relato serrote sao roque

3 views
Skip to first unread message

Jorge Soto

unread,
Oct 16, 2020, 8:46:45 AM10/16/20
to trekking_e...@googlegroups.com

TRAVESSIA DO SERROTE DE SÃO ROQUE
Anos atrás realizei uma descompromissada pernada pelo Serrote de São Roque, espichada sequência de morros situada na divisa deste município com Vargem Grande Paulista (SP). Por motivos logísticos ou sei lá qual, realizei essa pernada com a necessidade de um pernoite num dos vários mirantes do trajeto, como o Pico das Pedras e o Pico da Lua. Desde então ficou a vontade de lá retornar e fazer tudo num dia só, saindo mais cedo e com a leveza ágil de uma simplória mochila de ataque. Pois bem, esta caminhada finalmente vingou e resultou numa simpática pernada dominical. Uma chinelada bem tranquila de menos de 20kms que teve início num cafundó rural de Itapevi e findou no Alto da Serra, bairro vargem-grandense ás margens da SP-270.

Sem muita necessidade de madrugar encontrei a Ana (única vivalma que topou me acompanhar!) na estação Itapevi, da Linha Diamante da CPTM, naquele comecinho de dia que prometia ser raciante. Imediatamente nos pirulitamos então na baldeação pra última estação, feita numa composição bem mais antiga. É incrível a mudança de paisagem depois de Itapevi nesta breve viagem, pois parece sque se está adentrando numa cidade interiorana qualquer. Em tempo, o cinza da urbe dá lugar ao verde e a poeirenta Estrada de Araçariguama, logo ao lado, reforça essa impressão.
Saltamos então as 8:40hr na última estação da supracitada linha, isto é, a Amador Bueno. O lugar parece uma cidade de faroeste á margem da ferrovia, pois se resume a uma pequena praça e duas ruas principais onde orbita o minúsculo comércio local. Em tempo, de Itapevi existe condução regular até São João Novo, que dispensamos por estar bem dispostos a fazer esse trecho a pé pelos trilhos remansecentes da antiga EF Sorocabana. Aliás, emendar o ferrotrekking ao rolê apenas temperou nossa aventurinha dominical.
Com dia limpo e bem animados, pusemos-nos então a andar pela continuidade da linha férrea, sentido São Roque. Há uma evidente vereda que acompanha os trilhos embora as vezes estes desapareçam, soterrados por terra, pedras ou até mesmo mato. No primeiro quilômetro a paisagem é bem decepcionante. Sim, a proximidade da urbe não deixa de entrever apenas bastante lixo ou descarte irregular, mas principalmente ruínas de residências tombadas de barrancos. O que me chamou a atenção desde minha última passagem por aqui foi a presença de mais casebres irregulares construídos a beira da via. Era tudo quanto é barraco perfilado, um do lado do outro, ao largo da via e sempre precedido por um mau cheiro de esgoto próximo.
Esta primeira impressão de degradação logo se esvai a partir do segundo quilômetro. As residências ficam atrás e os horizontes se expandem permitindo avistar as verdejantes serrinhas ao norte, elevando suas corcovas de forma elegante naquele quadrante. A vereda some e ressurge inúmeras vezes ao lado dos trilhos, pontilhado por voçorocas de mamonas e amoras silvestres que reforçam o clima interiorano da pernada. Trechos abertos e descampados se intercalam outros mais frescos e fechados, proporcionados pela frondosa vegetação presente nas encostas da morraria a margem da via. A trilha sonora é o silêncio absoluto, embora vez ou outra impere algum ruído oriundo da SP-274, via que interliga Itapevi a São Roque.
Depois de 3kms passamos pela divisa de Itapevi/São Roque, onde existe uma discreta picada adentra na mata pela direita e alcança uma bica cravada na encosta, ideal pra abastecer o cantil. Depois o caminho se alarga um pouco mas logo se estreita novamente, tangencia uma fazenda, mergulha num trecho de vegetação mais fechada e cruza um pequeno pontilhão de madeira. E após mais um relativo trecho de mato crescido nos trilhos, onde somos emparedados por íngremes encostas, os horizontes se ampliam exibindo as primeiras residências de São João Novo logo a minha gente.
Assim, após quase 6kms depois ter deixado Amador Bueno alcançamos a simpática casinha de madeira que figura como a histórica estação de São João Novo, que hoje funciona pra velar moradores locais. Olho pro celular e vejo que são apenas 10:30hr, na cota dos exatos 780m. Abandonamos os trilhos e tomamos as vielas na direção sul, de onde já se avista a cumieira da Serra de São Roque elevando-se ao fundo. Cruzamos então todo vilarejo e, bem dispostos, dispensamos até um breve descanso na simpática pracinha central.
