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CHAPANSKI,
G.; PINTO, H. E. M. Em defesa da wikipedia.com. Janela Econômica,
Curitiba: ano 8, nº 9, ago. 2013.
Em Defesa da Wikipedia.com Gissele Chapanski e Hugo Eduardo Meza Pinto
Há um ranço
acadêmico que paira no ar quando se fala da Wikipedia. A desqualificação mais
comum é que essa enciclopédia virtual não reúne esforços meritórios de pesquisa,
nem de apuração científica dos conceitos que se propõe a descrever. Esse
pensamento é limitado. A Wikipedia
tem mais de um milhão de verbetes. Eles estão disponíveis em quase três
centenas de línguas, são acessados mundialmente todos os dias - e de
graça. Doze anos depois de sua fundação,
a Wikipedia, maior enciclopédia livre da internet, talvez represente a
materialização do sonho iluminista da universalização do conhecimento - ou o
mais próximo que, historicamente, chegamos dele. Ao prepararem
a Encyclopédie de 1772, os
iluministas Diderot e D´Alembert estabeleceram o formato da compilação de
conhecimentos diversos que a história posterior conheceria como enciclopédia. Esse grande dicionário,
com verbetes destinados a elucidar o atual estado do conhecimento humano em
múltiplas áreas nasce sob um ideal universalizante: era preciso levar os ventos
da razão, do saber elaborado, ilustrado, filosófico a todos os homens. E nada
melhor do que uma magna edição, congregadora de saberes diversos, para fazê-lo. Em termos
estritamente práticos, pode-se dizer que o ideal dos pais da enciclopédia se
viu, à época, abalado por polêmicas intelectuais, barreiras linguísticas,
dificuldades logísticas de toda ordem, inclusive de impressão. Como projeto editorial em si, a Encyclopédie pode não ter alcançado um
número impressionante de leitores, mas, sem dúvida, lançou para a história a
ideia da prática enciclopedista como a conhecemos hoje. Incontáveis
são as iniciativas posteriores que se propuseram a organizar dados e conceitos
enciclopedicamente. Esses “dicionários de todas as coisas” atravessaram o
século XIX como referência intelectual e ingressaram no XX como parte da vida
escolar dos indivíduos. Bem o sabem aqueles que já contam os quarenta anos, ou
até um pouco menos. Barsa, Delta Larrouse,
Einaudi, dentre outras, na tradição brasileira foram bases de bibliotecas
institucionais, e mesmo domésticas, não faz muito tempo. Hoje, contudo,
as rotinas escolares não reconhecem, nessas enciclopédias, material cotidiano.
Para multidões de jovens alunos, a internet é a primeira fonte e o maior
recurso. Embora muitas das enciclopédias tradicionais continuem existindo – em
versões digitais, ao menos, - custam caro. Seus artigos são elaborados por
notórios acadêmicos, passados de uma língua à outra por tradutores experientes.
Grandes nomes que demandam remunerações proporcionalmente grandes. A WikiIpedia,
ao contrário, é gratuita. Pudera. Não
são grandes scholars que pautam a
escolha dos conceitos transformados em verbetes, ou ditam como esses serão
desenvolvidos. São usuários.
Interessados, a um só tempo, em difundir e angariar informações por meio
dessa enciclopédia virtual, eles gerenciam o conhecimento de maneira aberta,
constante, online. Assim, a gratuidade, uma das razões primeiras do
número de acessos diários é também fruto do modelo de acesso que o usuário tem
a essa enciclopédia. Um modelo retroalimentado. Na Wikipedia,
os verbetes podem ser indefinidamente editados, controlados, remodelados.
Advertências sobre incompletudes, imprecisões, mal uso de direitos autorais são
alocáveis aos artigos. E o são, com frequência. Apesar de democrática, a
elaboração de artigos nessa enciclopédia online conta com alguma
hierarquia. Temas polêmicos, por exemplo, são reservados a colaboradores fieis.
