Veja Q Porcaria n.24 - 2006

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José Chrispiniano

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Jun 21, 2006, 10:47:56 AM6/21/06
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 - Começo o boletim desta semana com desculpas pelo atraso, e uma correção, porque semana passada cometi o erro de generalizar. Disse que a grande imprensa escrita não tinha dedicado espaço opinativo ao comportamento do secretário de segurança Saulo de Castro Abreu Filho na Assembléia Legislativa. Mas o Estado de S. Paulo e o Jornal da Tarde dedicaram editoriais ao assunto, e Maria Cristina Fernandes, editora de política do Valor Econômico escreveu uma bela coluna no dia 9 de junho sobre o tema. Nem semana passada, nem nesta, Veja dedicou ao tema uma palavra. Outro erro no texto da semana passada foi que Saulo foi nomeado por Mário Covas, não Geraldo Alckmin, embora tenha permanecido como secretário de segurança por todo a sua gestão.

- Um trecho (com alterações) do boletim foi publicado semana passada no site da Carta Maior. Que também publicou uma entrevista de Gilberto Maringoni com Franklin Martins
na qual este discorre sobre o preço e a erosão de credibilidade da revista Veja. Os leitores do boletim acompanharam em edições passadas o embate entre Martins e Mainardi, que também se desdobrou, entre outros lugares na revista Imprensa. Segue um trecho da entrevista onde Martins fala da revista:

“A imprensa foi longe demais e ninguém foi mais do que a “Veja”. Publicaram coisas gravíssimas sem qualquer prova, como os casos dos dólares de Cuba ou das contas externas de membros do governo. Depois sentaram em cima do assunto, como se não fosse com eles. A “Veja” pagará o preço pela perda de credibilidade. Não entendo até agora porque a “Veja” faz isso com a “Veja”. Vai levar muito tempo para que ela recupere a credibilidade.”

- A resposta de Mainardi a Martins está em um post deste blog do site nominimo: http://politicaecia.nominimo.com.br

- É o tema da erosão de credibilidade, e das dificuldades que ela cria, que atravessará o boletim desta semana, onde, como é de costume, a revista faz uma edição mais “light” depois de uma tão pesada quanto a da semana passada.

- Pegue-se a coluna Radar, assinada por Lauro Jardim. Ela dá uma nota ironizando Daniel Dantas. Veja só começou a publicar estocadas em Dantas depois que este não assumiu a autoria do dossiê sobre contas do governo no exterior (que aliás, foi ironizado pelo procurador-geral da República, a quem Veja cita constantemente como de atuação exemplar, e isso Veja não publicou...). Antes disso Dantas não só não era notícia como passou meses em negociação com a cúpula da revista e Mainardi em torno do dossiê, e foi chamado a ter “coragem” para depor contra o governo. Depois chamou a redação da revista, que decidiu publicar a lista, de burra. Aí, magoou.

- Ou a grave matéria assinada por Policarpo Junior, que acusa membros do PT de ter espalhado a praga da vassoura-de-bruxa nas plantações de cacau do sul da Bahia, com o objetivo (e teriam tido sucesso) de enfraquecer o poder político dos fazendeiros locais, aproveitando-se inclusive de cargos públicos para destruir o principal produto econômico da região. A acusação é tremenda, e o assunto muito importante. A matéria está baseada quase que inteiramente no depoimento de um só homem, Luiz Henrique Franco Timóteo, que é uma fonte forte porque confessa ter participado do crime. Ele teria contado a história para César Borges, senador, e Paulo Souto, governador. Ou seja, a história parte do grupo político de Antonio Carlos Magalhães na Bahia (e o jornal de ACM, o Correio da Bahia, esta semana praticamente reproduziu a matéria da Veja). Apesar de Franco Timóteo ter confessado o crime aos dois, eles não divulgaram o caso, segundo eles com medo da acusação de exploração política (não lembra o caso Dantas?). Nem acionaram a polícia ou o ministério público. Franco Timóteo ainda não foi processado e seus alegados parceiros nos crimes (todos negam a participação) têm que ser investigados. Como Veja não corrige seus erros (ver o comentário sobre a seção de cartas), não repara reputações destruídas, e não conseguiu provar várias de suas acusações – os dólares da Farc e de Cuba, as contas no exterior etc...E também por saber que fazendeiros adoram este tipo de história conspiratória para problemas de pragas ou doenças (no Mato Grosso do Sul, por exemplo, muita gente fantasia que a febre aftosa veio em um lote da própria vacina contra a doença, para o seu produtor continuar vendendo).


