" Zebulun, em portos de mares será sua terra, e se encontrará em portos
de navíos; e seu término perto de Sidon. Issachar, burro ossudo, deitado
entre as fronteiras." [Ber. 49:13 - 14]
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Como ontem foi Sábado...
Proposta de Lei n.º 269/VII
Assembleia da República
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Proposta de Lei n.º 269/VII
Lei da Liberdade Religiosa
I
Necessidade de reforma do direito das religiões em Portugal
A reforma do direito das religiões em Portugal em conformidade com a
Constituição é um passo fundamental na construção legislativa do Estado de
direito.
A reforma é necessária porque os dois diplomas jurídicos fundamentais sobre
a matéria, de nível infraconstitucional, a Concordata de 7 de Maio de 1940 e
a Lei n.º 4/71, de 21 de Agosto, por vezes designada de liberdade religiosa,
foram concebidos no quadro constitucional de um regime de governo
antidemocrático, articulam um entendimento da liberdade religiosa e da
separação entre o Estado e as religiões inconciliável quer com a
Constituição quer com a doutrina católica firmada no Concílio Vaticano II,
as quais são entre si coincidentes na matéria.
É certo que algumas inconstitucionalidades mais evidentes da Concordata
foram removidas de modo não ostensivo: assim a não aplicação do divórcio aos
casamentos católicos (artigo XXIV) foi eliminada pela alteração da
Concordata (Protocolo Adicional de 15 de Fevereiro de 1975), que se
antecipou à própria aprovação da Constituição de 1976; a obrigatoriedade,
salvo pedido de dispensa, do ensino da religião católica nas escolas
públicas (artigo XXI) foi declarada inconstitucional nos termos do Acórdão
do Tribunal Constitucional n.º 423/87 (Acórdãos do Tribunal Constitucional,
10, 77), que não incidiu directamente sobre a norma concordatária, mas sobre
a sua aplicação legislativa no artigo 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 323/83,
de 5 de Julho; o direito de levantar objecções de carácter político geral à
nomeação de um Arcebispo ou Bispo residencial ou de um coadjutor, cum iure
successionis (artigo X) deixou de ser e não pode voltar a ser exercido, pelo
Estado, mesmo quando para tal convidado.
Outras inconstitucionalidades, que resultavam da equiparação de princípio,
estabelecida no artigo XI, dos eclesiásticos às autoridades públicas, quanto
à protecção do Estado, foram tacitamente suprimidas, na medida em que não
foram acolhidas no Código Penal (os artigos 307.º e 358.º deste último
diploma não acolheram tal equiparação, quanto ao abuso de traje e à
usurpação de funções, contra o disposto no artigo XV da Concordata). Já a
consideração dos capelães militares como oficiais graduados (artigo XVIII)
não foi removida. Uma equiparação apenas contextual, que não consta do
texto, e apenas se pode cogitar como explicação dele, decerto incompleta, é
a dos eclesiásticos aos funcionários públicos quanto à comum isenção de
imposto sobre o rendimento derivado do exercício da função (artigo VIII).
Neste caso foi a supressão da equiparação pela extinção deste benefício dos
funcionários que tornou evidente a discriminação a favor dos eclesiásticos,
maxime quando desempenham o mesmo tipo de funções (professores das escolas
públicas) ou estão graduados como militares no mesmo posto ou como
funcionários no mesmo nível do escalão de vencimentos (assistentes
religiosos hospitalares e prisionais).
Numa apreciação global da Concordata de 1940 importa não esquecer que foi
ela que selou a pacificação das relações entre a Igreja Católica e a
República Portuguesa, antes iniciada pelos Decretos n.º 3856, de 22 de
Fevereiro de 1918, e n.º 11887, de 6 de Julho de 1926, depois da guerra
aberta do Estado contra a Igreja Católica que culminou com a Lei da
Separação (Decreto de 20 de Abril de 1911). Mas o entendimento da separação
entre o Estado e a Igreja que a Concordata consagra não é o do princípio da
separação, tal como ele resulta da Constituição de 1976 e dos documentos do
Concílio Vaticano II. É antes o entendimento próprio do jurisdicionalismo,
como sistema em que tanto o Estado como a Igreja admitem a outra parte a
intervir em matérias que lhes são essenciais (iura in sacra, atribuídos ao
Estado, restrições à soberania e à não identificação do Estado com
particularismos religiosos ou ideológicos, a favor da Igreja), e que o
desenvolvimento constitucional das revisões de 1951 e 1971 vieram acentuar.
Por outro lado, a Concordata foi desenvolvida pelo Acordo Missionário,
contemporâneo e com o mesmo valor jurídico da Concordata, e por uma extensa
legislação complementar, bem como pela jurisprudência e pelas práticas
administrativas. Este corpo normativo concordatário tem impedido a própria
reestruturação jurídica da Igreja Católica, ou pelo menos a sua
transparência civil, como consequência do novo Código de Direito Canónico. A
comunidade territorial de base da Igreja, a paróquia, não tem tido
existência jurídica civil em Portugal, mantendo-se em vez disso a
instituição de origem medieval das fábricas das igrejas paroquiais, como
fundações patrimoniais de sustentação do culto e os benefícios paroquiais,
como fundação patrimonial de sustentação dos párocos, aparentemente para
garantir os benefícios fiscais que uma certa interpretação da Concordata
ligou às fábricas das igrejas.
