Ho Chi Minh, na sua morada eterna, estará a saborear isto com um sorriso
celestial. O Vietname foi o hospedeiro – virtual – quando as 10
nações da ASEAN, mais a China, Japão, Coreia do Sul,
Austrália e Nova Zelândia, assinaram a Parceria Económica
Regional Abrangente (Regional Comprehensive Economic Partnership,
RCEP
) no último dia da 37ª Cimeira da ASEAN.
O RCEP, cuja preparação levou oito anos, reúne em conjunto
30% da economia global e 2,2 mil milhões de pessoas. É o primeiro
marco auspicioso dos Devastadores Anos Vinte
(Raging Twenties),
os quais começaram com um assassinato (do Gen. Soleimani, do
Irão) seguido por uma pandemia global e agora por
intimidações agourentas de um suspeito Grande Reinício
(Great Reset).
O RCEP define o Leste da Ásia como o eixo primário indisputado da
geoeconomia. O Século Asiático de facto já estava em
elaboração desde a década de 1990. Entre os
asiáticos, e os ocidentais que o identificaram, está o meu livro
21st: The Asian Century
publicado em 1997 (excertos
aqui
.)
O RCEP pode forçar o ocidente a fazer algum trabalho de casa e
compreender que a narrativa principal não é que o RCEP
"exclui os EUA" ou que é "concebido pela China". O
RCEP é um acordo vasto de todo o Leste da Ásia, iniciado pela
ASEAN e debatido entre iguais desde 2012, inclusive pelo Japão, o qual
para todos os propósitos práticos se posiciona como parte do
Norte Global industrializado. Este é o primeiro acordo comercial desde
sempre que une as potências económicas asiáticas, China,
Japão e Coreia do Sul.
Por agora está claro, finalmente em vastas faixas da Ásia do
Leste, que
os 20 capítulos do RCEP
reduzirão tarifas de cabo a
rabo; simplificarão alfândegas, com pelo menos 65% dos sectores de
serviços abertos plenamente, com limites acrescidos de
participação accionista estrangeira; solidificação
de cadeias de abastecimento ao privilegiar regras comuns de origem; e
codificação de novas regulações de comércio
electrónico.
Quando se chega aos pormenores, as empresas estarão a poupar e
serão capazes de exportar para qualquer lugar dentro do espectro das 15
nações sem se incomodarem com exigências extras e separadas
de cada nação. Isto é acima de tudo um mercado integrado.
Quando o RCEP encontra-se com a BRI
O mesmo disco riscado estará a tocar sem parar que o RCEP facilitar as
"ambições geopolíticas" da China. Esta
não é a questão. A questão é que o RCEP
evoluiu como um companheiro natural para o papel da China como o principal
parceiro comercial de virtualmente todo actor do Leste Asiático.
O que nos traz para o ângulo geopolítico e geoeconómico
chave: o RCEP é um companheiro natural para a Belt and Road Initiative
(BRI), a qual como uma estratégia de desenvolvimento comercial
sustentável estende-se não só ao Leste da Ásia mas
aprofunda-se na Ásia Central e Ocidental.
A
análise do Global Times
é correcta: o ocidente não cessou de distorcer a BRI, sem
reconhecer como "a iniciativa que eles têm estado a difamar é
realmente é realmente popular na vasta maioria de países ao longo
da rota BRI".
O RCEP recentrará a BRI – cuja etapa de
"implementação", de acordo com o calendário
oficial, começa apenas em 2021. O baixo custo do financiamento e os
empréstimos especiais em divisas oferecidos pelo Banco de
Desenvolvimento da China tornar-se-ão muito mais selectivos.
Haverá um bocado de ênfase na Saúde da Estrada da Seda
– especialmente através do Sudeste da Ásia. Projectos
estratégicos serão a prioridade: eles giram em torno do
desenvolvimento de uma rede de corredores económicos, zonas
logísticas, centros financeiros, redes 5G, portos marítimos chave
e, especialmente a curto e médio prazo, alta tecnologia relacionada com
a saúde pública
As discussões que levaram ao texto final do RCEP foram centradas sobre
um mecanismo de integração que possa facilmente contornar a OMC
no caso de Washington persistir em sabotá-lo, como aconteceu durante a
administração Trump.
