relato EFPP

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Jorge Soto

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Nov 27, 2020, 12:11:53 PM11/27/20
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E.F.PERUS-PIRAPORA: DA ESTAÇÃO CORREDOR Á ESTAÇÃO SANTA FÉ
Inaugurada em 1914, a E.F. Perus-Pirapora foi o ramal ferroviário criado pra levar o cal produzido pelos vários fornos da região de Cajamar até Perus (SP), onde era convertido em cimento na Fábrica Portland, que por sua vez cedeu material pra construir metade da Metrópole de São Paulo. Desativada na década de 70, a ferrovia era repleta de estações em seu trajeto, como por exemplo a Corredor e Santa Fé, as duas primeiras saindo de Perus. E esse foi o rolê deste último domingo, alcançar essas estações (ou o que sobrou delas), situadas nos cafundós da Reserva Florestal do Parque Anhanguera, o maior parque protegido de São Paulo. Um ferrotrekking de quase 20kms que resgata um pouco da história esquecida desta linha férrea, atualmente tombada pelo Condephaat.

Saltei na Estação Perus por volta das 9hr em companhia da sempre simpática Lu, após tranquila e rápida viagem pela linha Rubi da CPTM. A manhã daquele domingo escancarava um tempo ótimo, com céu azul e sol esquentando rapidamente no decorrer do período. Da movimentada estação basta sempre tocar pra noroeste, e isso se consegue tomando uma estreita passagem que dá acesso aos viadutos sobre a estação, desviando de alguma sujeira e um ou outro mendigo dormindo na escadaria. Dali de cima se tem uma bela vista de Perus, assim como o recorte da silhueta da Mantiqueira logo atrás, e da Pedreira de Taipas.
Pois bem, do alto do viaduto o sentido é intuitivo já que basta cruzar a entrada duma propriedade que bordeja o pé dum morrote bem baixo. A rua é precariamente asfaltada e tangencia um antigo casarão abandonado de arquitetura bem bonita, mas incrivelmente largado. Pois é do lado deste casarão que é possivel avistar o início da histórica ferrovia, entre a via palmilhada e um ruidoso Córrego Perus. Na verdade o trilho nasce ali pertinho, quase por trás da Estação Perus (num casebre que parece um quarto) e passa do lado do casarão em meio algum mato crescido.
O tal casarão também tem relativa importância histórica uma vez que era ali onde não apenas partía o trem, mas também era comprado o tíquete de embarque, uma vez que é possível reconhecer a plataforma que emparelhava na composição. Chamada de “Casa Azul”, ali também funcionava o “Bar do Durval” onde eram vendidos salgadinhos, refrigerantes, doces e outras guloseimas aos passageiros. Atualmente hoje esse patrimônio está em ruínas, sujo de mato, com interior deteriorado e todo pichado por fora. Uma pena.
Dali acompanhamos os trilhos numa curva que adentra propriamente no pátio interno do que sobrou da Companhia Nacional de Cimento Portland-Perus, onde majestosas estruturas decrépitas de ferro e concreto se elevam sobre a via num cenário que não deve ao de qualquer filme apocalíptico, pois ta tudo corroído pelo tempo. Era aqui onde o cal vindo de Cajamar era despejado nos inúmeros galpões pra ser transformado em cimento. A ferrovia e a fábrica, inaugurada em 1926, foram então responsáveis pela geração de emprego e renda na região por mais de meio século. Do interior da fábrica há ramificações dos trilhos que levam ao antigo depósito de locomotivas, ao descarregador de pedras e ao escritório de tráfego.
Os trilhos cruzam a Portland e seguem pra oeste, logo deixando a fábrica pra trás. Ao passar pela minúscula casinha alva que servia de controle de tráfego (que por incrível que pareça ainda está de pé) é possível avistar em meio ao mato as fundações concretadas cercadas de mato da última versão da plataforma coberta criada posteriormente, já quando o serviço de passageiros foi extinto, em 1972. Ali embarcavam apenas os funcionários da Perus, no chamado “carro –cauda”. Lembrando que a ferrovia tinha inicialmente seu destino como Pirapora, pra levar romeiros, mas os trilhos nunca chegaram lá pois os empreiteiros da época desviaram os trilhos pra Cajamar, uma vez que isso vinha de encontro a seus interesses econômicos.
Na sequência e tangenciando alguns vagonetes enferrujados do lado os trilhos me levam á simpática Vila Triângulo, uma minúscula vila operária abandonada que mais parece um presépio mas que era onde residiam os funcionários da Portland. Da mesma forma que a fábrica, ali ta tudo largado, sendo tomado pelo mato. Dali os trilhos se pirulitam num vasto gramado penetrando no que parece ser o vão entre duas altas encostas de morro, pra depois sair sair novamente no aberto. Aqui tanto faz caminhar pela via férrea (que eventualmente some no mato ou enterrada no chão) ou um oportuno trilho que a acompanha a todo momento. Não tem erro.