Depois da revogação da concordata lateranense de 1921 e sua substituição
pelo acordo de 1984 na Itália e da revogação da concordata espanhola de 1953
e sua substituição pelos acordos de 1976 e 1979, a Concordata portuguesa
tornou-se manifestamente anacrónica e geradora de anacronismos. O mesmo
acontece depois da descolonização com o Acordo Missionário, que desenvolveu
os artigos 26.º a 28.º da Concordata.
Quanto à Lei n.º 4/71, ela nunca pretendeu estabelecer a igualdade de
direitos em matéria religiosa. Nas palavras do Parecer da Câmara Corporativa
que contribuiu fortemente para a redacção da Lei: «Uma coisa é a liberdade
religiosa e a igualdade dos cidadãos perante a lei, seja qual for o seu
credo, que se referem à eliminação de toda a coacção em matéria de religião
e constituem o mínimo igualmente exigível do Estado por todas as confissões
reconhecidas. Outra coisa é o conjunto de providências que, excedendo o
mínimo de tutela exigível por todas em obediência ao princípio da imunidade
de coacção, se considerem aplicáveis apenas a algumas delas» Antunes Varela,
Lei da Liberdade Religiosa (Lei n.º 4/71, de 21 de Agosto de 1971) e Lei de
Imprensa (Lei n.º 5/71, de 5 de Novembro de 1971), Coimbra, Coimbra Editora,
1972, p.86 (a nota de pé de página que acompanha o texto citado revela que
quando o relator fala de "algumas" tem apenas em vista a Igreja Católica).
O referido «mínimo» são os direitos negativos individuais de liberdade
religiosa. É certo que a Lei n.º 4/71 declarou reconhecer outros direitos,
inclusivamente direitos colectivos de liberdade religiosa às confissões
religiosas não católicas reconhecidas Jorge Miranda, no Parecer sobre a
primeira versão do Anteprojecto, enviado pela Conferência Episcopal como
anexo à sua resposta, nota com razão, que deve ter-se por inconstitucional
só ser consentida a confissões reconhecidas (nas condições estabelecidas na
base IX) a construção ou instalação de templos ou lugares destinados à
prática do culto (base XVII). Haveria que acrescentar a base VII, na parte
em que repete o artigo XXI da Concordata, pelas razões do citado Acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 423/87. Não cabe aqui discutir a
constitucionalidade das várias normas da Lei n.º 4/71, pelo que a citação
feita é mais reveladora do espírito constitucional ao tempo prevalecente do
que do conteúdo da lei e da própria proposta de lei da Câmara Corporativa.
Mas a verdade é que nenhuma confissão não católica foi, antes de 25 de Abril
de 1974, concretamente reconhecida ao abrigo da lei e da legislação que a
regulamentou (Decreto-Lei n.º 216/72, de 27 de Junho). Deste modo, tudo ou
quase tudo se passou como se a Lei n.º 4/71 nunca tivesse existido.
Uma das explicações para a não aplicação da Lei n.º 4/71 reside certamente
na manutenção de exigências, que vinham do Código Administrativo de 1940
(artigo 449.º) e que representavam um círculo inextrincável: segundo o
Código Administrativo e a Lei n.º 4/71 uma associação para se constituir
tinha de demonstrar que se constituíra de harmonia com normas de hierarquia
e disciplina de religião a que pertenceria; mas a religião, ou confissão na
terminologia da Lei n.º 4/71, para ser reconhecida juridicamente, teria de
se constituir ela própria de acordo com normas de uma religião ou confissão
reconhecida, se não estaria sujeita às sanções previstas para as associações
secretas, proibidas pelo Decreto-Lei n.º 39660, de 10 de Maio de 1954. Por
outras palavras: a Lei n.º 4/71 não previa a possibilidade da constituição
originária de uma confissão em Portugal, nem fornecia os critérios do
reconhecimento de uma confissão estrangeira, pelo que se tornava impossível
demonstrar a conformidade com as normas confessionais do estabelecimento da
confissão em Portugal. Vontade de quebrar o círculo não existia na
Administração, tanto mais que as confissões não católicas eram consideradas
menos nacionalistas, se não estrangeiradas, o que durante a guerra colonial
se agravou com a suspeita de que apoiavam os movimentos independentistas.
A liberalização chegou com a revolução de 25 de Abril, através da aplicação
às associações religiosas do regime geral das associações civis do
Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de Novembro. Com efeito, no registo das
confissões religiosas reconhecidas criado pelo artigo 11.º do Decreto n.º
216/72 para dar execução à Lei n.º 4/71, só depois de 25 de Abril de 1974,
por despachos de 12 de Junho de 1974, foram inscritas as duas únicas
confissões que tinham requerido, já em 1972, a inscrição, por estarem
regularmente instituídas, antes do início da vigência da Lei n.º 4/71,
associações religiosas delas integrantes (pelo que se deviam considerar
reconhecidas, segundo o artigo 12.º do Decreto): a Igreja Evangélica
Metodista Portuguesa e a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Pouco depois
(Despacho de 1 de Julho) foi inscrito como associação o Exército de
Salvação, cujo processo se arrastava desde 1972. Todas as restantes pessoas
colectivas entretanto inscritas - são no total 459 em Março de 1998 -
foram-no como associações civis, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 594/74. Como o
modelo desenhado pelo Código Civil para as associações civis, com assembleia
geral, direcção e conselho fiscal, é claramente desajustado à efectiva
organização das comunidades religiosas, estas têm um estatuto jurídico que
desfigura e oculta a sua realidade sociológica. No registo, que se
transformou num registo de associações religiosas (isto é civis com fins
religiosos) não católicas, não se distinguem as igrejas e outras comunidades
religiosas das instituições por elas criadas e das federações em que se
associam.
