Veja Q Porcaria n.25 - 2006

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José Chrispiniano

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Jun 26, 2006, 8:38:16 PM6/26/06
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 - No dia 21 de junho, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma matéria na sua página A14, editoria de ciência, assinada por Herton Escobar. Título: “Praga que devastou cacau veio mesmo de ação humana”. Subtítulo: “Mas denúncias de que ramos infectados vieram da Amazônia não tem sustentação científica”. A matéria de Veja, baseada na auto-denúncia de Luiz Henrique Franco Timoteo , sobre membros do PT terem espalhado a praga para colher benefícios políticos, é citada explicitamente, na realidade ela é a própria razão da pauta. O coordenador do projeto do genoma do fungo conhecido como vassoura-de-bruxa, Gonçalo Pereira, dá a seguinte declaração na matéria: “Não tenho dúvidas de que a introdução foi criminosa, mas essa história, da maneira como foi contada, é altamente improvável.” A razão é a seguinte: enquanto na Bahia só se encontram dois tipos de fungos da vassoura-de-bruxa, na Amazônia há possivelmente milhões de variedades. Como Franco Timoteo relata ter feito várias coletas aleatórias na região norte, e vários enxertos, deveriam haver, segundo sua história, muitos focos de origem e variedades do fungo na Bahia. Mas foram apenas dois os focos que deram origem a praga na Bahia, e apenas duas as variedades. “Assim sendo, a chance do sabotador ter conseguido apenas dois isolados, tendo feito uma coleta aleatória em diferentes propriedades dessas regiões, é próxima de zero”. Diante desta matéria, Veja poderia nesta edição se corrigir, rebater a do Estadão, citá-la etc...Talvez até admitir o erro. Enfim, esclarecer o seu público da continuidade do caso. Verificar se a pesquisadora Lucília Marcelino, da Embrapa, citada na sua matéria, reafirma que do ponto de vista técnico esta história é viável, ou concorda com o cientista ouvido pelo Estadão, que baseado em DNA diz que não sabe quem é o pai “mas este não é”. Como não está nem aí para a responsabilidade do que publica, para as pessoas afetadas ou para seu público leitor, Veja não deu uma linha para uma análise científica que desmonta quatro páginas da revista. Ainda publicou carta do atual prefeito de Itabuna, Fernando Gomes (PFL), cumprimentando pela denúncia, e do ex-prefeito, Ubaldo Dantas (PSDB), que ventila o seguinte: “A região sabe que a vassoura-de-bruxa foi implantada por mãos humanas e que os citados são capazes do feito”. Também publica carta de João Mendonça de Amorim Filho, que dá outra versão para o surgimento da praga, que teria ocorrido por transporte irregular de cacau por comerciantes de Ilhéus ao longo da BR-101. Ao invés de corrigir a matéria, transformam a revista em central de boatos e dá espaço para ilações e estocadas política na seção de cartas.

- Não são os únicos casos recentes de jogar ao vento e ver no que vai dar da revista. Além do já clássico dossiê das contas do exterior de Lula trabalhado com Daniel Dantas, que ninguém tem coragem de assumir a paternidade, Veja poderia ao menos dar uma nota, para concluir o que deu a reportagem publicada com estardalhaço sobre José Dirceu articular com Boris Berezovisk a compra da Varig (e com a comissão financiar uma bancada “própria” na Câmara). Os dois envolvidos negaram. Na ocasião Veja omitiu que a legislação limita em 20% o capital estrangeiro em companhias aéreas, como o boletim informou. Agora Veja lembrou dos 20%. Mas já estamos na segunda matéria sobre a Varig depois daquela e Veja ainda não se lembrou de informar onde foi parar esta história de Boris e Dirceu, que só ela publicou.

- Por que como que fica a seriedade da revista, se ela virou amplificador com ejaculação precoce de qualquer denúncia contra pessoas do PT, e depois, se estiver errada, não corrige minimamente o estrago feito? O que dizer da leviandade do título: “PT, PCC e peruas: Tudo a ver?”. A manchete é apelativa e generaliza um caso específico que envolve uma investigação sobre as relações de Jilmar Tatto e Arselino Tatto, membros do “clã” dos Tatto, com peruas e o crime organizado, sobre o qual foi concluído um inquérito (que terá que ser, ou não ser aceito pelo Ministério Público). O principal do texto, e os principal problema, se encontra neste trecho:

“Há três semanas, a polícia prendeu Luiz Carlos Efigênio Pacheco, presidente da Cooper Pam, uma das principais cooperativas de perueiros da capital paulista, suspeita de ligação com a organização criminosa. Conhecido como "Pandora", o perueiro é acusado de ter financiado, com dinheiro de lotações, uma tentativa frustrada de resgate de preso de uma cadeia de Santo André (região do ABC paulista), em março passado. Detido, ele negou pertencer ao crime organizado, mas admitiu a infiltração do PCC no setor perueiro e disse que foi por ordem de Jilmar Tatto, ex-secretário de Transportes da prefeita Marta Suplicy, que sua cooperativa incorporou integrantes da organização criminosa. As duas afirmações, graves, constam do depoimento que Pandora deu formalmente à polícia. Uma terceira informação, porém, ainda mais grave, ficou de fora do inquérito. Ela foi dada por Pandora ao delegado Marcelo Fortunato, que o prendeu. Segundo disse o presidente da Cooper Pam, o ex-secretário de Marta recebeu 500.000 reais para favorecer um grupo de perueiros ligados ao PCC no processo de licitação para a exploração da região sul da capital.”

