relato beija flor stone

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Jorge Soto

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Nov 6, 2020, 7:21:11 AM11/6/20
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A PEDRA DO BEIJA-FLOR
Dos serrotes domésticos de Sampa, a Serra do Itapety é uma das mais acessíveis aos andarilhos de plantão. Com suas largas e altas encostas forradas de mata secundaria guardando a cidade de Mogi das Cruzes, o Itapety está repleto de caminhos que levam a toda sorte de mirantes que se espalham por toda extensão de sua elegante crista. Mas o intuito aqui não é tratar de seus dois points mais conhecidos - o Pico do Urubu e a Pedra do Lagarto - e sim versar de atrativos menos visados e isentos de visitação, com caminhos bem mais rústicos e menos pisados. Foi assim ao retratar a Pedra do Lagartão (ou Pico da Lua), da Seriema, Porteira Preta e da Cabeluda, entre outros. Pois bem, e o assunto deste relato é a Pedra do Beija-Flor, cocoruto rochoso que se ergue da mata num ombro serrano á nordeste que deriva da crista principal. Um rolezinho até de relativa facilidade que esticou até a Trilha da Nascente, na Reserva Botujuru.

Com viagem mais rápida que o previsto saltei na última estação da Linha Coral da CPTM por volta das 9hrs. Sozinho e bem disposto a novas explorações, toquei decididamente na direção nordeste, cruzando a rodoviária, a rotatória e uma simpática pracinha até finalmente cair na Av. Antonio de Almeida, sempre acompanhando a sinalização “Bairro Rodeio” ou “Jd Maricá”. No caminho, em meio aquele belo dia de céu azul e sol a pino, a paisagem logo revela a elegante silhueta da Serra do Itapety esparramando-se por toda extensão daquele quadrante, recortando o horizonte com suas abauladas escarpas de leste a oeste.
Após cruzar a ponte sobre o Rio Tietê e a rotatória da Av. Perimetral, tangencio o pacato Bairro Rodeio que parece recém levantar naquele horário. Área predominantemente residencial, toco sempre pra nordeste até que o asfalto termina e dá lugar á precária “Estrada Velha do Lambari”, antiga via de conexão da cidade com o outro lado da serra. Uma vez nesta empoeirada via de chão, a exatas 9:25hr, basta acompanhá-la até o final, ganhando altitude aos poucos conforme as botas pisam o chão.
O sol brilha com força e o suor escorre farto pela ponta do nariz quando a ascensão passa a ser no agradável frescor da floresta, que me envolve num misto de mata nativa, ciliar e reflorestamento. A subida então prossegue tranquila e sem pressa naquela manhã, quando subitamente tropeço com a placa delimitando os limites da Reserva Botujuru, onde adentramos despudoradamente agora pisando de fato numa precária e estreita vereda. E tome subidinha interminável, onde me surpreendo com a vegetação incrivelmente mais baixa que o normal, num claro sinal que a trilha vem sendo roçada com mais frequência.
O trecho seguinte - e com maior declividade do trajeto, chamado de “Paredão Boliviano” - além de bastante acentuado e com pedras roladas servindo de degraus, é feito sem pressa, apreciando os nuances da floresta. Mas logo depois a vereda nivela e tangencia uma curta picada que dá acesso a uma clareira e uma oportuna bica, onde encho meu cantil com o precioso líquido. Minha rota prossegue ainda em nível, ladeando uma enorme área de várzea, onde ignoro primeiro uma ramificação pela esquerda e logo na frente outra ramificação que segue reto. Aqui tomo a via da esquerda, que continua subindo o restante da serra com relativa e acentuada declividade.
Pois bem, uma vez nesta ramificação da esquerda não tem mais erro pois dai o caminho dá seu estirão final através dum caminho bem escorregadio e coberto de limo, demandando alguma atenção. Capim-velcro vez ou outra surge se agarrando nos braços, deixando marcas áqueles que se desvencilham deles de forma brusca. Até que finalmente desemboco num cruzamento bem no estreito selado que interliga cristas e divide os dois lados da serra, onde tomo a vertente da direita, rumo leste. A via então prossegue apenas mais um pouco pela crista e já se avista os primeiros degraus e aderências rochosas da Pedra do Lagarto, que agora faz parte da Reserva Botujuru. Pronto.