Além da liberalização do reconhecimento de associações religiosas, também se
avançou decisivamente para uma maior conformidade com a Constituição noutras
matérias. Destacam-se o acesso à segurança social, às escolas e à televisão:
- em 1983, pelo Decreto Regulamentar n.º 5/83, de 31 de Janeiro, ficaram
obrigatoriamente abrangidos pelo regime geral da previdência, além dos
«membros do clero secular e religioso da Igreja Católica», os «ministros das
outras igrejas, associações e confissões religiosas legalmente existentes
nos termos da lei» (artigo 1.º);
- em 1989, o Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de Agosto, prevê (artigo 7.º) uma
disciplina optativa da «Educação Moral e Religiosa Católica (ou de Outras
Confissões), que, nas condições do Despacho Normativo n.º 104/89, de 7 de
Setembro, passou a poder ser ministrada nas escolas dos 2.º e 3.º ciclos do
ensino básico e do ensino secundário por professores propostos pelas
«diversas confissões religiosas com implantação em Portugal»;
- o Despacho Normativo n.º 104/89 foi, por último, revogado pelo Decreto-Lei
n.º 329/98, de 2 de Novembro, que estende esta possibilidade a todo o ensino
básico, além do ensino secundário;
- em 1997, mediante acordo entre a Radiotelevisão Portuguesa, S.A. e a
Comissão do Tempo de Emissão das Confissões Religiosas, foram finalmente
fixados e aplicados critérios de distribuição do tempo de emissão atribuído
às confissões religiosas no serviço público da televisão pelo artigo 25.º da
Lei n.º 58/90, de 7 de Setembro.
Um desenvolvimento normativo importante na matéria é o do direito
internacional, especialmente a Convenção europeia dos direitos do homem de
1950, os Pactos internacionais de direitos civis e políticos e de direitos
económicos, sociais e culturais de 1966, a Convenção sobre os direitos dos
trabalhadores migrantes de 1990, etc. Embora o direito internacional seja
imediatamente aplicável em Portugal, a prática jurídica portuguesa não tem
sido afectada por esse desenvolvimento.
II
Objectivo e âmbito da proposta
Demonstrada a necessidade de revisão ou reforma dos diplomas fundamentais em
matéria de liberdade religiosa cabe perguntar por onde começar. Embora na
Itália e na Espanha se tenha optado por rever a Concordata e só depois se
tenha procedido à reforma legislativa, em Portugal a resposta só pode ser:
por onde se pode, logo que se possa. Ora, a reforma da Lei n.º 4/71 é o
passo que pode ser já dado. É também o que faz mais mister, porque é nesse
campo que há queixas de violação dos direitos de liberdade religiosa, e
sobretudo de discriminação religiosa, já expressas perante órgãos de
soberania (cfr., por exemplo, a petição n.º 159/VI (2ª), DAR, 2.º C, de
12-2-93, p.129). As eventuais dificuldades no processo de revisão da
Concordata poderão ter sido diminuídas uma vez que se pediu a própria
participação da Igreja Católica no processo de consulta e discussão do
Anteprojecto, o que decerto facilitará negociações futuras, criando o clima
de entendimento indispensável para qualquer eventual revisão. Deste modo,
estando embora de acordo com o Professor Antunes Varela, quando disse, em
comentário à primeira versão do Anteprojecto, que a Concordata é um
instrumento jurídico-político que necessita de urgente revisão por assentar
sobre pressupostos históricos ultrapassados pelas circunstâncias, não o
acompanhamos quando conclui que o primeiro passo a dar deveria consistir
nessa revisão «A Igreja Católica e as outras confissões religiosas na Lei da
Liberdade Religiosa», Forum Canonicum, 6, n.º16-17, 1997, pp.12-13.. Posição
aqui idêntica à adoptada é a do Professor Jorge Miranda, em parecer sobre a
mesma versão, pedido e enviado à Comissão de Liberdade Religiosa pela
Conferência Episcopal «A Liberdade Religiosa em Portugal e o anteprojecto de
1997», Direito e Justiça, 12-2, 1998, pp 15, 23. E no mesmo sentido se
pronunciou, o Professor Roque Cabral em comentário à mesma versão, na
revista Brotéria «Liberdade religiosa, Concordata», Brotéria, 145, 1997, p.
79-81.. Como nota este último autor, praticamente tudo e mais do que a
Concordata assegurava à Igreja Católica está já assegurado pela actual
Constituição e ficará ainda mais explicitamente assegurado com uma lei nos
moldes da agora proposta. Contudo, a nova lei não vem tornar dispensável a
existência de uma Concordata, na medida em que há matérias que assumem
dimensão ou contornos especiais relativamente à Igreja Católica (casamento
católico, criação de organizações, feriados, património, etc.) e em que
tanto a Igreja Católica como o Estado têm interesse na fixação de um regime
jurídico que seja no essencial imune às mudanças de maioria parlamentar. A
diferença na forma não pode, é claro, ser acompanhada de diferenças
materiais de regime, que ofenderiam o princípio da igualdade. Por isso, a
proposta foi norteada pela preocupação evidente de as suas normas serem
substancialmente aplicáveis à Igreja Católica, mesmo quando a sua aplicação
imediata a esta é impossibilitada pela Concordata e pelo corpo de legislação
complementar dela, até à sua desejável revisão.