Cruzamos o asfalto da SP-274 e tomamos a “Estrada do Taxaquara”, que sobe suavemente na direção desejada e logo se torna uma empoeirada via de chão. Em caso de dúvida, basta seguir a sinalização indicando “Clube de Campo”. Após quase vinte minutos nesse compasso, passando por sítios e um pequeno foco de reflorestamento de eucaliptos, tropeçamos com uma bifurcação onde tomamos a ramificação da direita. Antes disso temos um segundo vislumbre, bem mais amplo e detalhado, do Serrote de São Roque, atraente escarpa que se esparrama na direção noroeste, onde se avista perfeitamente as várias corcovas que se elevam pela crista: uma torre ao longe numa, reflorestamento noutra e um punhado de rochedos noutra. Pois bem, esta última que é nosso local de pit-stop, o Pico das Pedras.
Dali em diante o caminho bordeja um bosque de pinheiros, tangencia a entrada do tal Clube de Campo e desce numa reta interminável em direção á morraria almejada. A poeirenta via termina numa bifurcação em “T”, bem no sopé da serra, onde intuitivamente tomo a direita. Ali, bem na frente de uma casinha amarela, parte uma óbvia trilha que mergulha numa florestinha e dá inicio á ascensão num trilho bastante erodido, porém nítido e visivel. Não tem erro. E será a esse caminho que vamos nos agarrar até o final.
Depois de subir este trecho inicial em meio a um farto eucaliptal na direção oeste, a vereda sai no aberto e empina forte pro norte. O caminho erodido, íngreme, escorregadio e repleto de buracos retarda o avanço consideravelmente. Não bastasse, o sol e calor escaldante daquela tarde castigam o corpo sem dó, obrigando a inúmeras paradas na precária e escassa sombra deste trecho bem exposto e com pouca sombra. Mas isso é apenas detalhe pro desnível a ser vencido, que é de mais de 250m duma vez só!
E tome subida interminável, que agora se dá através duma crista ascendente em direção ao espigão principal. O colorido das flores a margem da via destoa dos tons verde-claro dos arbustos e dos focos de mata mais densa aqui e acolá, embora existam vários trechos de queimada em ambas margens da vereda. Apesar da declividade, do calor e até de alguns gigantes da floresta tombados no caminho, a subida mantém um certo ritmo, mesmo que lento e com suor escorrendo farto pela ponta do nariz. Mas conforme se ganha altitude a recompensa vem sob a forma duma deliciosa ráfaga de brisa fresca, dos largos horizontes que se descortinam e da proximidade dos enormes monólitos de pedra do morro, que agora parecem estar quase ao alcance das mãos.
Mas devagar e sempre respiramos aliviados ao atingir a cota dos 1020m, ponto culminante da serra, onde um farto reflorestamento forra esta primeira cumeada e uma evidente trifurcação no caminho indica a rota a ser seguida. Pela minha experiência, sei que aqui as duas ramificações da esquerda vão de encontro o mirante por caminhos distintos, enquanto a da direita se mantém na crista pro sul. Tomamos então a primeira opção, que mergulha num bosque descendo suavemente (pra leste) num chão forrado de folhas, até dar numa enorme clareira repleta de caóticas trilhas de motoqueiros.  Descendo esta clareira damos na margem de uma florestinha de mata remanescente onde se avista uma picada menor, que se pirulita pro norte e vai de encontro a borda íngreme da serra. Tomamos então esta curta vereda de forma desimpedida, ganhando altitude novamente, embalados pela agradável sombra que refresca os ânimos daquele final de tarde.
Pronto, emergimos então subitamente da mata e o caminho de terra dá lugar a uma áspera rampa rochosa que termina abruptamente num penhasco vertiginoso, onde os horizontes se expandem de forma fabulosa. E assim, por volta das 11:30hrs, nos vemos finalmente pisando no alto dos 1010m do mirante do Pico das Pedras. Uma simpática clareira de pasto divide espaço com enormes rochedos que pipocam de ambos lados, de todos tamanhos, e cujo centro é tomado por uma rampa de pedra maior, lembrando muito a da Pedra Balão ou Pedra Esplanada. Lixo? Nenhum. A vista é generosa principalmente do quadrante norte, descortinando a minúscula São João Novo em meio a um mar de morros, salpicados por uma ou outra fazendinha. Fora isso, ainda se avista parte da urbe de Itapevi a leste, as escarpas do Voturuna ao norte e o Japi, logo atrás. Ah, e do alto se tem uma noção de todo caminho feito até alí, pois se observa perfeitamente o risco alvo de boa parte da “Estrada do Taxaquara” em meio aquele horizonte coberto de verde. Claro, pausa pra fotos, lanche e curtição do visual!
Revigorados e com bucho cheio, retomamos nossa chinelada por volta das 12:15hr retrocedendo sem pressa á trifurcação do reflorestamento anterior (ta lembrado?) pra então tomar a vereda da direita, ou seja, aquela que se agarrava á cumieira da serra. Pois bem, tomando a vereda supracitada entramos num farto foco de mata ciliar, com vegetação caindo até no meio do caminho, sempre pro sul. Perdendo altitude lentamente, não demorou pra retomar a rota em meio aos reflorestamentos de eucaliptos em nível, agora bordejando a encosta da serra. Aqui os obstáculos se resumiam a muitos troncos tombados no caminho, nos obrigando a agachar ou simplesmente desviar deles.
