Veja Q Porcaria n.26 - 2006

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José Chrispiniano

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Jul 4, 2006, 12:11:06 PM7/4/06
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- Como foi cobrado no boletim semana passada, e como é correto, Veja e seu jornalista Policarpo Junior deram continuidade às investigações sobre a denúncia de que técnicos do governo membros do PT de Itabuna teriam disseminado a praga da vassoura-de-bruxa nas plantações de cacau do sul da Bahia. O gancho é a reabertura das investigações pela Polícia Federal. A revista ouviu outros cientistas que levantaram alternativas plausíveis à opinião de Gonçalo Guimarães Pereira, da Unicamp, que por conta da pouca diversidade do fungo na Bahia, acreditava ser impossível a denúncia de Franco Timotéo. Além disso, a revista segue em outras linhas de investigações. Veja apenas não cita que as declarações de Guimarães Pereira que  precisaram ser rebatidas foram concedidas ao Estado de S. Paulo. Mas isso é uma questão menor perto do problema maior que havia. Assim, o boletim retira o que disse semana passada sobre a revista acerca do caso.

- Eu acho que deve fazer o maior sucesso e ser muito mais próxima, prática e lida pelo público da Veja uma capa como a desta edição, sobre tipos de pele, do que qualquer uma sobre política, cultura, meio ambiente, questões sociais etc...Li a matéria. Falar o que? É importante, um monte de gente usa creme, o pá! Devem ser em muito maior número entre os leitores da Veja do que aqueles que participam de alguma forma de atividade pública, ou de uma suposta luta pela redução das desigualdades sociais... (não que cuidar da pele seja contraditório com isso...). No sábado, em discussão de amigos jornalistas, um colega que é bem mais jornalista que eu, argumentava a quase extinção das matérias de economia nas semanais, que não havia interesse do público delas nisso. Afinal, quem se interessa mesmo já lê sobre isso durante a semana em jornais como o Valor Econômico, com mais extensão e densidade. Outro dizia que se fizer isso, as semanais viram Caras. Eu tenho uma certa dificuldade de lidar com jornalismo como produto. Ao menos, só como produto. É irônico...Na era em que meros objetos de consumo como tênis, companhias aéreas ou sabonetes desejam transmitir “valores” e “conceitos”, justo o que deveria ser acima de tudo canal de expressão: jornalismo, cinema, música etc...são mais do que nunca meros produtos, ou na atualidade, talvez menos expressivos que os produtos. Minha atitude é minha moda, meu consumo. Não minhas ações ou pensamentos. Sou muito atrasado...


- A matéria “O Vampiroduto do PT”, que traz a denúncia sobre a ligação de Delúbio Soares com o lobista Laerte de Arruda Corrêa, da máfia dos “vampiros”, é bem feita.

- A matéria sobre a saída do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, traz o seguinte olho: “Cansado do atraso do PT e da inação  oficial diante da crise, Rodrigues vai embora – e priva o governo de um de seus melhores nomes”. Rodrigues certamente não gostava dos movimentos de luta pela reforma agrária, da oposição aos transgênicos e da pressão para participar da campanha de Lula, e os cortes no orçamento para proteção sanitária. Mas a matéria “edita” e somo com a principal declaração sobre sua saída do governo, a parte em que o ministro diz que fez o que pode, e não poderia fazer mais não pelo “atraso do PT”, mas por que as decisões que afetavam a economia a partir dali, sobre juros e câmbio, eram da área econômica e nelas ele não apitava nada. Ou seja, se o lado “meia esquerda” do governo foi problema para Rodrigues, também foi a “ponta direita” da fazenda e Banco Central (provavelmente bem mais, porque é o lado que dói no bolso). Mas isso, a revista manipula na matéria. Inclusive eveitando pensar que setores inteiros, como nossa agricultura e indústria, são dependentes das decisões de outro setor (o financeiro), que ainda quer a autonomia legal do Banco Central. Outro trecho diz o seguinte:

“Outra explicação para sua demissão é a intenção do governo de aumentar o índice mínimo de produtividade para desapropriar uma fazenda para fins de reforma agrária – medida concebida apenas para elevar o volume de desapropriações e agradar ao MST, o que contava com a oposição tenaz do ministro.”

