Veja Q Porcaria n.32 - 2006

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José Chrispiniano

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Aug 14, 2006, 8:56:56 AM8/14/06
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- Esta semana Veja está tão ruim, que dá vergonha até de fazer o boletim. Principalmente esta capa. Mas como este boletim é seu lado porcaria, ela vai, e grande. Até porque, vendo-a, o próprio texto dele torna-se desnecessário. Basta olhar a capa da revista e não compartilhar os preceitos e preconceitos dela. Veja, que em geral usa quatro modelos brancos, um casal adulto e um casal de crianças, quando quer retratar uma “família-padrão” e que não costuma a trazer negros na capa, faz uma rara com uma pessoa negra. E esta é exatamente o que parece: preconceituosa, racista e profundamente anti-democrática. Uma armação e uma vergonha.

- Eu quero dar meus parabéns, então, ao pessoal que trabalha na revista, lê o Veja Q Porcaria, e conforme soube, "ri horrores" com este boletim. Vocês conseguiram fazer uma capa que rivaliza com aquela onde foram cúmplices da armação de Daniel Dantas em termos de jornalismo mau-caráter. Espero que estejam orgulhosos, felizes com seu ambiente de trabalho, rendimentos e com os serviços prestados à sociedade.

- Fazia algum tempo que Veja ensaiava e fazia tentativas menores de desqualificar o Bolsa Família e os votos obtidos por Lula entre os mais pobres. Na semana onde todas as pesquisas indicaram a queda de Alckmin e o caos na campanha tucana, Veja dispersa inventando que Gilmara dos Santos Cerqueira pode decidir a eleição, texto da capa e da matéria, que não esconde seu viés preconceituoso e de desqualificação. Ela “representaria” um grupo de 8,5 milhões de eleitores que seriam o fiel da balança eleitoral (sendo que a diferença entre Lula e Alckmin é bem superior a 8,5 milhões de eleitores, nas projeções de primeiro ou segundo turno). Este grupo, de mulheres, entre 16 e 44 anos, com nível médio de educação e renda de até 700 reais, seria capaz, diz a alucinação assinada por Julia Dualibi, de “alterar, ao seu próprio gosto, o nome do próximo presidente da República”. Como se vivêssemos a ditadura das mulheres nordestinas, e não no regime onde um voto de Olavo Setúbal (“Alckmin e Lula são conservadores”, e para o mercado financeiro, tanto faz, declarou à Folha de S. Paulo), não valesse a mesma coisa que o voto da Gilmara, a única personagem da matéria de Dualibi.

- A má intenção da matéria é nítida: não é informar, mas fazer um discurso ideológico e de baixo nível e reforçar preconceitos. A revista repete de forma anti-jornalística e grosseira, o termo “o dinheiro dos brasileiros que trabalham e pagam impostos”. Esta expressão é repetida cinco vezes no espaço de quatro páginas. O que ela quer dizer? Que as pessoas que recebem o Bolsa Família são vagabundas (Gilmara, por exemplo, trabalha e cuida de três filhos...)? Que o governo está gastando mal este dinheiro ao ajudar os mais pobres com eles? Que só quem paga impostos deveria votar? Porque Veja não discute o impacto da taxa de juros nos gastos do governo, quanto os brasileiros que “trabalham e pagam impostos” economizariam com uma queda mais veloz da taxa de juros, gasto 10 vezes maior que com o Bolsa Família? Por que não mostra quem são os que ganham com esta renda, que não é trabalho? Uma destas citações, sobre a sustentabilidade do ritmo de crescimento da economia do nordeste:

“O que se discute é se essa mudança de patamar é sustentável sem as injeções de dinheiro dos brasileiros que trabalham e pagam impostos. Especialistas lembram que a transferência de renda não pode ser mantida indefinidamente.”

Outra retranca da matéria de capa é intitulada “Reféns do assistencialismo”. Diz o óbvio a partir de um município pobre do Maranhão, que o Bolsa Família tem um impacto na vida dos mais pobres, mas não os tira da miséria. Mas está nítido que a matéria não está em um enfoque de “tem que ser feito mais e isto é um começo”. Mas no “isso é um dinheiro mal gasto, que vicia a população”. O próprio título indica isso, ao dar a impressão que é o Bolsa Família que os mantém na miséria, que os torna “reféns”. Como se estivessem melhores, ou tivessem mais opções sem o programa, “desafiados” pela fome e miséria absoluta a estudar mais e arranjar melhores empregos. É uma aplicação tosca e descontextualizada das idéias em si já idiotas do partido Republicano norte-americano.  Muitas delas inspiradas nos que até hoje não se conformam com o fim da segregação e da escravidão naquele país.
Outra das muitas discussões que o conservadorismo cada dia mais radical da Veja (que no passado cansou de defender programa de auxílio em dinheiro vivo, mas que agora está incomodada com um que funciona mais que os outros, ainda que seja pouco) impede de se fazer é se o país não deve ter, por princípio e inclusive como política fundamental, um auxílio permanente as famílias mais carentes, uma garantia de renda mínima como questão de fundamentação de um país em bases um pouco menos mesquinha que esta de fundar a nação apenas sobre o princípio dos “que trabalham e pagam impostos”. Principalmente se partindo da base tão desigual de renda que temos, se isso não é um princípio “republicano”, no bom sentido do termo. Essencial para criar uma base para se abrir as outras portas de saída da miséria e de redução das desigualdades. Numa comparação um pouco alhos com bugalhos, mas não inteiramente, não é o que a ex-Alemanha Ocidental fez, com muito mais recursos e sofisticação, com a antiga porção Oriental? E não está funcionando até melhor, chegando aos que precisam, saindo mais barato, uma transferência de renda de cima para baixo, do que muito do que foi investido e apropriado pelas elites locais na antiga Sudene?