E assim, por volta das 10hrs, piso pela enésima vez nos 1090m das aderências graníticas da Pedra do Lagarto, enorme monolito que serve de mirante natural que permite vista panorâmica para o vale do rio Paraíba do Sul, com orientação geral para o norte. Ali se enxerga desde vestígios da urbe de Mogi emoldurada pela mata, ao sul; as corcovas florestadas do restante da crista serrana, a oeste; e a horizontalidade de Sta Isabel e Igaratá quebrada pelas Serra de Piracaia e do Itaberaba, destacando-se ao norte. Dono absoluto do lugar em pleno domingão, fico um tempo literalmente lagarteando, beliscando o lanche da mochila e clicando o entorno áquele belo belvedere.
Pois bem, depois de cerca de 45min de descanso na pedra e ao ver a chegada gradual de visitantes, retomo minha chinelada saindo do Lagarto, revigorados, tocando por uma estreita vereda que partia de cima da pedra até desembocar num caminho maior. Esta rota conheci ano retrasado e apelidei de “Trilha da Cerca” pois ela percorre a crista na direção leste acompanhada da cerca que demarca os limites da reserva. E assim foi, avançei tranquilamente pela abaulada cumieira cercado por uma simpática floresta, num caminho por incrível que pareça bem roçado e repleto de matacões por todo trajeto.
Pois bem, a pernada transcorre sem intercedências até que minha rota ganha altitude e uma vez no alto dos 1080m, marcado por um bambuzal e um rochedo a margem da vereda, começa a descer na mesma medida em que muda radicalmente pra direção sudeste. Como havia estudado o trajeto previamente por imagem aérea sabia que era aqui que tinha que abandonar a crista pra seguir na direção nordeste. Procurei então rastros de algum caminho que fosse naquela direção e imediatametne encontrei! Pra facilitar a navegação, não apenas encontrei um rastro deixado como ele simplesmente acompanhava uma precária cerca que ia naquela direção. Pronto!
Uma vez nesse caminho não tem mais erro, pois conforme se avança por aquele espigão florestado se perde altitude na mesma medida. Ora de um lado da cerca, ora do outro conforme a abundância de mato no caminho vai ditando, claro! Mas chega uma hora em que abandono o mato pra começar a andar num trecho mais aberto e acidentado. Aqui já surgem pedras no caminho e numa delas avisto dejetos recentes de um pequeno mamífero. Logo surge um degrau nivelado e, mais adiante, reparo que o espigão continua descendo forte quase numa reta interminável. E sem aparente vestígio de caminho serra abaixo!
Contudo, antes disso reparo que a evidente vereda palmilhada até então desvia forte pra esquerda, se espreme em dois rochedo menores, e finalmente emerge no alto de uma rocha depois de fácil escalaminhada de suas últimas aderências! Pronto, pisava enfim na tal Pedra do Beija-Flor!! Horário? Apenas 11:15hr! Ali, na cota de exatos 1065m me brindo com um breve descanso naquele rochedo que coroa uma encosta de rocha verticalizada enquanto aprecio a bela panorâmica que ali se descortina do quadrante nordeste. A vista privilegia o restante da serra pra leste, as chácaras que se esparramam na base e o pacato vilarejo do Beija-Flor, a meus pés. Contornando o rochedo pela esquerda é possível descer á base da pedra (onde havia sinais de fogueira), rasgar algum mato baixo e sentar-se no alto da enorme encosta rochosa supracitada que serve de suporte á pedra. Pausa pra contemplação, muita!
Dei continuidade á minha pernada retornando tranquilamente á crista principal logo depois que reparei o céu começar a se tomado aos poucos com nuvens negras e ameaçadoras! Prossegui então a pernada pela abaulada cumieira por mais um tempo, onde via perfeitamente o véu cinza de chuva vindo do sudeste, entre os breves lampejos da urbe mogiana em meio á mata! Mas subitamente surge uma bifurcação onde abandono a vereda de crista (que termina caindo na “Estrada Beija-Flor”) e me a agarro á vertente da direita, que perde altitude de forma imperceptível até desembocar na “Trilha do Pinheirinho”, ás 11:40hr, uma vereda mais larga e bem roçada que desce a serra quase 300m de declividade de uma vez pro sul! Chinelada esta onde a mata ciliar logo deu lugar aos tradicionais reflorestamentos desta região do Itapety.
A larga via finalmente termina num portal de madeira junto duma placa da reserva indicando minha localização. Foi aí que a chuva despencou de vez sobre minha cabeça! Sorte eu ter visto a previsão e trazer um pequeno guarda-chuva na mochila! Logo adiante surge uma bifurcação onde intuitivamente tomo o retão que segue em frente, ainda pro sul, chapinhando por poças e algum chão mais escorregadio e coberto de limo! Já quase no pé da serra, passei por um lindo lago que aquela altura refletia apenas as brumas opacas que cobriam por completo toda a Serra do Itapety enquanto o firmamento ainda despejava água sem parar!
