O desafio da criatividade, por Abrão Slavutzky*

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Publicitária Michele Botan

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Oct 1, 2009, 2:04:57 PM10/1/09
to PublicitáriosVersusPublicidade&Propaganda, marcelo...@hotmail.com

ARTIGOS


Uma criança, ao ver a imensidão do mar pela primeira vez, disse
espantada: “Pai, me ajude a ver”. A criança viu o mar quando ele
estava calmo, e não revolto, quando o vento sopra forte gerando
grandes ondas. O mar, com o tempo, também se transforma em um mar de
problemas, quebrando, assim, a magia do olhar infantil. O mundo adulto
pode entrar em águas perigosas, nas quais o desencanto afoga o
encanto, a alegria naufraga nas lágrimas da tristeza e já não há um
pai a quem perguntar; e frente ao desamparo muitos buscam Deus, como
um norte diante da morte. Outros só creem na razão, e também há os que
ficam sem perceber o espetáculo que é a água e a terra, o visível e o
invisível, e tendem a se entediar, queixando-se muito da crueldade e
da mesquinhez do cotidiano.

Para vencer o desafio da criatividade, é preciso, às vezes ao menos,
aprender a viver com arte, é preciso viver dentro da arte, da arte de
amar. Entrar nas intimidades das palavras e dos corpos, descobrindo as
fantásticas histórias de um e do outro. Há os que conseguem tudo isso
em harmonia com a natureza e, mesmo sem jamais ter percorrido as
páginas de um livro, emocionam-se com as tonalidades celestes, com os
matizes dos verdes e ainda desfrutam dos cantos dos pássaros. Também
há os que criam uma nova comida com cheiros misteriosos, os que sabem
ter sonhos e práticas eróticas, entre tantas situações de gozo e
reconciliação com a frágil condição humana. Sem esquecer os que
buscam, na literatura e no cinema, os momentos em que o artista torna
acessível a todos o show do verso e da imagem.

Para vencer o desafio da criatividade, é preciso aprender a arte do
espanto, que desafia o tédio ao criar todos os dias um novo dia, em
todas as conversas uma nova conversa. Viver com arte é observar como
as crianças brincam, como ficam absorvidas em cada brinquedo. Uma vez,
um conhecido disse em tom depressivo que sua vida seguia igual, tudo
estava mais ou menos, sem novidades. Perguntei-lhe então como se
divertia quando era pequeno, e logo contou que tinha um carrinho em
que podia entrar e dirigir; imaginava então corridas e obstáculos, que
precisava desviar à direita e à esquerda. Ao concluir a recordação,
sentiu-se animado, e então lhe perguntei por que quando criança se
divertia tanto mais que agora. Ele ficou um pouco envergonhado,
percebendo minha intenção: se fora capaz de brincar e se divertir
antes, por que não agora?

Viver com arte é enfrentar os desafios, é recuperar os tempos em que
tudo era emocionante: o mar, os carrinhos, as bonecas, as formigas, o
gato e o cachorro, os cheiros, os amores e os livros. Só não me
perguntem se tudo isso segue valendo a pena, porque esse é o desafio
de cada um, isto é, o de ampliar a alma, enriquecer sua
espirituosidade; porque, se a vida é muitas vezes trágica e sofrida, é
também engraçada e divertida. Viver com arte é viver dentro da arte, é
ser parecido com os artistas, ou melhor, é ser um artista exagerado e
excitado com o cotidiano desafio da criatividade.

Postado em Zero Hora - 01 de outubro de 2009 | N° 16111

Indicado por: Marcelo Prates - Agência Maestra
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