Mas não tardou pra direção virar pra noroeste, sempre ladeando a serra que eventualmente oferecia largas vistas nas janelas da floresta. Ao adentrar numa reentrância de vale tivemos que chapinhar um trecho onde acumulava umidade na serra, ornada daquele alto capinzal típico de brejos. Mas logo o caminho teve continuidade em nível, ainda pra noroeste, até alcançar uma nova trifurcação de relativa importância. Como havia estudado previamente a região por imagens aéreas e portava bússola, minha navegação não teve maiores dificuldades em adotar o caminho que se mantinha no alto da serra em detrimento dos demais, ou seja, pegamos aquele que tocava sempre pro sul.
Uma vez nesse caminho ganhamos altitude novamente e bem forte, sempre em meio ao farto arvoredo do eucaliptal. De repente, numa fresta consigo avistar as torres que coroam o Pico da Lua, na continuidade daquela espichada crista. “É pra lá que vamos!”, apontei pra Ana. Este trecho feito basicamente numa reta só teve apenas uma breve parada de descanso e pra bons goles de água por conta dos trocentos troncos tombados no caminho, nos obrigando tanto como a saltá-los ou apenas desviar deles. Em tempo, este trecho da cumieira praticamente percorre a divisa de São Roque e São Paulo, no caso, os distritosde Mailasqui e São João Novo.
E assim, o final da vereda nos larga numa porteira de metal que é facilmente transposta, pra então andar o trecho restante numa precária via de chão que vem da base da serra e percorre o restante florestado da crista, sentido sudoeste. E assim, sem maiores dificuldades e no calor do inicio de tarde, chegamos na trilha de acesso ao Morro da Lua, que nasce as margens da estrada e se pirulita pelo pasto acima com mediana declividade, porém sem sombra alguma. O morro é pipocado de pedras de todas as formas e tamanhos, onde vários urubuzinhos pareciam nos dar as boas-vindas empoleirados num enorme monólito de pedra.
Dessa forma, pouco depois das 13:30hr pisamos nos 1080m do topo do Pico da Lua, nome popular pelo qual o Morro de São Roque aparece oficialmente na carta. O topo é bem amplo, tem duas grandes antenas de telefonia e é cercado  por trocentos rochedos que dividem espaço com várias clareiras com algum vestígio de fogueira. Pela facilidade de acesso que lembra até a Pedra Grande atibaiense, há algum lixo e algumas pedras ostentam “artes burrestres”, infelizmente. Enquanto a Ana descansa a sombra de um arbusto, eu busco ângulos pra clicar a bonita paisagem, que privilegia todo quadrante noroeste e onde se pode avistar Mailasqui e uma diminuta São Roque, logo atrás, emoldurada pelo difuso recorte do Morro Saboó. De repente, uma coceirinha na canela chama minha atenção. Carrapatos! Dane-se, faz parte.
Na sequência, bem descansados e depois de beber toda nossa água retomamos o final de chinelada pela estrada de manutenção das torres, que logo desembocou numa poeirenta via de chão que bordeja a base do morro. Uma placa indica o morro ser de propriedade da Fazenda Itaicy e da entrada ser proibida, aviso que deve ser praticamente ignorado se levar em consideração o lixo ao redor.
Dando as costas ao finalzinho da Serra de São Roque logo caímos na Estrada dos Vargas e sob o forte sol daquela tarde em questão de poucos minutos caímos as margens da movimentada Rod. Raposo Tavares (SP-270), num bairro chamado apropriadamente de Alto da Serra. Horário? Quase 15hr!! Diferente da vez anterior, infelizmente não deu pra bebemorar pois naquele horário de domingo ja tudo estava fechado. Paciência, não nos restou opção senão nos prostar no ponto de ônibus do outro lado da rodovia. Não demorou e embracamos num latão intermunicipal até Cotia e lá baldear noutro que nos deixou no terminal do Metrô Butantã por volta das 16:30hr, tempo mais que suficiente pra fugir do trânsito habitual de final de tarde.

E finalizando este relato, quero deixar duas considerações a respeito dessa descompromissada travessia. No geral ela é bem tranquila, exige pouco fisicamente devido ao baixo desnível e é de fácil navegação. Apenas o trecho de reflorestamentos da cumieira pode gerar dúvidas, á semelhança do emaranhado confuso de trilhas da “Reflora” (em Perus), onde é fácil se perder. Por isso se não se tem noções simples de navegação artesanal (e um bom mapa local), recomendo o uso de algum aparelho de georeferenciamento pra não perder tempo tomando trilhas erradas. A outra consideração é referente a necessidade ou não de pernoite, que é algo que fica a critério pessoal do andarilho da vez. Se quiser, faça num dia só. Do contrário, levante sem pressa e tenha esta agradável oportunidade de dormir no mato, num “hotel de trocentas mil estrelas”...



Reply all
Reply to author
Forward
0 new messages