Veja Q Porcaria n. 17 - 2006

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José Chrispiniano

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May 3, 2006, 10:20:45 AM5/3/06
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- Semana passada esqueci de colocar a capinha da revista. Desculpe a nossa falha...

- A greve de fome de Anthony Garotinho em protesto contra a publicação das mais recentes denúncias contra sua pessoa, principalmente das Organizações Globo e da Veja, é o que ele afirma ser seu “último recurso em defesa da verdade que tem sido escamoteada". Não nutro simpatia por Garotinho, seu personalismo, a maneira que mistura política e religião, e não acho que seu governo, ou o da sua mulher, foram bons governos. As denúncias contra ele têm que ser investigadas, porque as vias “criativas” para se desviar dinheiro via contratos sem licitação que acabam em recursos para campanhas pululam em vários governos do país. Mas vale algumas reflexões de como a forma e o timing e algumas atitudes da imprensa diminuem a força das suas próprias denúncias, mesmo quando corretas. A formatação do texto de Veja não dá a devido clareza de que a maior parte das denúncias recentes partiram de invetsigações sobre uma lista de doadores divulgada voluntariamente por Garotinho na internet. O momento das denúncias, de fato, é ótimo para a campanha Lula, que quer derrubar sua candidatura pelo PMDB, o que facilitaria uma reeleição no 1° turno (operação semelhante a que fez FHC com Itamar). A brincadeira, de mal gosto, da capa de diabinho, sabendo-se do personagem e dos seus eleitores, é desrespeitosa com um amplo segmento da população. Veja tem o direito de fazê-la? Claro que tem. Mas é uma provocação boba, justamente para irritar e cair em um papo semelhante aos das charges do Maomé. No fundo mistura política e religião da mesma forma errada de Garotinho, e reduz o valor do próprio jornalismo. Como lidar com uma imprensa que inviabiliza alguns candidatos e viabiliza outros, claramente, como mostra a matéria, por filtro ideológico? Por exemplo, o restaurante de “1 real”, são colocados em outra matéria, sobre gastos do governo federal, da seguinte forma:

No Ministério do Desenvolvimento Social, além do Bolsa Família, está sendo ampliado outro programa de apelo social: os chamados restaurantes populares. Sucesso na cartilha de governantes desbragadamente populistas como Anthony Garotinho, no Rio de Janeiro, e Joaquim Roriz, no Distrito Federal, os restaurantes populares vendem uma refeição por apenas 1 real. Hoje, há dez estabelecimentos federais. O governo vai inaugurar mais trinta.

Os restaurantes populares (que eu também acho patético como programa social) também são feitos por Alckmin em São Paulo, que recebe 3 páginas de simpáticas perguntas e respostas em forma de guia, e jamais será chamado de desbragadamente populista. Porque Roriz e Garotinho são citados, e não Alckmin, cujo governo mantém 26 restaurantes como esse? Ao decretar greve de fome com reivindicações que sabe absurdas para restabelecer “a verdade”, Garotinho mostra mais uma vez valorizar apenas a causa arrivista do seu próprio projeto político, no que joga um discurso evangélico para lá, fisiologismo na sua base, e um tanto de nacionalismo de esquerda para cá. Como é do raciocínio da maioria dos políticos, provavelmente crê realmente que trata-se apenas de perseguição política (ou religiosa), independente de saber se as denúncias tem ou não procedências. Porque de qualquer jeito vai negá-las até o fim e porque faz o seguinte raciocínio: “se todos fazem, quando denunciam a mim, só pode ser perseguição”.

- Tenho que admitir que talvez esteja me acostumando demais com a Veja. Espantado que o entrevistado da semana seja um “mero” brasileiro, o psicanalista Renato Mezan. Também que a revista não ironizou o software livre ou Richard Stallman, após fazê-lo tantas vezes, talvez refletindo que nem a Microsoft ironiza mais software livre. Acostumado com as estocadas em outros veículos: as duas cartas serem pró-Mainardi na sua briga com Franklin Martins, ou a briga em torno de um prêmio mundial dado para uma ilustração de Veja feita como frila por um ilustrador que trabalha no O Estado de S. Paulo. Curiosa é a frase da revista: “O que era errado, errado ficou – já que O Estado de S. Paulo sob a atual direção, não tem por hábito corrigir seus erros”. É irônico, porque pouco acima Veja publica uma carta do publicitário Hiran Castello Branco, contestando vários pontos da matéria que o apontava como sucessor de Marcos Valério. Como a revista as vezes usa cartas como correção indireta para seus erros, sabe-se lá se é este o caso. Acostumado com ela ridicularizar gratuitamente Itamar Franco e dedicar uma página sobre a violência em Caracas para bater em Chávez, ou a desqualificar o voto dos pobres.