É engraçado que o moderno agronegócio brasileiro se recuse a atualizar índices de produtividade que tem mais de 30 anos. Quem produz teria medo do que?

- Impressiona a obsessão da Veja com o marxismo. Se ele é tão absurdo assim, tão derrotado, porque a revista bate e cita tanto ele? (e olha que apesar de trabalhar em uma editora marxista, eu mesmo não sou). Críticas a Marx estão na entrevista de páginas amarelas, no artigo de Stephen Kanitz, na matéria sobre doações de capitalistas, e ele é até citado na matéria de Sérgio Martins sobre a pobreza das letras do rock nacional...Kanitz confunde a classe e a lógica do capital (que é o que o marxismo de fato visa combater) com a pessoa dos empresários. E Marcio Aith e Giuliano Guandalini, na matéria “Os santos do capitalismo”, nos saem com essa:

“O filósofo alemão Karl Marx, arauto do comunismo, previa o fracasso do capitalismo porque o sistema dependia da exploração crescente e infinita do proletariado para gerar lucros e produtividade. Segundo ele, como existe um limite para a exploração do trabalho humano, os lucros parariam de crescer, assim como a produtividade. O socialismo triunfaria. Tudo errado. O capitalismo não precisa de pobres como imaginava Marx, uma mente de terceira categoria que conseguiu enorme legião de seguidores no século passado por sua pregação de natureza religiosa.”


Não vou bater boca com a pensata nosense e leviana. Simplesmente, Marx não é tão simples assim. Ficamos com a classificação dele como uma mente de “terceira categoria”. Não importa sua orientação política, que concorde ou não. Achar que Marx ou Keynes, ou Adam Smith é uma mente de “terceira categoria” é pura ignorância, assim como exigir que alguém que viveu no século XIX esteja correto ou guie seus pensamentos, isso é querer que ele fosse profeta, não filósofo. Talvez de fato o capitalismo não precise de pobres. Mas os gera em quantidade impressionante (a editora em que trabalho, a Boitempo, lançará em agosto Planet of Slums/Planeta Favela do urbanista norte-americano Mike Davis, obra impressionante sobre o aumento da pobreza no planeta). Como não precisa deles, dá medo o destino que lhes reserva...


- Veja entrevista nas páginas amarelas Maria Sylvia de Carvalho Franco, mulher do filósofo Roberto Romano, o que é uma certa diversidade do perfil habitual da seção, ainda que com o mesmo objetivo, bater nos intelectuais e posições de esquerda. Respeito e concordo com muito do que a professora diz sobre censura ideológica na academia (que não é só de esquerda), sobre a figura pessoal de Lula e a maneira que ele se isola e se torna cada vez mais oportunista. Mas eu fico impressionado com a dose de moralismo, personalismo e pouca análise do contexto que salta da entrevista. Fico pensando...No domingo dia 25 de junho, o jornalista Ubiratan Brasil, no O Estado de S. Paulo, publicou uma entrevista com o poeta palestino Mourid Barghouti. Achei-a incrível. Barghouti, como palestino, é obrigado a lidar com uma situação política de perspectivas aterradoras, com lideranças políticas falhas, um povo “pouco viável” lutando contra adversários e situações muito mais fortes do que eles. Contra isso, da sua posição de escritor, Barghouti não abandona a análise rigorosa (inclusive dos erros dos árabes), e assume como inimigo algo essencial: a “poluição da linguagem”. O papel dos rótulos, das generalizações, da retórica excessiva: “Passei a acreditar que a generalização e a excessiva simplificação eram muito perigosas. Escrevi muito sobre a necessidade de ‘arejar´ a linguagem, isto é, abandonar a retórica tanto quanto pudéssemos.” Isso não é uma crítica a entrevistada, mas as generalizações, clichês, frases feitas e posições fechadas do nosso dia-a-dia (meu, seu, da Veja). “Um palestino só é mostrado nas telas de TV do mundo como uma ‘vítima’, ou um ‘criminoso’, só quando há uma faca em suas costas ou uma faca em suas mãos. Ele não é mostrado como um ser humano, um amante, pintor, engenheiro, vizinho tio...(...)”. O mesmo poderia ser dito de uma pessoa que mora na favela, ou da favela em si, ou da periferia em si, ou do uso indiscriminado pela imprensa do bizarro termo (do ponto de vista da linguagem jornalística) "bandido". Segue Barghouti: “Os políticos não estão sozinhos na poluição da linguagem para virar os fatos de cabeça para baixo e destruir a verdade; a mídia também compra suas narrativas enganadoras e as dissemina para o mundo. Notícias geram ignorância e dão início a preconceitos e incompreensão”.