- A matéria da Veja é má, cruel e pequena, e dissimulada ao fingir não ser. É claro que o nordeste precisa de mais que Bolsa Família para se desenvolver, como a revista diz, mas é lógico que o problema não é o Bolsa Família, e seu estímulo ao consumo movimenta a economia e estimula a atividade econômica local. O Bolsa Família não tira as pessoas da miséria, como a revista diz, mas é um dinheiro que retorna a economia e melhora a vida de pessoas com poucos recursos, talvez evitando outros problemas que gerem custos maiores (imigração, criminalidade, mortalidade infantil etc...). É claro que o Bolsa Família e outros programas para a população mais pobre aumentam os votos de Lula neste setor, mas isso não torna o programa necessariamente eleitoreiro (se ele é válido e não discrimina politicamente, não o é) e este não é o único fator da vantagem de Lula sobre o Alckmin, e não, Gilmara do Santos Cerqueira não pode decidir a eleição, por mais que sua pessoa ter direito a voto pareça irritar aos Mario Sabinos, Eurípedes Alcântaras e Roberto Civitas da vida.

Para que a profecia de Vale (Sérgio, economista) não se materialize, é vital que o Nordeste deixe de ser encarado apenas como um celeiro de votos, onde os políticos vão periodicamente comprar seu mandato a preço de banana.

- Eu concordo, como diz a revista, que é irreal e improvável que Lula mantenha a gigantesca vantagem que hoje tem sobre Alckmin no nordeste. Mas sabe qual eu acho que é um dos principais problemas da campanha do tucano? O discurso dele, que é muito parecido com o da Veja (sobre taxa de juros, política externa e tamanho do Estado é idêntico), tem ressonância em um grupo muito específico da sociedade e não consegue disfarçar os preconceitos que traz dentro dele. É um setor que se encastelou no poleiro do seu complexo de superioridade e não consegue mais descer dali. Eles exprimem tanto asco por grande parte do país, como querem que este se empolgue com um projeto de Brasil feito por esta gente que o despreza? Como Alckmin recebe o voto, ainda que com nariz tampado, de um Diogo Mainardi, para ser presidente do país onde “tudo o que é ruim tem um pé”, ou que “dá mesmo vergonha de ser brasileiro”, como escreveu nesta semana? 

- Mario Sabino, em matéria sobre a biografia de Otávio Frias de Oliveira, assim se refere as acusações (sérias) de relações da empresa com a ditadura nos anos 70:

O grande salto comercial e institucional da Folha ocorreria no início da década de 80, com a abertura política. O jornal tornou-se, então, uma espécie de porta-voz dos anseios democráticos da sociedade. O dado curioso é que pouco antes, em meados dos anos 70, a Folha fora acusada de colaborar com os porões do regime militar, depois que se descobriu que carros da empresa estavam sendo usados para caçar terroristas de esquerda. Ameaçado de morte por integrantes da tal luta armada, embora jurasse nada saber do assunto, Frias, juntamente com a família, viu-se obrigado a entrincheirar-se na sede do jornal, no centro de São Paulo, onde morou por alguns meses.

“Terroristas de esquerda” é um termo de um revisionismo impressionante, um novo substituto, piorado, para o ultrapassado “subversivos”. Assim como se referir a esta passagem da biografia de Frias de Oliveira como um “dado curioso”, me parece um pouco redutor e leviano. Mas enfim, faz parte deste tipo de matéria feita sobre este tipo de livro sobre personagens patrões, em geral feitos (livros e resenhas) por jornalistas que ocupam cargos de chefia, em momentos que mostram que para ocupar certas posições, além de competência e capacidade de trabalho é necessária uma certa identidade ideológica, ou senão uma coluna flexível. Se tiver os dois então...