- Nesse “acostumando”, não achei tão ruim quanto a chamada anunciava, a matéria sobre o programa Bolsa Família. Lógico que neste trecho - Neste ano, o programa consumirá 8,3 bilhões de reais, uma bolada de impostos pagos pelos contribuintes que o governo transfere aos mais pobres. A quantia equivale à metade de tudo que o governo pretende investir em 2006 para construir estradas, hospitais ou açudes. -  ao invés de opor a investimentos, Veja poderia comparar o valor também a algum percentual que seria economizado com redução da taxa selic de juros, ou com gastos da dívida, do qual não seria nem um décimo, quanto mais metade, mas isso seria heresia. Lógico que também poderia haver mais diversidade nos especialistas consultados, não precisava, dos cinco que opinam sobre o programa na revista serem ao menos quatro deles da mesma linha política, adeptos da focalização de programas sociais, versus universalização (a exceção é Lena Lavinas). E principalmente, depois de uma matéria relativamente equilibrada, fica mais “caco”, mais forçada ainda a “pensata” inserida no seu final:

...Só por isso, mereceria aplausos. Mas, no momento em que o governo se despreocupa tanto com a fiscalização, permite concluir que o foco não é a melhoria da vida dos pobres, mas sim a vida eleitoral do presidente da República. E, como sempre, faz-se isso com bilhões de reais pagos em impostos pelos contribuintes.

Isso vem assim mesmo, a seco, sem que nada no resto da matéria leve muito a se pensar isto. Sugiro para a revista a pauta de ficar “esperta” para ver se ninguém no governo não vai usar os cadastros do Bolsa Família para fazer campanha para Lula. Isso sim seria uso eleitoreiro indevido e escândalo, que infelizmente colocaria em risco o programa. E é bem possível que venha a acontecer.


- Também me acostumei que Veja, quando cita qualquer artista de esquerda, tem que demarcar que ele é de esquerda, como se fosse alienígenas, ou mais ou menos como os avisos dos riscos de saúde nos maços de cigarro...Em texto de Moacyr Scliar sobre o escritor Kurt Vonnegut, e acho que ao menos este, até por ser colaborador, eles devem respeitar o texto, dá-se um morde por ele ser socialista e um assopra ao menos no final do texto “O escritor é, de fato, um homem de outro tempo. Um tempo em que, em vez da complacência, se preferia o desafio.”

- O ensaio desta semana de Roberto Pompeu de Toledo é muito bom.
 

- Por fim, um comentário um tanto “extra-Veja”. É claro que com as duas grandes notícias no plano internacional, ambas fiascos de política externa: a nacionalização do gás e do petróleo na Bolívia e o anúncio, em Washington, de que o Uruguai sairá do Mercosul e adotará o “modelo chileno”, leia-se acordo comercial com os Estados Unidos, abriu-se uma vereda para a revista pautar e criticar na sua próxima edição a política externa e os esforços de integração regional do governo brasileiro, de resto destino que mesmo com reveses, é o horizonte inevitável para o desenvolvimento do país e a região. É lógico que dá para a revista “fazer a festa”, já que a saída pela direita do Uruguai deu-se muito devido a crise do país em torno de fábricas de papel na fronteira com a Argentina e o comportamento irascível de Néstor Kirchner, enquanto há forte indícios que a saída pela esquerda de Evo Morales se dá com o apoio político e suporte técnico de Hugo Chávez e a PDVSA. Um tinha acabado de falar com Bush. O outro, com Chávez e Fidel. A política externa brasileira, de negociação, mediação e integração nas diferenças, acabou atropelada no meio do caminho. Certamente faltou informação, ação preventiva e “atuar junto” para evitar ambos os casos, e proteger os interesse brasileiros. Quando Evo Morales se elegeu com discurso anti-imperialista, imaginava-se que o problema dele eram os Estados Unidos. Quem diria que eles acham que é o Brasil e a Petrobras... No mínimo, não é assim que se age com parceiros interdependentes, e era o que se imaginava, parceiros da integração, os presidentes dos dois países (faltou reciprocidade aos apoios que Morales recebeu de Lula, que ficou como idiota na história). Toda esta crise só pode terminar “apenas” em alguma negociação de aumento de preço e maior porcentagem do ganho na exploração para a estatal boliviana que tomou as instalações da Petrobras, já que por questões de infra-estrutura eles não podem imediatamente vender para mais ninguém além de Brasil e Argentina, e ambos dependem do gás boliviano. Infelizmente, é bem provável que isso signifique o fim de parcerias mais amplas entre os dois países. Independente da essência do ato, como foi feito, quando foi feito (imagina se o Evo tivesse que lidar com o Alckmin...) e do jeito que foi feito e contra quem foi feito, foi uma ação burra.

- Sobre o tratamento respeitoso dado por Veja a Suzane von Richthofen, em comparação ao do MST, um leitor bem lembrou que além da questão de classes e da autora do texto, Juliana Linhares, o redator-chefe da Veja, Mario Sabino, é autor de um volume de ficção intitulado justamente “O dia em que matei meu pai”. Olha a sinopse do livro do site Submarino:

Mesclando suspense, tragédia e uma profunda reflexão sobre a alma humana, o romance O dia em que matei meu pai assinala a estréia de Mario Sabino — editor-executivo de Artes e Espetáculos da revista Veja — na literatura. Partindo de uma trama aparentemente simples, a do narrador que conta à sua analista os motivos pelos quais matou o pai, o autor desenvolve uma obra na qual a psicanálise, a filosofia, a religião e a literatura se sobrepõem num discurso marcado pela dissimulação. Uma história de mistério em que o leitor deve descobrir não o crime ou o criminoso — explícitos desde o título — mas as motivações para o ato.

Quem quiser adquirir a obra, e entender mais sobre a "alma humana", pode fazê-lo por este link do site submarino.


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