O âmbito da proposta é naturalmente condicionado pelas considerações
antecedentes. Não é uma declaração de princípios que quase nada adianta à
Constituição, além de instituir uma Comissão de Liberdade Religiosa,
remetendo para acordos futuros a efectivação dessa liberdade só para algumas
confissões, como se fez em Espanha. Também não é um código do direito das
religiões, direito que está começando a sistematizar-se em Portugal e que
não está codificado em parte alguma. Tem a dimensão que permite a aplicação
imediata e que corresponde aproximadamente à Concordata vigente, aos acordos
entre o Estado e as confissões celebrados na Itália, na Espanha e na
Alemanha e ao projecto de lei italiano «Norme sulla libertá religiosa e
abrogazione della legislazione sui culti ammessi», «disegno di lege»
apresentado em 3.7.1997, Atti Parlamentari. Camera dei Deputati, n.º 3947,
que influenciaram o seu conteúdo.
III
Princípios
O capítulo I explicita os princípios constitucionais que inspiram toda a
regulação jurídica do sector.
No artigo 1.º reproduz-se o n.º 1 do artigo 41.º da Constituição. A força
jurídica da garantia constitucional exprime-se através do qualificativo
«inviolável». É a única liberdade fundamental assim qualificada na
Constituição, pertencendo a liberdade de consciência e de religião ao núcleo
de direitos fundamentais que não podem ser afectados pela declaração de
estado de sítio ou de estado de emergência (artigo 19.º, n.º 6). A
Constituição também estabelece que é direito fundamental a interpretar e a
integrar de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem
(artigo 16.º e n.º 2) e com outras regras aplicáveis de direito
internacional (artigos 8.º e 16.º, n.º 1), o que implica uma interpretação
extensiva e evolutiva do direito e, desde logo, um conceito amplo de
religião, que abrange sistemas de crenças que não incluem a crença em um
Deus pessoal, como é o caso do confucionismo e do budismo, pelo menos em
certas interpretações destas religiões, claramente abrangidas pelos textos
internacionais.
O princípio da igualdade vem consagrado na Constituição no artigo 13.º, n.º
2, como princípio de não discriminação, positiva e negativa, por causa de
religião, entre outros fundamentos, e especialmente quanto à liberdade
religiosa no n.º 2 do artigo 41.º, como princípio de não discriminação
negativa. O n.º 1 do artigo 2.º sintetiza os dois textos. As convicções aqui
em questão são apenas as convicções em matéria de religião e de consciência,
interpretando-se assim a palavra «convicções» do n.º 2 do artigo 41.º, que
não abrange certamente todas as «convicções políticas ou ideológicas» a que
se refere o artigo 13.º, o qual por sua vez, inclui as convicções religiosas
no âmbito da «religião» como causa de discriminação.
Não se inclui uma disposição semelhante à da segunda parte do n.º 2 da base
IV da Lei n.º 4/71, tendo em vista as especiais proibições de discriminação
derivadas dos artigos 47.º, n.º 2, e 50.º, n.º 1 da Constituição (igualdade
de acesso à função pública e aos cargos públicos), por ser, sem dúvida,
supérflua, senão restritiva, em face da redacção mais ampla que se retirou
do n.º 2 do artigo 13.º da Constituição («ninguém pode ser privilegiado,
beneficiado, prejudicado»).
O princípio da não discriminação das igrejas ou comunidades religiosas
(artigo 2.º, n.º 2) integra o princípio da igualdade de direitos, dado o
reconhecimento constitucional de direitos colectivos fundamentais das mesmas
(artigo 41.º, n.os 4 e 5), e, embora não explícito na Constituição, resulta
claramente da conjugação dos artigos 12.º, n.º 2, 13.º, n.º 2, e 41.º, n.os
4 e 5.
O artigo 3.º (princípio da separação) reproduz o n.º 4.º do artigo 41.º da
Constituição.
Os n.os 2 e 3 do artigo 4.º reproduzem os n.os 2 e 3 do artigo 43.º da
Constituição, que são aplicações do princípio da não confessionalidade do
Estado, a que se deu expressão geral no n.º 1.
Os artigos 5.º e 6.º desenvolvem os princípios constitucionais sobre
restrições a direitos fundamentais na sua aplicação à liberdade religiosa,
no confronto desta com outros direitos a interesses constitucionalmente
protegidos (artigos 5.º, n.º 1, e 6.º), com o direito penal (n.º 2 a 3 do
artigo 5.º) e a lei em geral (n.º 4 do artigo 5.º). O n.º 5 do artigo 5.º é
retirado do n.º 6 do artigo 19.º da Constituição.
Pode perguntar-se, em face do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, se a
liberdade religiosa pode ser restringida por lei, uma vez que o artigo 41.º
da Constituição não prevê quaisquer restrições, devendo a única referência à
lei no n.º 6, quanto à objecção de consciência, interpretar-se no sentido de
abranger apenas leis de implementação ou de garantia de exercício.