Os trilhos passam então por baixo da Rod. dos Bandeirantes (SP-348) em meio a um capim-colonhão recém-roçado, mas antes disso dou uma fuxicada numa das várias veredas que vão de encontro ao Rio Juquery, curso dágua que me acompanha desde o ínicio da chinelada, seja perto ou afastado. Num piscar de olhos a tal picada me leva num belo remanso lindamente encachoeirado do supracitado rio, com lajotas e belo piscinão pra tchibum. No entanto, o encanto se desfaz imadiatamente ao constatar que aquele bucólico lugar poderia ser muito mais bonito, não fosse o rio estar totalmente poluído e o entorno estar repleto de toda sorte de lixo trazido por um espumante Juquery. O mau odor próximo da água força ainda mais esta péssima impressão. Triste.
Depois da rodovia os horizontes se abrem pemitindo avistar, a distância, o respeitável cocoruto do Morro da Pedreira (ou do Tico-Tico), á noroeste. A pernada ao lado dos trilhos prossegue sem intercedências pela tranquila vereda, cruza algumas casinhas de alvenaria (onde moram algumas famílias) a margem da antiga rodovia e tem continuidade sentido oeste, sempre em nível. Mas não sem ser recebido por estridentes cachorros que anunciam minha presença. O aroma agridoce e intenso de ameixas inunda as narinas e logo percebo voçorocas do pé ornando a bucólica vereda.
Mas logo adiante desemboco numa estrada de chão maior que cruza perpendicularmente os trilhos, poeirenta via que leva á Pedreira Pedrix. Claro que ignoramos esta via e nos mantemos nos trilhos, sempre tocando pra oeste. Mergulhamos então na floresta e avisto nosso caminho, óbvio e bem evidente, lindamente ornado de bijus e marias-sem-vergonhas, tendo sempre o Rio Juquery marulhando mansamente a nossa direita, ora próximo ora afastado. Caminhada agradável, desimpedida e praticamente sem desnível algum, emoldurada pela mata espessa que filtra a luz natural daquela bela manhã, iluminando nossa rota que basicamente se dá em linha reta. Pra variar eventualmente a paisagem, surgem breves trechos onde os trilhos cruzam morros bem no meio, onde nos vemos emparedados por altas encostas que parecem cortadas a prumo na mais pura rocha.
E assim a pernada se desenrolou durante um bom tempo, alternando trechos retilíneos com breves curvas na encosta de morro, como que desviando suavemente pra sudoeste, mas sempre acompanhados por um fétido Rio Juquery á nossa direita. De repente abandonamos a mata fechada e nosso caminho se deu por campo aberto, cercados por áreas alagadiças, brejos, banhados e até por pequenos afluentes do Rio Juquery. Neste trecho encontramos a única vivalma do ferrotrekking, um tiozinho que roçava o mato alto remanescente na linha férrea. Conversando brevemente com ele revelou que a roçagem era prum projeto de revitalização do passeio de maria-fumaça naquele trecho, mas se queixava que depois das eleições a prefeitura tava “fechando a torneira” desses investimentos no turismo.
E assim, após quase 8kms chinelados desde a Portland eis que a exatas 10:30hr nos deparamos no que parece ser um vilarejo abandonado, mas na verdade se trata do que sobrou da antiga Estação Corredor da E.F.P.P. Situada no setor norte da Reserva Florestal do Parque Anhanguera, ali não era uma estação oficial propriamente dita (como boa parte de outras dessa linha) e sim apenas um ponto de parada de trens, servindo de pátio de locomotivas, posto telefônico e ponto de abastecimento de água. Espalhadas em vários trilhos havia várias locomotivas enfileiradas, umas em melhor condição que outras, mas boa parte delas oriundas da antiga “Estação Gato Preto”, estação já demolida de Cajamar.
Foi ali mesmo que eu e a Lu nos brindamos um breve pit-stop pra beliscar um lanche e alguns goles de água, enquanto o único tiozinho que ali estava nos passava algumas informações do lugar. Se surpreendeu com nossa presença ali, nos deu a dica de reabastecer os cantis numa mina próxima, reclamou do atraso do seu salário e contou que o projeto de revitalização dali estava em cheque. Isto porque havia um projeto de transformar a estação num Ecomuseu com finalidade turística, com direito a passeio de locomotiva a vapor e carro de passageiros antigos, mas a crise econômica estava criando impedimentos pra dar continuidade aos trabalhos. Uma pena.