- Tem várias outras coisas na edição desta semana, mas vamos parar por aqui. Não vou nem falar de como ficou a edição das fitas (foto-legenda) sobre o PCC preferir o PT, com um pequeno comentário para tentar tirar o corpo da revista de tomar um processo pela referência (sem falar que a matéria é muito menos reveladora e traz poucas novidades, ao contrário do que indica sua capa). Ao menos a revista cobra que Saulo (que nem a Veja leva mais a sério) cumpra sua bravata e renuncie ao cargo, após a verba federal que ele duvidava que viria ter sido depositada.

- Semana passada, deixei passar sem comentário um artigo absurdo de Lya Luft na revista. No fundo, no fundo, aí que notei que a enquadrei na mesma categoria de personagem de Mainardi. Se este é Marquinhos, para meu espanto e decepção, Luft parece encarnar o que um amigo meu batizou de “mentalidade de personagem da Regina Duarte”. Marco Aurélio Weissheimer, na Carta Maior, analisou o artigo: A lição de Pontecorvo para não descer a lomba

- Um trecho do Veja Q Porcaria publicado na Caros Amigos em uma nota de Hamilton Octávio de Souza, gerou uma carta deste jornaleiro, que gerou esta matéria sobre ele, que volta ao Veja Q Porcaria...

FAZENDOMEDIA.COM 
10.08.2006
"É CHEGADA A HORA DE MODIFICAR A REALIDADE"
Entrevista com o jornaleiro que decidiu parar de comercializar as revistas Veja, Época e Primeira Leitura
Thaís Fernandes/fazendomedia.com
 
Trinta e três anos, jornaleiro há nove. Proprietário da banca que fica num movimentado ponto de Porto Alegre, Fábio Marinho tomou uma decisão: não vai mais vender a revista Veja. "Não é mais possível ficarmos esperando que os outros venham fazer algo por nós (...). Todos somos, de alguma forma, responsáveis pelo mundo em que vivemos". Fábio está se formando em História e comunicou sua decisão em carta enviada ao jornalista Hamilton Octávio de Souza e publicada na revista Caros Amigos de julho (leia a íntegra aqui). Sua esperança é, como conta nessa entrevista, contribuir para que outros jornaleiros "também tenham uma tomada de consciência e percebam a importância de seu trabalho na sociedade e tomem iniciativas, por pequenas que sejam, que contribuam para pormos um fim a este avanço dos liberais, ou neoliberais, se preferir, que só tem trazido sacrifícios para a grande maioria da população". Seu endereço eletrônico é: marin...@hotmail.com. E seu endereço físico, pra quem quiser fazer uma visita, é o número 100 da Rua Dom Diogo de Souza, Cristo Redentor.
Entrevista concedida a Marcelo Salles - sal...@fazendomedia.com

Há quanto tempo você trabalha como jornaleiro?

Tenho 33 anos, sou jornaleiro há nove anos, sempre como proprietário e no mesmo ponto de venda.
Qual o perfil dos seus clientes?
O perfil de meus clientes é variado devido ao fato de minha banca ficar próximo a um terminal de ônibus que atravessa a cidade de norte a sul e na frente de uma instituição de ensino particular. Então, atendo desde o desempregado sem perspectiva até ao empresário de sucesso; atendo pessoas de todas as classes econômicas.
Por que a decisão de parar de comercializar a revista Veja?
A gota d'água que me fez parar com a Veja foi uma "reportagem" sobre o presidente venezuelano Hugo Chávez, onde ele era retratado como um tiranete, um ser exótico, só que tudo era escrito num tom muito ofensivo, sem o menor respeito por um presidente de Estado, de uma nação soberana, eleito pelo voto popular. Aí eu pensei: a Veja foi longe demais. E tomei a decisão de não vendê-la novamente. Mas era uma decisão que vinha sendo amadurecida desde a época do "escândalo" do jornalista [Larry Rother], aquele que chamou o Lula de bêbado, quando a Veja fez uma série de reportagens tentando afirmar a mesma coisa. Olha, não sou lulista, mas a Veja foi desrespeitosa naquele momento, e comecei a pensar em não vendê-la. Essa decisão foi levada a termo a partir da tomada de consciência de que não é mais possível ficarmos esperando que os "outros" - ou o Lula, ou o "salvador" - venham fazer algo por nós, e de que todos nós, de alguma forma, somos responsáveis pelo mundo em que vivemos. Então, na minha opinião, é chegada a hora de fazermos algo para modificar a realidade que nos cerca; o que eu posso fazer é isto, então fiz.
Sua decisão se estende a alguma outra publicação ou é restrita à revista Veja?
A revista Época recebe um tratamento semelhante, embora há menos tempo, a partir da crise do "mensalão" (um ano, não é?). Também não sou petista, mas é fato que a revista forçou a barra, se calou durante os anos FHC e agora resolve praticar jornalismo investigativo? Dá licença! A revista Primeira Leitura também recebe tratamento semelhante, nem preciso dizer por quê, né?

Thaís Fernandes/fazendomedia.com


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