- A seção de cartas da Veja traz 12 missivas sobre a matéria de capa da edição anterior.
Todas elogiando -a. Um dos leitores chega a usar o termo “terroristas”, para os manifestantes do MLST. O curioso é o nome dele, Amaury de Athayde Jr. (seria homenagem aos dois colunistas sociais televisivos? E se homenagem, de quem? Do pai do sujeito ou de quem está atrás do pseudônimo?).

- A seção traz também duas cartas, uma de Flora Gil, outra da Assessoria de Comunicação do Minc, que contestam uma série de números e informações que foram publicadas no sei-lá-o-que-é-aquilo de Sérgio Martins sobre Gilberto Gil semana passada. Diga-se de passagem, a nota original é bem mais ampla nas correções que a publicada. Mais uma vez, a revista segue esta linha: quando erramos, mesmo que sejam erros factuais, não admitimos o erro; publicamos sua carta e olhe lá...

- A Carta ao Leitor de Veja desta semana é um “eu me amo” acerca das citações feitas a partir da revista por publicações prestigiosas do exterior (The New Yorker, Vanity Fair, Newsweek, The New York Times, The Economist e El País). Porém, o que achei curioso foi um detalhe de rodapé. “Teve ressonância planetária a reportagem sobre a máfia do apito em que, sob o comando da editora Thaís Oyama, repórteres de VEJA desbarataram no ano passado uma quadrilha que fraudava resultados do futebol.” A matéria foi feita, e assinada, pelo jornalista André Rizek, e sempre foi à ele atribuída. Mas como ele saiu da Veja, o que aparentemente magoou os sentimentos do redator-chefe da revista, subitamente o feito do furo é creditado a editora Thaís Oyama, e não mais ao repórter.

- A matéria de capa de Jaime Klintowitz sobre aquecimento global é de uma leniência impressionante, e que Veja não tinha no passado, com as posições do governo George W. Bush em relação ao tema e ao Protocolo de Kioto (o fato dos EUA de Bush ter sabotado o acordo, patrocinado pelo governo Clinton, passa batido). Setores importantes na política e economia norte-americana continuam contestando o aquecimento global.  A matéria acerta ao colocar a responsabilidade nas maiores economias sobre o problema e sua possível solução. Mas é cega ao fugir de ao menos levantar a lebre sobre o modelo de desenvolvimento e sociedade que dificulta (e segundo o filósofo marxista István Mészáros, torna impossível), acima de tudo, enfrentar o problema. As demandas e o elogio ao desenvolvimento econômico=crescimento do PIB, a necessidade de alimentar a ciranda financeira com a exploração irracional de cada vez mais recursos naturais, ou o estímulo ao consumismo. A expansão da China e da Índia, tão elogiadas, são problemas na medida em que elas adotam um modelo de crescimento e consumo que é insustentável para toda a população global (aumento da frota de veículos, consumo de aço e de petróleo etc...), para não falar do impacto ambiental causado pelo consumo norte-americano (ou europeu, ou de brasileiros de classe média etc...). Sem falar na nova "alternativa ecológica": usinas nucleares (o mundo ainda não sabe como lidar com o lixo radioativo). Em um quadro da matéria, Veja fala que “energia limpa pode se transformar em um excelente negócio, sem que para isso seja preciso abrir mão das premissas sagradas do capitalismo”. O problema é que muitas das medidas necessárias para o meio ambiente vão contra a lógica do capital, contra o lucro privado e a favor de um interesse público que é difuso, bem além até dos que deveriam (e em geral não são) defendidos no âmbito dos estados nacionais. E, aí Veja?

- A matéria de capa publica um quadro com os dez maiores países poluidores do mundo. Mas não publica a fonte dos dados do quadro. Isso não é padrão na Veja? Porque algumas páginas depois tem uma matéria sobre AIDS que informa a fonte dos dados. Sem a fonte dos dados


- O Veja Q Porcaria comemora o que considera uma pequena e fugaz vitória que nunca será creditada...A revista decidiu identificar até um ex-jornalista que trabalhou no órgão, Luís Colombini, ao resenhar/divulgar um livro que ele publicou. Um livro de auto-ajuda, o que em tese contraria as regras da Veja de não resenhar este tipo de livro. Não é só isso. Ao dar um quadro para a oportuna iniciativa da Record (quem mais seria...) de reeditar os antes fracassados livros de ficção de Diogo Mainardi, agora que ele é uma celebridade cheia de fãs, Veja coloca a nota em um quadro intitulado “Da nossa equipe”.