Perguntei das condições dos trilhos a partir dali e disse que não sabia responder ao certo, pois raramente seguia além da estação. Mas garantiu que a trilha estava metade roçada, metade fechada com capim-navalha e isso bastou pra tomar a decisão de chegar ao nosso próximo destino não por trilhos e sim cortando o parque na diagonal, tomando as estradas internas do mesmo. Sim, já havia estudado previamente a suposta localização da próxima estação, a Santa Fé, e ela ficava no extremo noroeste do parque. Se fossemos pelos trilhos teríamos que contornar todo perímetro da reserva florestal (coisa de 10km!), e como não sabiamos ao certo das condições deles havia o receio de atrasar nosso rolê demais e sair dali á noite, algo impensável tendo em vista as dimensões do parque. Por isso tracejei uma rota que cortava o parque na diagonal até chegar o mais próximo dos trilhos novamente, já perto da estação, chinelando metade da distância originalmente proposta, ou seja, quase 5kms!
Pois bem, descansados e revigorados retomamos então nossa chinelada pouco depois das 11hr. Nos despedimos do tiozinho e lá fomos nós! Já logo de cara vimos um tucano que, tímido como ele só, não deixou que o clicássemos empoleirado num galho a margem da precária estrada de chão, que ganhou altitude suavemente primeiro pro norte, ganhou o alto dum morrote e depois foi desviando aos poucos pra oeste, descendo de forma imperceptível em meio a uma bonita floresta de reflorestamentos. Surgem vários cruzamentos no caminho, mas navegando sempre com minha dupla inseparável bússola/mapinha, fui sempre tomando os caminhos mais batidos que fossem na direção oeste, rasgando o parque ao meio.
Chegamos então no limite oeste do parque, ja perto duma baixada de vale, e dali azimutamos pro norte por uma via de chão bem pisada. Caminhada esta praticamente em nível, sinuosa e compassada, feita no frescor da exuberante Mata Atlântica. Aos poucos, começamos a ouvir o rumorejo de um rio á nossa esquerda, que nada mais é o Córrego Santa Fé, afluente nervoso do Juquery que acompanha nossa rota, enfiado no fundo dum estreito desfiladeiro. Caminhos á direita são ignorados e, sempre nos mantendo pro norte, quando finalmente a via principal palmilhada vira pra leste e dali segue praticamente reto nessa direção. Pronto, estávamos no extremo noroeste do parque, agora tinhamos que interceptar a linha do trem e buscar a maledita estação, ja quase nos limites de São Paulo com Cajamar.
Foi ali, fuxicando a margem esquerda da estrada, que encontramos um rabicho de trilha bem batida que se pirulitava mata adentro, na direção desejada. Ótimo! Num piscar de olhos caímos na linha férrea e dali tomamos a esquerda (ou seja, oeste), que era em tese onde a estação se encontrava, com base na localização dada pelo google maps e wikimapia. E assim fomos acompanhando os trilhos por uma precária e estreita via que os acompanhava, ora de um lado ora doutro, conforme o volume de vegetação ou mata tombada surgia á nossa frente. Mas logo trombamos com uma decrépita ponte sobre o supracitado Córrego Santa Fé, que cruzamos cautelosamente nos agarrando firmemente nos dormentes e trilhos. “Ja pensou cair nesse rio fedido?”, disse a Lu, se agarrando aos trilhos como se fosse seu gato de estimação.
Do outro lado prosseguimos a  chinelada pelos trilho durante cerca de 5 minutos, bordejando a linha e desviando do arvoredo tombado. Mas foi ali que reparei que estávamos saindo demais da localização suposta da estação, sinal que não era por onde estávamos, apesar de eu dar uma fuçada fora da via e encontrar um belo e aprazível lago, perto de outro afluente do Juquery, o Córrego Itaim. “Lu, se não é pra este lado deve ser pro outro! Já estamos quase perto dos galpões da Natura! Vamos retornar!”, falei pra ela.
E assim foi, retornamos todo caminho feito pelos trilhos, cruzamos novamente o pontilhão e desta vez tocamos inipterruptamente pra leste, agora através de uma vereda bem mais precária que a anterior. Rodamos por mais de 5 min e nada, e eu já perdendo a paciência. “Porra, onde ta essa merda de estação? Já era pra estarmos nela?”, pensei comigo mesmo, ja quase desistindo da busca. Dito e feito, depois de cruzar um matagal rente os trilhos, eis que ela aparece á nossa esquerda, a Estação Santa Fé, resumida unicamente a uma estrutura bem parecida á de um ponto de ônibus concretado, cercado de mato! Horário? Pouco antes das 13hr! Como a estação anterior, a Santa Fé era apenas um posto telefônico para pedido de autorização de linha, parada e local de cruzamento de trens. Claro que aqui nos brindamos com mais um pit-stop de comilança e muitos goles de água!
