Este belo texto foi escrito por Jeffrey
Tucker, do New Liturgical Movement, e lá publicado em
11 de Abril passado. O Salvem a Liturgia apresenta
sua tradução.
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Em defesa das assembleias que não
cantam, por Jeffrey Tucker
traduzido por Alfredo Votta
Se você acha que o povo da sua paróquia
católica canta bem, faça uma visita à igreja batista da sua cidade. O cantor
anunca a música. Todo mundo, sem exceção, pega um hinário. Tocam a introdução e
o hino começa. Vem um som que quase te derruba da cadeira. Você canta junto,
mas, não importa quão alto você cante, você não faz diferença. Para o batista é
um dia normal, mas para o católico é qualquer coisa de muito
impressionante.
Por muitas gerações as pessoas se têm
perguntado porque as paróquias católicas não fazem assim. Nós bem que tentamos
bastante. Nenhuma retórica é mais furiosa do que a dos músicos católicos e suas
frustrações com suas paróquias.
E por que as pessoas não obedecem? É como ouvir
pessoas denunciando crianças por não ser comportarem direito. Estão sempre
exigindo. Até tentam intimar as pessoas à “participação ativa”. Escolhem música
com base no tanto que as pessoas vão cantar junto, como se isso fosse a única
coisa que importa.
Por décadas isso tem acontecido, e mesmo assim
nada muda.
Mas será que não estamos confundindo as coisas?
A sensibilidade que leva os batistas a fazer estas coisas não teve que lhes ser
imposta. Não houve treinamento. O hino, para tal comunidade, é sua própria voz,
música que vem do povo para celebrar sua unidade de propósito e de crença.
É a própria homilia deles, para si mesmos, isto
é o que eles são, algo em que eles acreditam como seu e que tem seu propósito
interno completamente independente de qualquer ação no altar ou qualquer função
litúrgica ou sacramental. Tal canto acontece no mesmo espírito de uma canção
patriótica num evento cívico, exceto pelo fato de que a letra é diferente. Não é
forçado, é orgânico ao seu modo de culto.
Esse tipo de canto não é orgânico à liturgia
católica, cuja música não é um fim em si mesma. Seu propósito é acompanhar
alguma outra ação: procissões, meditação de um Salmo entre leituras, diálogos
com o celebrante ou alguma outra atividade. O papel do canto cabe
primordialmente à schola e ao cantor, não ao povo. E o povo sabe disso. E é
assim desde os primeiros registros [da liturgia].
É permitido ao povo (e ele é mesmo encorajado a
isso) cantar certas partes especiais como o Ordinário da Missa (e o Sanctus pode
ser tecnicamente chamado de um hino), mas a música não está dividida em métrica
previsível; a linguagem está em prosa, e não em poesia rimada. Sem exceção, todo
católico se reserva o direito se de manter silenciosamente em oração, sabendo
muito bem que, ele cantando ou não, isto não faz diferença nas graças oferecidas
na Missa. Somos livres para participar externa ou internamente, como
desejarmos.
A música é parte integrante da liturgia,
nascida nela. Não é o povo quem a faz. Não somos nós que a geramos. O povo pode
ser parte dela, mas não é sua responsabilidade. E quando os fiéis cantam, não é
para reforçar sua percepção de membros de uma comunidade. É para participar mais
inteiramente das ações sagradas que ocorrem de maneira litúrgica. Isto vem de
dentro da liturgia, não é imposto de fora. Isto não vem do povo. Vem, sim, da
oração na qual o povo é convidado, mas não obrigado, a participar. Você pode
fazer todo tipo de convocação, pode gritar e exigir. Mas, no final, o senso
católico de papel do povo no canto não vai mudar.
Aqui está a ideia controversa que eu gostaria
de colocar: não há nada errado com isso. Na verdade, o povo talvez esteja mais
certo do que as “autoridades” que o estão sempre denunciando. E se o povo em
algum momento começasse a cantar como batistas, no contexto de cultura paroquial
que eu conheço, o novo ethos surgiria em detrimento do foco primário do Rito
Romano. O ritual católico não se baseia no povo e não se centra nele. Não é dado
pela comunidade como um presente entre os membros. É um dom de Deus que Lhe
oferecemos de volta, algo que recebemos humildemente como uma bênção e uma
ocasião de graça, enquanto oferecemos nossas vidas de volta para Deus, em
sacrifício.