A formatação do texto dá a entender que Tatto pediu a Pandora que membros do PCC entrassem diretamente na cooperativa. O que consta no inquérito é diferente disso. Ele pediu para que se integrasse à cooperativa um grupo que depois se descobriu ter ligações com o PCC. É uma diferença sutil, mas que existe, já que abre a possibilidade de Tatto não saber desta relação. E o que é mais estranho, a terceira informação, a “mais grave”, não constar no inquérito. Se o inquérito do delegado Marcelo Fortunato se baseia no testemunho de Pandora, e Pandora deu esta declaração “mais grave” ao próprio delegado, porque o delegado não a incluiu no inquérito que ele mesmo fez? Ou seja, Veja usa como pedaço principal da denúncia algo que o delegado resolveu não citar no seu pedido de prisão preventiva. E que é, mais uma vez, um "superfuro", que nenhum outro veículo que apura o caso, inclusive com repórteres especializados em polícia, encontrou.
Não é esquisito?

- Quando li sobre o texto de Fabio Giambiagi, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), sabia que ele ia aparecer na Veja desta semana. Giambiagi fez um estudo que diz que o aumento do salário mínimo
e dos gastos sociais acima da inflação teve um impacto de 250 bilhões de reais na relação dívida/PIB. Ou seja, a dívida estaria 25% menor caso o mínimo não tivesse sofrido tais reajustes. A revista usa o estudo para atacar o rombo da previdência. Porém, não pode deixar de citar as “disputas metodológicas” em torno do estudo, o que é um eufemismo descarado. Na realidade, as falhas do trabalho foram bombardeadas, entre outros, por José Paulo Kupfer, Era só o que faltava  . Ele destroça o trabalho de Giambiagi. Um trecho: “Produzido por um funcionário público para um órgão público, o texto, dado o forte viés ideológico e a fragilidade dos argumentos, apesar do verniz técnico, é um autêntico caso de desperdício de dinheiro público.” Talvez mais furioso ainda tenha ficado Luís Nassif, que bateu de frente com o estudo no texto Juros com camisinha, onde aponta como é curioso que um estudo sobre evolução de gastos públicos coloque um contra o outro gastos sociais e investimentos, e ignore solenemente os gastos e o efeito das altas taxas de juros, como se estes não existissem. Outros colunistas (Elio Gaspari e Paulo Nogueira Batista Jr.) optaram por analisar outros dados produzidos por Giambiagi no Ipea. Os que dizem que ao contrário do que em geral a mídia diz, não há um salto explosivo dos gastos com o funcionalismo público em relação ao PIB. Ou seja, Veja escolheu o aspecto do trabalho que confirma o que ela diz, e escondeu o que nega (teve petista que optou por fazer o mesmo...). Este caso mostra que tanto estudos técnicos, como sua leitura, não são tão “neutros” assim e podem ser manipulados para discursos políticos e reafirmação de certezas. O texto em si pode ser avaliado diretamente no boletim de conjuntura do Ipea, no site da instituição (www.ipea.gov.br). Pelo menos, a matéria da Veja mostra que o rombo é a contribuição  específica para este fim menos os gastos da previdência (não fazia isso), e aponta que a alta informalidade (só 1/3 da força de trabalho contribui com o INSS) é parte do problema que gera o déficit. Engraçado que sempre se pensa na solução apenas pelo viés de reduzir os benefícios, e não o de aumentar a base de contribuições (com fiscalização e incentivo a contratação formal e crescimento econômico).

- Problemas habituais: Mais um pensador conservador (e só estes têm espaço) nas páginas amarelas (Paul Johnson, que crê que os últimos heróis do ocidente foram os do neoliberalismo: Tatcher e Reagan...), obsessão com dieta a ponto de fazer oba-oba com um genérico de remédio para emagrecer que se vende com prescrição médica, e espaço privilegiado na seção de frases para qualquer declaração participante do campeonato de grosseria dos membros do PFL sobre Lula (ACM, Borhaunsen, José Jorge, César Maia e etc...). Ao menos André Petry escreve uma coluna mostrando a indigência política (e até tática) do expediente.

- A seção “auto-retrato”, em tese espaço para entrevistas curtas e relativamente banais com personalidades sobre elas mesmas é usada esta semana em entrevista de Diogo Schelp com Carlos Gutiérrez, secretário de Comércio dos Estados Unidos. O que se defende nela? Os tratados de livre-comércio (TLC) com os EUA. É uma entrevista, a palavra está na boca do entrevistado. Mas Veja vai ouvir as razões de quem é contrário ao Brasil fazer um TLC com os Estados Unidos, como o ministro Celso Amorim? Não...Respeita e veicula estas posições, ou só as do “other side”?

- Marcelo Carneiro e José Edward escreveram uma espécie de rascunho de “paper” de “historia instantânea” sobre a morte do petismo e o surgimento do “lulismo”. Eu concordo com a análise que Lula de fato, se descolou do PT, e criou um arco político baseado não muito em ideologia ou em partidos estruturados, mas na forte tradição do personalismo, fisiologismo e interesses regionais que marcam a política brasileira. Ia escrever uma digressão sobre fisiologismo, populismo e afins, e os diversos problemas que pululam do texto deles, mas melhor pouparmos uns aos outros dessa chatice, né?

- Então, estou pensando em alguma forma de contirbuição voluntária para o financiamento do boletim (como vocês vêm toda a semana, isso dá um trabalho...). Apesar de não mudar a natureza livre e gratuita do Veja Q Porcaria, eu receber algum tipo de remuneração por conta destas análises envolve tranto problemas conceituais da natureza desta crítica, quanto práticos. Como estou pensando no assunto, decidi "coletar sugestões". Quem quiser dar sua opinião sobre o assunto, por favor mandar um e-mail para vejaqp...@yahoo.com
 

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