Zarpamos coisa de vinte minutos depois, movidos não pela preocupação em escurecer mas por causa dos mosquitos que vieram com tudo pra cima da gente, famintos por sangue fresco! Refizemos o mesmo caminho na volta até sair novamente no emaranhado de estradas do parque. Dali não nos restou voltar pelo mesmo trajeto de ida, isto é, tomando a estrada pro sul acompanhando o Córrego Santa Fé, pra dali abandonar o vale e tocar pra cumieira de reflorestamentos a leste. Chinelada esta feita sem pressa mas com forte sol daquele inicio de tarde martelando em nossas cabeças!
Ao chegar numa bifurcação de relativa importância, ignoramos o ramo que nos levaria de volta á Estação Corredor e nos mantivemos no caminho principal, que tocava na direção desejada, isto é, pra sudeste. E assim foi, bordejamos em suave aclive um enorme morrão cuja espessa vegetação secundaria se mesclava a um farto eucaliptal. Contornado o morro teve sequência a descida onde caímos num vale fundo onde havia água e a vegetação era mais exuberante, correspondendo a mata ciliar. Num piscar de olhos tropeçamos numa bifurcação que gerou dúvidas, mas decidi nos manter no ramo da direita, que ia onde queríamos.
Descansamos um pouco as margens de um belo lago, onde bebericamos o que restava em nossos cantis, e prosseguimos nosso rumo na direção sul, em nível. Em tempo, durante todo esse pecurso não cruzamos com ninguém, motivo pelo qual só recomendo se emprenhar nestes cafundós do parque se tiver conhecimento de navegação ou tiver um bom aparelho de georeferenciamento á mão, pois não larguei em nenhum momento meu mapa e bússola, que me indicava com precisão a direção certa. E não basta lembrar que o Parque Anhanguera é o maior parque municipal de São Paulo.
Chegamos finalmente nas instalações e casas do Cemaca, sigla do Centro de Manejo e Conservação de Animais Silvestres, o maior hospital veterinário de animais silvestres da America Latina, mas não vimos ninguem por lá. No entanto, ao ouvir o som de veículos próximos ja era indicativo que estávamos perto da estrada e, consequentemente, da portaria principal. No entanto, essa euforia fez com que tomássemos, bem no final, uma via equivocada que nos levou na direção sudoeste. Mas quando chegamos perto do limite do parque pudemos perfeitamente ver a Rod. Anhanguera (SP-330) bem á nossa frente, só havia um trecho de mato fechado que nos separava dela. Como não estávamos nem um pouco animados em retornar até a bifurcação correta, decidimos rasgar este trecho de mato, que demandou desde “nadar” pelo alto capinzal até escalaminhar uma íngreme encosta rente á rodovia, nos segurando na vegetação á nossa volta. Ufa!
Mas firmes e fortes pisamos finalmente na rodovia por volta das 14:30hr, onde fizemos mais um pit-stop no posto de gasolina á nossa frente onde removemos sujeira e mato agarrado á gente e conseguimos mais um pouco de água com os frentistas. Dali não nos restou opção senão voltar um pouco pela rodovia e depois tomar a Estrada de Perus, que bordejou o parque e até passou pela frente da portaria pela qual, em tese, devíamos ter saido. “Até que nosso desvio de rota não foi gritante!”, falei pra Lu.

O fato é que chegamos em Perus pouco depois das 16hr, tempo mais que suficiente pra passar num mercado e garantir uma cerveja e uns salgados, pra somente depois zarpar de volta pra Paulicéia em definitivo. Cansados? Sim, mas satisfeitos por concluir o objetivo proposto. Quem sabe um dia me anime a palmilhar as demais estações da E.F.P.P? Só o tempo dirá.. E diante de tanto desencanto durante o trajeto efetuado naquele exaustivo dia – seja com rio poluído e o descaso com valioso patrimônio ferroviário na Portland – surge quiçá um pingo de esperança que um dia aquele lindo pátio repleto de locomotivas que corresponde á Estação Corredor um dia ganhe o reconhecimento, valorização e preservação devida. E que o resgate da valiosa história da região venha na forma da reativação dos passeios de Maria-Fumaça pelo bucólico Parque Anhanguera, paralizados já a um bom tempo. Sim, não é o bastante mas pelo menos já é um bom começo dos trabalhos de revitalização desta bela ferrovia.


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