É por isso que o hino – que eu defino aqui como
uma música estrófica, dividida metricamente, com rimas e em vernáculo –
tradicionalmente não tem lugar na liturgia católica, especialmente na Missa (não
incluo os hinos do Ofício, que não se encaixam nesta minha definição). Mesmo os
estudos que investigam o uso de hinos da Missa católica encontram esse tipo de
hino somente depois do Concílio de Trento, como influência do crescente uso de
hinos no culto protestante. Antes disso, o uso de hinos era desconhecido.
O povo não canta a procissão. Não canta o
Próprio da Missa. Cantam partes da Missa de acordo com a tradição local e o
impulso privado, mas nada jamais lhe foi exigido neste sentido.
Em outras palavras, eu sugeriria que há razões
tradicionais e válidas pelas quais os católicos não cantam nas celebrações da
maneira que os batistas cantam, exceto em ocasiões extremamente raras. Isto
nunca será a norma, e se viesse a ser, no contexto cultural atual, eu diria que
algo errado aconteceu com o rito.
Uma comunidade elevando a voz dessa maneira
sugere uma comunidade em celebração não-sacramental. No contexto católico
podemos ver isto numa peregrinação ou numa reunião de celebração em honra a um
santo padroeiro. Mas na liturgia é outra coisa que acontece. Estamos
transcendendo o que somos e indo além das amarras do tempo e do espaço.
O que devemos sentir é uma grande reverência.
Devemos nos tornar gradualmente menos cônscios de nós mesmos e dos outros e cada
vez mais conscientes da atemporalidade. O visível está presente, mas nós nos
tornamos conscientes do que antes era invisível.
Eu me lembro de um baile de igreja no qual as
pessoas gritavam a letra da música que estavam dançando. Não há nenhum problema
em que católicos cantam assim neste contexto, com as luzes piscando e os corpos
se movendo. O que acontece aí? Nada sagrado, nada milagroso, nada litúrgico. Só
uma festa. Nessa situação os católicos cantam como qualquer outro. Por que não
fazem a mesma coisa na Missa? Eu diria que se os católicos forem cantar assim na
Missa, teremos que recriar a sensação que leva as mesmas pessoas a gritarem num
baile.
Imagine observar um milagre mesmo num contexto
não-litúrgico. Qual é o impulso: cantar o mais forte possível ou ficar em
silêncio? Se alguém interrompe a cena com gritos, nós nos perguntaríamos se essa
pessoa está consciente do que está acontecendo. Mesmo no nosso tempo de liturgia
mundana e conversas rasas no altar, o senso católico continua sendo o de ver a
liturgia como algo solene, não algo que fazemos por nossa própria conta, mas
algo a que nos devemos submeter.
O impulso é o de se manter em silêncio. Claro,
somos livres para cantar o Glória, os diálogos, o Sanctus, o Agnus Dei, desde
que de modo compatível com a atmosfera de oração. Mas sempre tentamos não forçar
nossas vozes acima do volume à nossa volta. É um impulso de humildade. Cantar
acima dos outros e arrogância são contrários àquilo que acreditamos dever
fazer.
Permitam-me esclarecer que não sou diferente de
nenhum outro músico católico. Eu gosto de saber que as pessoas estão cantando.
Isso me inspira a cantar o Glória e o Sanctus. Eu gostaria de ouvir o Credo
cantado por todos, toda semana. Eleva-me saber que a assembleia aprendeu um novo
Kyrie e responde bem ao coro.
Tampouco sou ingênuo. Mesmo no volume mais
forte, o canto católico sempre será uma fração do volume dos protestantes. O
fato é que cantar é o que os protestantes fazem. É o que eles têm. É algo
desejado pela comunidade porque eles entendem estes símbolos e propósitos.
O que nós fazemos é diferente. Não estamos num
círculo fechado. Colocamo-nos em direção ao Oriente, em direção à eternidade.
Isto muda tudo. Devemos permitir que isto aconteça, adaptar a isso as nossas
expectativas, e ser gratos pelo fato de que os católicos não perderam
completamente o senso de que eles devem diminuir para que Deus
cresça.