologia de “Guerra ao terror” e a guerra do Iraque provocaram um arco de instabilidade desastroso do Afeganistão à Palestina. Para os neoconservadores que idealizaram a invasão a Iraque, o novo conflito é uma ocasião excitante que lhes dá “razão” e que mostra como se deve “resolver”, com ações militares, o problema da Síria e do Irã. Uma guerra desta escala para eles é solução, não problema. O mundo vai com estes loucos?

- Para acabar de vez com este tópico, vale mais a pena indicar os textos de Robert Fisk sobre o dia-a-dia em Beirute na Agência Carta Maior (Diário de uma semana na vida e morte de Beirute), a entrevista com o sociólogo norte-americano Michael Mann no Valor de sexta-feira ( O produto externo bruto americano) ou o artigo de Ricardo Lísias sobre a obra de Edward Said no Estado de S. Paulo de domingo (posso enviá-lo por e-mail para quem quiser).  Pensei em reproduzir um trecho do texto, mas pela complexidade do assunto, acho é uma má idéia pegar só um trecho.

- Veja tem adotado uma novidade. O modesto e simples conceito de “todo o mundo”, ou “mundo todo”. Como em “O governo de Israel fez uma aposta pesada ao mergulhar tão fundo na guerra contra o Hezbollah. Se fracassar, o mundo todo terá o que lamentar”, no fim da matéria de capa. Ou sobre o fracasso da Rodada de 
Doha de liberalização comercial em : “É uma má notícia para todo o mundo.” Eu não entendi se o “todo mundo” da Veja é um “todo mundo” restrito ou se eles realmente querem dizer “todo mundo”, assim, todos. É interessante notar que agora Veja diz o que é bom ou ruim para “todo mundo”. Nesta matéria sobre a rodada de Doha, tem uma entrevista com o Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio em que ele, e é claro que esta é uma posição institucional, crítica os Tratados de Livre Comércio bilaterais (os TLC´s) e considera correta a estratégia multilateral do governo brasileiro. Quer dizer, é interessante para mim, que gosto do tema e não agüento a campanha da Veja contra o Itamaraty e por um TLC com os Estados Unidos, que certamente entrará em pauta seja o próximo governo Lula ou Alckmin (de maneiras diferentes).

- Itamar Franco teve a primeira declaração dele publicada na Veja sem ser ironizado ou aloprado em uma década. Basta lembrar que a revista já fez uma capa chamando-o de Napoleão de hospício. Bastou criticar o governo Lula e declarar apoio à Geraldo Alckmin para ser tratado com respeito. A seção Veja essa também corrige, na mesma página e espaço, uma ridícula confusão entre Silvio Berlusconi e Rupert Murdoch. Mas a Veja continua com a mania de “corrigir” erros factuais através de cartas de leitores, o que é no mínimo dúbio. Quando saem cartas de políticos contestando as matérias, como a de Ney Suassuna nesta edição, não sabemos se a revista está assumindo o que ele aponta como erro, ou só abrindo espaço para o ‘outro lado”, ou um direito de defesa do citado.

- A matéria “12 ações para caçar os corruptos” de Diego Escosteguy, é muito bem feita. Diferente de outros “programas partidários” que a revista publicou, e seguindo a consultoria gratuita fornecida pelo boletim, Veja citou que consultou especialistas, e até o nome de alguns. É uma pena que Lula não abrace as medidas, consensuais e de bom senso, no seu programa como uma reforma política que ajude a superar o fisiologismo que parte do PT chama cada vez mais de meu louro...Aliás, também é muito boa a matéria sobre as viagens do presidente da Funai

- Já a matéria “54 000 votos por dia” sobre a corrida de Geraldo Alckmin, escrita por Marcelo Carneiro e Camila Pereira não é uma pauta jornalística, mas um exercício de “wishful thinking”, pura projeção que podia ser feita tanto para um lado como para o outro, e do jeito que foi feita é extremamente parcial, quase uma profecia que se quer ver cumprida. Achei uma definição legal desta expressão na internet. Por falta de tempo e para o pessoal da Veja ler mais facilmente, vou deixar em inglês mesmo:

Wishful thinking is interpreting facts, reports, events, perceptions, etc., according to what one would like to be the case rather than according to the actual evidence. If it is done intentionally and without regard for the truth, it is called misinterpretation, falsification, dissembling, disingenuous, or perversion of the truth.
Fonte: skepdic.com


- Olha como Veja não perdoa nem as páginas de cultura de perseguir os moinhos de vento das suas obsessões políticas.  Em texto de Jerônimo Teixeira sobre livro de Ricardo Piglia, olha o que falam de Che Guevara (que fora do contexto, vira alguém “desumano”):

“À primeira vista, o perigo efetivo da leitura parece exagerado nas obras de Cervantes e Flaubert. Mas é preciso lembrar que todo fundamentalismo tem um livro sagrado em sua base. Em O Último Leitor, há um inusitado capítulo sobre o revolucionário argentino Che Guevara – o guerrilheiro que construiu o próprio mito sob inspiração dos contos aventurescos de Jack London. "Ele representa a tensão do intelectual que se converte em homem de ação", diz Piglia. Professando uma doutrina desumana de sacrifício pela causa socialista, Guevara é uma advertência eloqüente: o salto da idéia livresca para a ação efetiva às vezes se dá pela via do autoritarismo. Como o livro de Piglia sugere, fugindo às obviedades, quem lê não se torna necessariamente uma pessoa melhor. Mas se torna, sem dúvida, uma pessoa mais rica.”

Che Guevara sai do texto como alguém que “construiu o próprio mito”, como se não tivesse sido uma pessoa real, com trabalho e lutas reais (concorde-se com elas ou não), mas sim como se fosse menos que um ídolo pop como Kurt Cobain ou Ian Curtis, que se suicidaram conscientes de que isso os tornaria lendas do rock. Não estou julgando o que Piglia escreveu no livro que não li – e acho difícil que tenha este significado– mas o que está na resenha , onde Che deixa de ser personagem histórico e vira apenas o cara da camiseta. Aguardem o que vem semana que vem sobre Fidel Castro...

- “Um blog politico bem sucedido como o de Cesar Maia tem público médio de 30 mil leitores” – Diz a matéria da revista sobre o papel da internet nesta campanha política. A maior comunidade anti-Veja do Orkut tem mais de 26 mil membros (há outra com quase 9 mil). A maior delas simpática a Veja tem 7 mil membros (Mainardi faz mais sucesso – tem 22 mil em uma comunidade de fãs dele). Veja Q Porcaria tem um pouco menos de 600 leitores...Isso é só uma reflexão em voz alta...o boletim precisa logo virar blog (falta tempo) e de uma campanha de “marketing”, rá, rá...


- Não podia deixar de registrar a brilhante micro-resenha que o Valor publicou dia 21 de julho, sobre o livro “Contra o Brasil” de Diogo Mainardi. O crédito é meio confuso na página, mas aparentemente é de Federico Mengozzi. É um parágrafo que reproduzo integralmente:

“O enfezado colunista de Veja encontrou seu nicho de mercado: falar mal do Brasil. E isso lhe rende bons dividendos junto a um público que, pensa-se, adora que falem mal do Brasil, apesar de viver aqui, ter filhos aqui e trabalhar aqui para pagar, entre outras coisas, a assinatura da revista. Mainardi, cujos livros (“Malthus”, “Arquipélago”, e “Polígono das Secas”) estão sendo relançados, elege um antiPolicarpo Quaresma, o célebre personagem nacionalista de Lima Barreto, e desfia ao longo do livro uma série de motes contra o Brasil. Pimenta Bueno, esse o nome do personagem que odeia o Brasil e tudo o que representa. Assim é, diria Pirandello, se lhe parece.”

- Este texto do correspondente do Guardian na Rússia não tem nada a ver com a Veja. Só é muito interessante, por isso o link, assim, a toa, "gratuito":
http://www.guardian.co.uk/russia/article/0,,1834009,00.html



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