A chuva não dava trégua; pelo contrário, parecia aumentar cada vez mais! Por sorte lembrei que logo adiante havia um lugar onde podia conseguir refúgio até que o temporal abrandasse. E este lugar, na cota dos 750m, foi o casarão abandonado logo adiante que nada mais era a antiga sede da Fazenda Rodeio! Sim, toda aquela propriedade e seu entorno tiveram muita significãncia pra cidade, uma vez que o outrora grande latifundio do início do século passado foi adquirido primeiro pela Votorantim, pra depois cair nas mãos do Grupo Suzano Celulose. Lá pela década de 50 e 60 o lugar foi uma espécie de cartão de visitas Suzano. Era ali que recepcionava fornecedores, promovia encontros sociais e onde muitas decisões empresariais foram ali tomadas. Hoje, o antigo casarão ainda está de pé mas repleto de infiltrações, mau conservado e com parte do teto despencando devido á umidade. Uma pena que um patrimonio desses, testemunho de uma época, esteja largado ao esquecimento.
Retomei a chinelada quando a chuva abrandou um pouco e assim tomei uma vereda bem marcada que sai dos fundos do casarão que se pirulita pro norte. Conforme se avança o caminho se torna bem evidente e óbvio, penetrando cada vez mais na espessa floresta da reserva, mas o melhor é que ele apresenta vestígios da tubulação e dos velhos aqueodutos da antiga captação de água utilizada para o abastecimento público de Mogi das Cruzes no início do séc. passado. Imediatamente deduzi que o caminho devia ser de manutenção de uma importante nascente, nos moldes daqueles existentes aos montes na Baixada Santista e no litoral, e geralmente eles levam a represas e piscinas, me animando bastante a prosseguir.
Mas conforme avançava a vereda se tornava mais rústica, a declividade apertou e o mato começou a ameaçar se debruçar de vez no caminho. Após um breve trecho nervoso - coberto de capim-gordura e capim-velcro que me deixou todo lanhado -  a picada se tornou outra vez amigável e transitável em seu trecho final. E assim, coisa das 13hr e na cota dos 790m, chego no final da tal “Trilha da Nascente” e, conforme o previsto, me deparo com um enorme poço esverdeado que represa a água captada naquela dobra serrana, no caso, de um dos vários afluentes do Córrego Botujuru, que por sinal empresta seu nome á reserva. Infelizmente por conta do relativo frio não pude me refrescar naquele belo piscinão, mas dane-se..ja tava valendo apenas estar ali.
Dali bastou retroceder todo caminho feito até a casa abandonada e dali tocar pela via principal, agora bordejando os altos muros do luxuoso residencial Bella Cittá, bem no momento em que a chuva tornava a cair. Dali saí descaradamente pelo sul, onde estão as casas dos caseiros e funcionários da antiga fazenda, hoje propriedade da Suzano Papel e Celulose. Lembro que da última vez que saí por ali fui parado e interrogado pelos funcionários da fazenda, fato que incrivelmente não ocorreu por aparentemente não avistar ninguém naquele inicio de tarde chuvosa.
Depois disso, ao invés de seguir pelo interminável estradão de chão na direção sul, devidi sair por uma via que se pirulitava na direção sudoeste, aparentemente abreviando meu trajeto até Mogi. Boa sacada essa, uma vez que dali bordejei os luxuosos empreendimentos do Bella Cittá e dali cair na rotatória da Av.Antonio de Almeida, perto do Novo Mogilar. Pronto. Dali até Mogi foi um piscar de olhos, pois me vi pisando num supermercado do lado da estação por volta das 14hr, no exato momento em que a chuvarada pareceu aumentar de vez. Missão de chegar á Pedra do Beija-Flor cumprida! E muito mais!

Recapitulando, a Pedra do Beija-Flor é mais uma opção de mirante rochoso de relativo fácil acesso e, a diferença da Pedra da Seriema, não tem necessidade alguma de rasgar mato sem caminho algum. Assim como a Pedra do Lagartão (ou Pico da Lua), é uma caminhada apenas mais extensa que nasce a partir da ilustre “pedra reptiliana”. Em tempo, não confundir a Pedra do Beija-Flor com o Mirante Beija-Flor, belvedere que ja foi assunto de outro relato que está situado bem mais a leste, quase do lado da estrada que interliga Mogi ao bairro rural do mesmo nome. E tudo isso numa Serra do Itapety bem do ladinho da urbe, porém ainda longe dos holofotes do ecoturismo convencional.




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