Há, porém, limites imanentes aos direitos fundamentais que resultam da
possibilidade de conflitos entre eles ou deles com interesses
constitucionalmente protegidos como, por exemplo, interesses colectivos da
paz internacional e civil ou os da soberania ou da forma democrática do
Estado. Há práticas religiosas ou religiosamente motivadas que são
evidentemente proibidas, tais como sacrifícios humanos, imolação de viúvas
pelo fogo, perseguições de bruxas, incitamento a guerra de motivação
religiosa, execução de sentenças religiosas de condenação à morte,
poligamia, maus tratos como forma de exorcismo, castrações ou excisões de
menores, flirty fishing através da prostituição de menores, impedimento de
tratamento médico de menores ou dependentes, etc.. Trata-se, em todos estes
casos, de actos que preenchem tipos de crimes, que não são justificados por
objecção de consciência. São os limites desta última que marcam a fronteira
do ilícito, no confronto da liberdade de consciência com regras gerais de
ilicitude.
Também podem ocorrer conflitos entre diferentes faculdades e direitos
englobados na liberdade religiosa, como sejam os casos, tratados pela
jurisprudência constitucional estrangeira, de oração nas escolas e do
crucifixo nos tribunais e nas escolas. Nestes casos, o direito ao culto de
uns pode colidir com o direito de outros a não ser obrigado a actos de culto
contra a convicção própria, ou com o direito a não ser perguntado por
qualquer autoridade acerca das suas convicções ou com o direito à não
interferência do Estado em matéria religiosa. Aqui também deverá procurar-se
a solução que implique o menor sacrifício dos direitos em conflito. O
mandamento da tolerância é expressamente consagrado no artigo 6.º, como «um
princípio constitucional complementar da liberdade religiosa» (Joseph Listl)
Em Joseph Listl, Dietrich Pirson (eds.), Handbuch des Staatskirchenrecht der
Bundesrepublik Deutschland, 2.ª ed., Berlin, Duncker & Humblot, I, 1994,
p.442., que sintetiza numa sociedade com pluralismo religioso e Estado
não-confessional as doutrinas constitucionais da concordância prática ou do
melhor equilíbrio possível entre os direitos, explicitando o conteúdo do n.º
2 do artigo 18.º da Constituição.
IV
Direitos individuais de liberdade religiosa
Os direitos individuais de liberdade religiosa são aplicações ou
desenvolvimentos do direito fundamental de cada indivíduo à liberdade
religiosa. Só quando o seu exercício implica prestações positivas ou
negativas de outros, traduzindo-se assim no exercício de um direito
subjectivo em sentido restrito, como direito a uma prestação, depende ele do
reconhecimento da parte do obrigado. O reconhecimento público através da
inscrição no registo da igreja ou comunidade religiosa invocada apenas
facilitará esse reconhecimento e, portanto, a eficácia do direito. As
entidades públicas podem, porém, fazer depender do registo as prestações a
que estejam obrigadas por causa da religião. É o que se estabelece
imperativamente quanto aos direitos dos ministros de culto às prestações do
sistema de segurança social (artigo 14.º) e a certas formas de serviço
militar (artigo 15.º). A prática por ministro do culto de actos públicos de
registo do casamento civil por forma religiosa restringe-se às igrejas ou
comunidades religiosas radicadas no país. Não é uma exigência da liberdade
religiosa, que apenas implica o direito de celebrar casamento com os ritos,
os ministros do culto e segundo as normas da respectiva igreja ou comunidade
religiosa (artigo 9.º), mas não o reconhecimento civil desse casamento.
Prevê-se, contudo, o reconhecimento, como casamento civil, dos casamentos
celebrados por forma religiosa no seio de igrejas ou comunidades religiosas
não católicas radicadas no país, em vista do regime do casamento católico
(artigo 17.º). Segue-se, assim, por razão de igualdade, o exemplo dos
acordos italianos e espanhóis e a proposta de lei italiana.
A enumeração dos direitos que, segundo os artigos 7.º a 12.º, estão
compreendidos na liberdade de consciência, de religião e de culto não é
exaustiva, seguindo critérios pragmáticos.
No artigo 7.º especificaram-se conteúdos que já foram expressos, embora, às
vezes, de forma menos completa, na Lei n.º 4/71 (base III quanto às alíneas
a), b), d), g) e h)), na Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo
18.º, n.º 1, e 2.º), quanto às alíneas a), b), c), f), g) e h)), na
Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no Pacto Internacional Relativo
aos Direitos Civis e Políticos (artigo 9.º, n.º 1, da Convenção e 18.º do
Pacto quanto às alíneas a), b), d), f), g) e h)), na Lei Orgânica espanhola
(artigo 2.º, quanto às alíneas a) a d) e f) a g)) e no disegno di legge
italiano (artigo 2.º, quanto às alíneas b), d), f) e g)). Inovou-se, na
alínea i), o direito de escolher para os filhos os nomes próprios da
onomástica religiosa da religião professada, que deriva do artigo 41.º, n.º
1, conjugado com o artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, e é especialmente
reclamado pelas confissões não cristãs. Todas as restantes alíneas do artigo
7.º estão também abrangidas pelo n.º 1 do artigo 41.º da Constituição,
conjugado com os artigos 37.º, n.º 1 (quanto às alíneas c) e d)) 42.º, n.º 2
(quanto à alínea e)), 45.º e 46.º (quanto à alínea f)).