- A matéria sobre as doações de bilionários norte-americanos como Warren Bufett, que doou U$ 30 bilhões para a fundação de Bill e Melinda Gates (além de U$ 10 bi para outras entidades), tornando-a gigantesca, transforma-se em uma apologia empolgada do capitalismo. Buffet, como Gates, doaram somas imensas de dinheiro, mas isso não lhes implica nenhum sacrifício, a não se que ache que há muita diferença prática entre ter U$ 1 bilhão e U$ 40 bilhões (Buffet segue com bem mais de U$1 bi). De fato é melhor que doem e o gerenciem bem do que ficar com este dinheiro, além das vantagens fiscais que eles têm para isso e influência política conquistada. Mas até porque ao criarem estas fundações também avançam ainda mais em áreas que antes eram do Estado (idealmente “republicanas) e que o dinheiro não poderia “comprar”, chamar de “santos” é puro discurso ideológico. O lado legal da matéria é mostrar a insanidade que é no Brasil para doar livros para universidades públicas, ter que pagar impostos, contando a saga de José Mindlin para doar sua biblioteca para a USP (que no final, acabou ficando ligada a universidade de forma indireta, através de uma fundação).

- Quero acabar esta edição meio pesadona do boletim colocando abaixo o belo trecho final deste texto de Marco Aurélio Weissheimer, da Carta Maior. Acho que ele pega o caminho de várias discussões desta e de outras edições do boletim, e lhes dá um belo contexto e imagem. Prometo mais humor para semana que vem...

“Retomando a reflexão inicial de Brecht sobre o caráter nada inocente do uso de conceitos, temos escolhas a fazer aqui e agora. O conceito de “barbárie” define-se, entre outras coisas, pela oposição ao conceito de “civilização”. Se é verdade que, do ponto e vista ambiental, atingimos um ponto de não-retorno, como vêm defendendo um número crescente de cientistas, se é verdade que o fosso entre países ricos e pobres segue aumentando e se é verdade que o mundo permanece gastando muito mais em armas do que no combate à fome e à miséria, qual o conceito adequado para designar o atual estágio que estamos vivendo? Se é mais fácil imaginar o fim do mundo do que uma alternativa ao atual modelo político-econômico, então parece razoável pensar que estamos atravessando a fronteira entre esses dois conceitos. Ou, dito de outro modo, já estamos com um pé (ou talvez os dois) no território da barbárie. Pior ainda: não parecemos muito incomodados com isso. Impotentes e atomizados, vamos ficando cada vez mais fechados em nossas trincheiras, nos preparando para assistir, pela televisão, aos próximos capítulos deste espetáculo. E talvez tenhamos aí, uma nova face da barbárie: trancados em nossas casas, ficaremos imaginando como será o fim do mundo.”

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