O próximo passo poderia ser a constituição de um bloco
económico ainda mais forte do que a UE – uma possibilidade
não absurda quando temos a China, Japão, Coreia do Sul e 10
países da ASEAN a trabalharem em conjunto. Geopoliticamente, o incentivo
principal, para além de um conjunto de compromissos financeiros
imperativos, seria solidificar algo como Faça Comércio,
Não Guerra (Make Trade, Not War).
O RCEP assinala o fracasso irremediável do TPP da era Obama, o qual era
o braço da "NATO no comércio" do "eixo da
Ásia" inventado no Departamento de Estado. Trump sucateou o TPP em
2017. O TPP não era acerca de um "contrapeso" para o primado
comercial da China na Ásia: era acerca de uma liberdade para todas as
super-abrangentes 600 companhias multinacionais que estiveram envolvidas na sua
redacção. O Japão e a Malásia, especialmente, viram
esta concepção desde o começo.
O RCEP inevitavelmente também assinala o fracasso irremediável da
falácia da desconexão
(decoupling),
bem como de todas as tentativas para por uma pedra entre a China e seus
parceiros do Leste Asiático. Todos estes actores asiáticos agora
privilegiarão o comércio entre si mesmos. O comércio com
nações não asiáticas será uma ideia
posterior. E toda economia ASEAN dará total prioridade à China.
Ainda assim, as multinacionais americanas não serão isoladas pois
elas serão capazes de lucrar com o RCEP através das suas
subsidiárias dentro dos 15 países membros.
E a Grande Eurásia?
E depois há a proverbial confusão indiana. A
interpretação oficial de Nova Delhi é que o RCEP
"afectaria a subsistência" de indianos vulneráveis. Isso
é código para uma invasão extra de produtos chineses
baratos e eficientes.
A Índia fez parte das negociações do RCEP desde o
início. Retirar-se – com a condição de que
"podemos aderir mais tarde" – é mais uma vez um caso
espectacular de esfaquearem-se nas costas. O facto é que os
fanáticos da Hindutva por detrás do Modi-ismo apostaram no cavalo
errado: a estratégia da parceria Quad promovida pelos EUA, juntamente
com a estratégia Indo-Pacifico, a qual significa contenção
da China e portanto impede o estreitamento de laços comerciais.
Nenhum "Make in India" irá compensar o erro
geoeconómico e diplomático – o qual implica crucialmente que
a Índia se distancie do Asean 10. A RCEP consolida a China, não a
Índia, como o motor indiscutível do crescimento da Ásia
Oriental em meio ao reposicionamento das cadeias de abastecimento
pós-Covid.
Um seguimento geoeconómico muito interessante é o que fará
a Rússia. De momento, a prioridade de Moscovo envolve uma luta de
Sísifo: gerir o turbulento relacionamento com a Alemanha, o maior
parceiro russo de importações.
Mas há a parceria estratégica Rússia-China – a qual
deveria ser economicamente reforçada. O conceito de Moscovo de Grande
Eurásia envolve um envolvimento mais profundo tanto do Leste como do
Oeste, incluindo a expansão da União Económica
Eurasiática (Eurasia Economic Union, EAEU), que tem, por exemplo,
acordos de comércio livre com nações da ASEAN como o
Vietname.
A Organização de Cooperação de Xangai (SCO)
não é um mecanismo geoeconómico. Mas é intrigante
ver o que o Presidente Xi Jinping disse no seu discurso de abertura no
Conselho de Chefes de Estado da SCO
, na semana passada.
Esta é a citação chave de Xi: "Devemos apoiar
firmemente os países relevantes para avançarem suavemente as
principais agendas políticas internas de acordo com a lei; manter a
segurança política e a estabilidade social e oporem-se
resolutamente à interferência de forças externas nos
assuntos internos dos estados membros sob qualquer pretexto".
Aparentemente, isto nada tem a ver com a RCEP. Mas há alguns
cruzamentos. Nenhuma interferência de "forças externas".
Pequim a tomar em consideração as necessidades de vacina Covid-19
dos membros da SCO – e isto poderia ser estendido à RCEP. A SCO
– assim como a RCEP – como uma plataforma multilateral para os
estados membros mediarem as disputas.
Todos os pontos acima mencionados apontam para o entrecruzamento do BRI, EAEU,
SCO, RCEP, BRICS+ e AIIB, o que se traduz como uma integração
mais próxima da Ásia – e da Eurásia –
geoeconomicamente e geopoliticamente. Enquanto os cães da distopia
ladram, a caravana asiática – e euro-asiática –
continua a avançar.