Teve-se especialmente em vista garantir a liberdade de consciência e de
religião das pessoas com convicções ateias e agnósticas ao prever-se o
direito de não ter e de deixar de ter religião, de abandonar a crença que se
tinha, de informar e se informar sobre religião, de exprimir e divulgar
livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu
pensamento em matéria religiosa, de produzir obras científicas, literárias e
artísticas em matéria de religião, de reunir-se, manifestar-se e associar-se
com outros de acordo com as próprias convicções em matéria religiosa, além
de todos os direitos negativos de liberdade religiosa do artigo 9.º, do
direito de educar os filhos em coerência com as próprias convicções em
matéria religiosa (artigo 10.º) e de poderem ser objectores de consciência.
A todas as liberdades previstas no artigo 7.º, de ter, escolher, professar,
exprimir, reunir-se, etc., correspondem liberdades negativas de não ser
obrigado nem coagido a ter, escolher, professar etc.. Algumas já integram a
declaração do direito no artigo 7.º. As que se reuniram no artigo 8.º
formulam-se autonomamente por alguma razão especial, por vezes apenas
histórica, por terem sido negadas ou se recear a sua violação em certos
contextos. Assim, a alínea a) teve em conta as formulações da Lei n.º 4/71
(base IV, n.º 1), da Declaração Universal (artigo 18.º, n.º 2) e da Lei
Orgânica espanhola (artigo 2.º, n.º 1, alínea b), a da alínea b) deriva em
parte do artigo 47.º, n.º 3, da Constituição, a da alínea c) reproduz o n.º
3 do artigo 41.º da Constituição, a da alínea d) corresponde ao regime
jurídico vigente (cfr. por exemplo, o artigo 127.º, n.º 3, da Constituição e
o artigo 559.º n.º 2 do Código de Processo Civil), além de ser matéria de
consciência na tradição cristã (Mateus 5, 33-37, Tiago 5,12). O n.º 2 do
artigo 8.º é extraído do n.º 3 do artigo 35.º da Constituição.
No artigo 9.º autonomizam-se os direitos de participação religiosa, que são
condicionados pelo acordo dos ministros de culto e pelas normas da igreja ou
comunidade religiosa escolhida.
Reconhece-se aos pais o direito de educação dos filhos em coerência com as
próprias convicções em matéria religiosa, de acordo com o artigo 25.º da
Declaração Universal dos Direitos do Homem, o artigo 2.º do Protocolo n.º 1
Adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artigo 18.º, n.º 4,
do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos, no respeito
da integridade moral e física dos filhos e sem prejuízo da saúde destes
(artigo 10.º, n.º 1). Manteve-se o limite dos dezasseis anos, estabelecido
pelo artigo 1886.º do Código Civil, como idade da maioridade religiosa
(artigo 10.º, n.º 2).
Não se ignora que quanto à maior parte das faculdades abrangidas pela
liberdade religiosa se justifica um exercício autónomo pelo menor mais cedo
(o disegno di legge italiano estabelece 14 anos para a maioridade religiosa;
a lei alemã de 1921 (RKEG) estabelece que a criança deve ser ouvida a partir
dos 10 anos, não pode ser obrigada a mudar de educação religiosa a partir
dos 12 anos e tem plena emancipação religiosa a partir dos 14 anos; o Código
de Direito Canónico reconhece o direito de escolher Igreja ritual a partir
dos 14 anos - cân. 111, § 2 - e a capacidade de admissão ao noviciado aos 17
anos - cân. 643, § n.º 1), mas os direitos de exercício dos menores estão
salvaguardados pela referência do corpo do artigo ao respeito pela
integridade moral do menor, como limite ao direito dos pais de educação
religiosa dos filhos menores. Por outro lado, há direitos de liberdade
religiosa que dependem de outros direitos (o de escolher a forma religiosa
do casamento depende do de casar; o de exercer a religião profissionalmente
ou em instituto de vida consagrada depende da liberdade de escolha da
profissão ou de domicílio). Em geral, não se vê razão para abandonar o
critério do Código Civil, tanto mais que pode haver abusos, sendo insegura a
fronteira entre o zelo e a coacção e havendo neste domínio queixas contra
alguns novos movimentos religiosos.
Os n.os 1, 2 e 3 do artigo 11.º contém determinações do direito à objecção
de consciência que se consideram suficientemente apoiadas na jurisprudência
e na doutrina nacionais Veja-se nomeadamente o Acordão do Tribunal
Constitucional n.º 681/95 e respectivas declarações de voto, Diário da
República, II série, 30.11.96, pp. 150 ss. e estrangeiras. O n.º 3 acolhe um
princípio que encontra expressão na Lei Fundamental da República Federal da
Alemanha, artigo 12.º, secção 2.