Ainda assim, a confiança advinda da prática se sobressai sobre qualquer tipo de
reconhecimento meramente acadêmico. Um dos mais
significativos produtos disso é a liberdade ideológica na formação do corpus de artigos. Os iluministas, ao
compor a obra que seria a mãe intelectual da enciclopédia moderna tinham uma
agenda, um conjunto de temas que eles julgavam pertinentes acima dos outros –
assim como uma visão particular, própria dos objetos que abordavam. O mesmo
acontece com as academias e grupos editoriais. Uma
enciclopédia cujas entradas são escolhidas por autores diversos, espalhados ao
longo de vastos territórios, inscritos em diferentes tradições e com interesses
distintos pode não resultar em uma liberdade total de agenda. Mas chega perto
disso. E esse é um passo rumo ao que pode haver de efetivamente universal no
conhecimento. De fato, são
ainda hoje, muitos os artigos na fase de esboço, inúmeros os que contam com
edições a serem realizadas. À parte a inegável beleza da ideia, o triunfo da
vontade sobre a técnica, epitomizado pelo amadorismo tem seus ônus. O termo enciclopédia vem do grego clássico enkyklos paideia. Numa tradução
flexível, algo como conhecimento global.
Consideradas a abrangência e o modo de funcionamento da Wikipedia, pode-se
afirmar mesmo que nunca uma enciclopédia esteve tão afinada com a origem
etimológica do termo. A Wikipedia e seu modus
operandi traduzem a prática epistemológica do conhecimento em si: global e
globalizado, do modo como apenas as ferramentas contemporâneas de comunicação
puderam fazê-lo. Na
enciclopédia aberta e online, há,
claro, vandalismos e imprecisões. Porém, todos são editados ou editáveis por
uma prática crítica constante e plural, que não emana de chancelas acadêmicas,
mas da vivência do conhecimento, como ela se apresenta e é na vida cotidiana:
verificável, reorganizável, passível de questionamento e – por que não?- de
dúvida. Isso é, de fato, muito condizente com o conceito de conhecimento
universalizado em si. O “universal” aí não compreenderia, pois, apenas a ampla
difusão, mas também a franca possibilidade de manipular, organizar e até
produzir o conhecimento. Quanto ao seu
uso como ferramenta acadêmica fidedigna, pode-se dizer que, à medida que esse projeto enciclopédico é encampado
por mais e mais pessoas, a sua confiabilidade cresce. Serão mais numerosos os
editores e os juízes do projeto, enquanto o interesse por ele se mantiver, ao
menos. O emprego
imediato da Wikipedia como fonte para a produção do conhecimento nos circuitos
oficiais ainda guarda riscos. Isso é incontestável. No entanto, o projeto já
conta com verbetes tão editados, embasados em material bibliográfico tão
estruturado, que se torna difícil não lhe atribuir o crédito devido. Assim como não
pode haver grande mal em procurar a Wikipédia ao buscar um primeiro e genérico
contato com determinado tema, também não representa ameaça empregar materiais
reconhecidamente bons disponibilizados por essa enciclopédia online. É o que comprovam professores internacionais
de algumas das mais respeitadas universidades do mundo. Na plataforma,
fundamentalmente gratuita de ensino online, Coursera, por exemplo, não é
raro encontrar professores empregando, em suas aulas, materiais da Wikipedia. Talvez seja um
primeiro passo para fazer dessa enciclopédia de fato, uma enciclopédia de
direito. Longe de ser uma ferramenta de extrema precisão, a Wikipedia tampouco
vale apenas por sua contribuição à nobreza de uma utopia. O fato é que, dados os tempos, o modelo de comunicação em que nos inserimos, cada vez mais coletiva, abrangente e em tempo, é provável que a gestão compartilhada do conhecimento instaurado nos projetos como a Wikipedia seja irreversível. Embora isso não libere ainda o uso dos artigos publicados em enciclopedias online para qualquer natureza de uso, sem dúvida, assinala a nova dimensão epistemológica em que estamos inseridos. Portanto, sejamos menos ranzinzas com a Wikipedia!
A JANELA ECONÔMICA é um espaço de divulgação das ideias e produção científica dos professores, alunos e ex-alunos do Curso de Economia das Faculdades Integradas Santa Cruz de Curitiba. - Cada artigo é de responsabilidade dos autores e as ideias nele inseridas, não necessariamente, refletem o pensamento do curso. - O objetivo deste espaço é mostrar a importância da formação do economista na sociedade. |
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