- Olha outra curiosidade. Cláudio Moura e Castro escreveu na sua coluna desta semana um texto dizendo que idolatramos o diploma e não valorizamos a “experiência e competência”. Eu concordo. Ele cita, por exemplo, que o conceito de liberdade de imprensa na Alemanha impede restrições de acesso à profissão de jornalista, e que as exigências de formação burocráticas de concurso para docentes em federais afastam talentos de ensinar em nossas universidades. Concordo de novo. Mas olha que engraçado. Moura e Castro, apresentado apenas como “economista”, é ligado intrinsecamente aos interesses do sistema privado de ensino superior, o que dificulta para mim “crer”, donde vêm o termo “credibilidade”, em seus textos. Os detalhes e o “local” de origem, dão sutilezas e diferenças às nossas opiniões. O que eu acho que o Brasil não valoriza, no fundo, é o conhecimento. E o que Moura Castro quer com este texto é combater o desejo dos conselhos profissionais de fiscalizarem e restringirem o ensino nas universidades privadas que são “fábricas de diplomas”, e que, diga-se de passagem, são no Brasil as maiores beneficiárias da idolatria ao diploma desvinculado de conhecimento e competência. No trecho seguinte:

O contrato dos docentes das universidades federais impede o exercício profissional. Se fosse respeitado, nossos futuros arquitetos aprenderiam com quem não projeta, nossos engenheiros, com quem não constrói, nossos médicos, com quem não clinica, nossos músicos, com quem não toca nem compõe, e nossos advogados, com quem não freqüenta tribunais.

Isso está incorreto, porque há contratos que permitem isso nas federais. Só uma parte dos docentes é contratado em regime integral, que é fundamental para a existência de pesquisa, ou seja, de universidades de verdade. No mundo desejado por Moura e Castro e o sistema privado, a docência é um bico de profissionais e nossos estudantes aprenderão com professores que não pesquisam, que não geram conhecimento novo e próprio. Ele desenha um estereótipo falso sobre as públicas (onde só haveria teoria e não prática) para defender um modelo onde haveria prática (quando tanto), sem a teoria ou o novo.

- A matéria de Otávio Cabral sobre como Lula tem usado a máquina pública na sua campanha para a reeleição ia indo até que bem antes de chegar a suas duas últimas frases. Talvez achassem que faltava alguma coisa, então incluíram isso “Incumbente não perde eleição. Alguém tem de ganhar dele – ouviu, Geraldo Alckmin?”. Pra que um troço desses?


- Depois do sucesso do perfil sobre Heloísa Helena, Veja foi procurar outro político da oposição com conteúdo, no caso Fernando Gabeira, para fazer perfil. Gabeira escreveu um texto bonito em seu blog (todo mundo tem blog hoje em dia, menos eu...) sobre a política se tornar auditório na era em que o mercado afirma sua irrelevância. Vale a pena citar uma elegante declaração de Gabeira precedida de uma grosseira, e que no fundo a contradiz, de Julia Dualib, que assina o texto:

Diz ele, com a autoridade de quem foi de esquerda quando isso ainda fazia sentido – no século passado: ‘O ideal hoje é esquecer a esquerda e ver se é possível encontrar pessoas interessantes, de vários horizontes’.
 
- Veja faz uma matéria ironizando o plano de governo do PT, dizendo que ter projeto econômico é um “retrocesso” e que nem Lula dá bola para ele. Como acho que a segunda afirmação, essência da matéria, é verdadeira, vou só focar duas mistificações da revista: “Foi esse o caminho (controle de gastos) que Irlanda e Espanha, para citar dois exemplos, trilharam para ingressar no time das economias modernas e prósperas.” Não tenha dúvida: estes países tiveram e tem projeto econômico, sem falar que há um “detalhe” chamado União Européia na jogada. “Em todos os países viáveis, o Banco Central goza de autonomia formal ou legal”. A afirmação é tão genérica quanto inconsistente. O que quer dizer "país viável'? Quais são eles? Qual as diferenças de modelos de Banco Central nestes países?

- Algumas semanas atrás Veja publicou uma matéria de Diogo Schelp sobre o México, que advogava o modelo e divulgava a intenção do país de entrar no Mercosul. Esta intenção é vista com tremenda suspeita de que apenas visa, sob os interesses dos Estados Unidos ser apenas uma quinta coluna para "diluir" o caráter do Mercosul, já que há uma continuidade geográfica entre os atuais países do bloco, e uma série de normas institucionais sobre restrição a acordos de livre comércio, que para o México entrar no Mercosul, teriam que virar letra morta. Para uma visão alternativa a que a editoria de internacional da Veja propala, e que sequer é de esquerda, vale a pena ler este artigo de Luiz Carlos Bresser Pereira, do PSDB: México e Mercosul. Este é o olho do texto e sua tese central: "Não interessa ao Mercosul a admissão de país que tem um acordo com os EUA que o transforma em dependente."


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