O artigo 12.º regula o exercício da liberdade religiosa e, especialmente, o
direito à assistência religiosa em situações de possível colisão com
obrigações do titular detido, internado ou sujeito a obrigações militares ou
outras limitativas da liberdade de deslocação. É matéria regida para a
Igreja Católica pelo artigo XVII da Concordata (o qual está regulamentado:
quanto às Forças Armadas, pelo Decreto-Lei n.º 93/91, de 26 de Fevereiro -
cfr. especialmente o artigo 1.º, n.º 3 -, alterado pelo Decreto-Lei n.º
54/97; quanto aos hospitais, pelo Decreto-Regulamentar n.º 58/80, de 10 de
Outubro, a Portaria n.º 603/82, de 18 de Junho, e o Decreto Regulamentar n.º
22/90, de 3 de Agosto; quanto aos estabelecimentos tutelares e colégios do
Ministério da Justiça pelo Decreto-Lei n.º 345/85, de 23 de Agosto; quanto
às prisões, pelos Decretos-Leis n.os 268/81, de 16 de Setembro, e 79/83, de
9 de Fevereiro). Mas enquanto que o artigo XVII se situa na perspectiva dos
direitos da Igreja, a proposta coloca-se na perspectiva do direito
individual ao exercício da liberdade religiosa, incluindo o de recorrer à
assistência religiosa escolhida e à prática dos actos de culto. Por outro
lado, em vez de se remeter, como no artigo XVII, a definição das restrições
para «a observância dos respectivos regulamentos, salvo em caso de
urgência», estabelece-se um critério material (imprescindibilidade por
razões funcionais ou de segurança), controlável pelo ministro do culto
respectivo, mediante a audiência prévia deste, sempre que possível. A
definição das formas de assistência e de culto depende do ministro do culto
(cfr. artigo 9.º, alínea a)), pelo que não se exclui a intervenção de
pessoas autorizadas por este (prevista para a assistência religiosa católica
no n.º 6 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 93/91, na redacção do Decreto-Lei
n.º 54/97, nas alíneas c) e f) do artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º
58/80, no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 22/90 e no artigo
15.º do Decreto-Lei n.º 79/83). Até agora, os crentes de igrejas e
comunidades religiosas não católicas eram contemplados, quando reclusos, em
termos semelhantes aos propostos, pelo regime dos artigos 89.º a 94.º e
192.º do Decreto-Lei n.º 265/79, de 1 de Agosto, e quando militares pela
garantia do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 34-A/90, de 24 de Janeiro, (a
conjugar com o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 93/91), pressupondo
ainda a obrigação de informar sobre os seus pedidos e necessidades de
assistência religiosa imposta aos capelães católicos nos hospitais (alínea
g) do artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º 22/90) um direito a essa
assistência.
O direito de suspender o trabalho no dia de descanso semanal, nos dias das
festividades e nos períodos horários que lhes sejam prescritos pela
confissão que professam (artigo 13.º, n.º 1) deve compatibilizar-se com os
direitos da entidade empregadora e com o princípio de igualdade. Seguiu-se o
modelo de alguns acordos italianos (artigo 17.º da Lei n.º 516, de 22 de
Novembro de 1988 (adventistas), artigo 4.º da Lei n.º 102, de 8 de Março de
1989 (comunidades hebraicas)), aplicável em regime de flexibilidade de
horário. É certo que o Estado francês concede aos seus funcionários e
agentes autorização de ausência por ocasião das festas próprias das
confissões ou comunidades arménia, israelita ou muçulmana a que pertençam,
em três dias por ano em cada caso (circular de 9 de Janeiro de 1991) Bernard
Jeuffroy, François Tricard, Liberté religieuse et régimes des cultes en
droit français, Paris, Cerf, 1996, p.1037). Mas esta solução não resolve os
problemas de igualdade referidos.
O n.º 2 do artigo 13.º sobre a dispensa de aulas e marcação de exames
generaliza com leve adaptação o que já dispunham, para os ensinos básico e
secundário, o Despacho n.º 127/79, de 27 de Novembro de 1979, do Secretário
de Estado dos Ensinos Básico e Secundário (Diário da República, II Série, de
15.12.1979), e para o ensino superior, a Portaria n.º 947/87, de 18 de
Dezembro.
Competindo às igrejas e demais comunidades religiosas dispor autonomamente
sobre a designação, funções e poderes dos seus representantes, ministros,
missionários e auxiliares religiosos (artigo 21.º, n.º 1, alínea b)), a
proposta utiliza um conceito legal autónomo de ministro de culto, sem outra
determinação à partida, do que a que resulta das palavras, que implicam uma
relação funcional com o exercício do culto. Mas das várias disposições que
utilizem o conceito (cfr. artigos 9.º, 12.º, 14.º, 15.º 16.º, 17.º, 18.º,
21.º, 22.º, 31.º) resultam determinações sistemáticas, relativas a essa e
outras funções possíveis dos ministros de culto. E teve-se presente, como
elemento histórico da interpretação do conceito, que nele se integram
nuclearmente os «ministros sagrados» ou « clérigos» da Igreja Católica,
nesta definidos pelo sacramento da ordem, a que estão reservados os ofícios
para cujo exercício se requer o poder de ordem ou o poder de governo
eclesiástico (cânones 207 e 274, § 1 do Código de Direito Canónico), mas,
mesmo estes, apenas quando se dedicam ao ministério eclesiástico. Tendo em
vista as confissões não católicas, renunciou-se a uma definição como a do
n.º 3 da base XIX da Lei n.º 4/71, moldada sobre o direito canónico da
altura. Há que determinar em cada caso o âmbito do conceito, tendo em vista
as razões do regime jurídico a aplicar.
Assim, para efeito da autorização de residência a ministros de culto
estrangeiros e do direito às prestações do sistema de segurança social,
equiparam-se aos ministros do culto os membros de institutos de vida
consagrada (desde que se dediquem ao exercício de actividade religiosa) e
outras pessoas que exercem profissionalmente actividades religiosas (n.os 3
a 5 do artigo 15.º).
O n.º 4 do artigo 15.º conjuga-se com o artigo 65.º, de modo a garantir
todos os direitos adquiridos ao abrigo do regime de segurança social
instituído pelo Decreto Regulamentar n.º 5/83, de 31 de Janeiro, mas
reservando para o futuro tais direitos aos ministros do culto e pessoas
equiparadas das igrejas e comunidades religiosas que venham a inscrever-se
como pessoas colectivas religiosas.
O n.º 2 do artigo 15.º corresponde ao artigo XII da Concordata, seguindo-o.
O n.º 1 do artigo 16.º corresponde ao artigo XIV da Concordata e reproduz,
com adaptações redaccionais à técnica jurídica da proposta, o artigo 32.º,
n.º 1, da Lei do Serviço Militar (Lei n.º 30/87, de 7 de Julho). Assim, onde
este se refere a «qualquer religião com expressão real no país», a proposta
diz «das igrejas e comunidades religiosas inscritas». Aos serviços de
assistência religiosa e de saúde acrescentaram-se os de acção social. O n.º
2 do artigo 16.º traduz, do mesmo modo, o regime do n.º 2 do artigo 82.º do
Regulamento da Lei do Serviço Militar (Decreto-Lei n.º 463/88, de 15 de
Dezembro).
Segundo o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 387-A/87, de 29 de Dezembro, podem
pedir escusa de intervenção como jurados as pessoas que sejam ministros de
qualquer religião ou membros de ordem religiosa. Essencialmente, no artigo
17.º, estendeu-se esta faculdade às pessoas que exerçam profissionalmente
actividades religiosas, por identidade de razão. Não se substitui a
faculdade de escusa por uma isenção automática da obrigação, como no artigo
XIII da Concordata, por não pertencer ao Estado sancionar, mas apenas
permitir o exercício de obrigações meramente religiosas. Pela mesma razão,
não parece necessário isentar de cargos cuja assunção não é civilmente
obrigatória e que o mesmo artigo XIII refere como «incompatíveis com o
estado eclesiástico», tanto mais que esses cargos deixaram de ser
expressamente referidos no actual Código de Direito Canónico (cânone 285).
O artigo 18.º deve conjugar-se com os artigos 59.º a 61.º, que alteram os
artigos 1615.º, 1654.º, alínea b), e 1670.º, n.º 2 do Código Civil. O artigo
1615.º insere-se no capítulo «celebração do casamento civil» e da conjugação
da nova redacção com o artigo 1587.º, também do Código Civil, resulta que
continuará a haver só duas modalidades de casamento: católico e civil, e que
o casamento civil pode ser celebrado da forma fixada no Código Civil e nas
leis do registo civil ou de forma religiosa, nos termos de legislação
especial, que no caso é a Lei da Liberdade Religiosa e mais legislação que a
desenvolve ou regulamenta. Não há, portanto, criação de nenhum novo regime
jurídico do casamento, nenhum diferente contrato de casamento religioso com
recepção de normas do direito interno de certa igreja ou comunidade
religiosa, a que a lei atribua, em certas condições, efeitos civis. Apenas o
casamento civil passa a poder ser celebrado de duas formas ou de forma
civil, exclusivamente nos termos descritos na lei civil; ou de forma
religiosa, com intervenção de um ministro de culto de uma igreja ou
comunidade religiosa radicada no país, com os ritos da respectiva religião.
Para assegurar a exacta compreensão do regime civil do casamento que
celebram - dada a conhecida divergência de alguns direitos religiosos em
matéria de igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, monogamia,
dissolução, etc. -, o certificado para casamento não é passado sem que o
conservador se tenha assegurado de que os nubentes têm conhecimento dos
artigos 1577.º, 1600.º, 1671.º e 1672.º do Código Civil. Também se não
dispensa a presença de duas testemunhas, que é tradicional e se mantém no
casamento católico (canône 1108 do Código de Direito Canónico).
V
Direitos colectivos de liberdade religiosa
Titulares dos direitos colectivos de liberdade religiosa são «as igrejas e
as outras comunidades religiosas», como reconhece a Constituição (artigo
41.º, n.º 3), e ainda as pessoas colectivas por elas criadas. As igrejas são
aquelas comunidades religiosas que a si mesmas se designam desse modo, sendo
juridicamente insustentável um conceito teológico de igreja que reduza as
igrejas às «igrejas de Deus» ou cristãs, ou em última análise, à única
igreja «católica». O conceito de confissão é usado na lei (cfr. os artigos
7.º, alíneas g), h), i), 13.º, n.os 1 e 3, 19.º, 20.º, corpo do artigo e n.º
1, 21.º, n.º 2, 22.º, alíneas c), d) e g), 23.º, n. os 1 e 2, 24.º, n. os 1
e 2), a exemplo da Constituição (artigo 41.º, n.º 4), para designar os
crentes da mesma fé ou credo, ou o próprio conteúdo da crença religiosa que
se confessa ou professa. No seu uso actual, a palavra «confissão» designa
frequentemente os crentes de várias igrejas ou comunidades religiosas - por
exemplo, «confissão evangélica» designa o conjunto de igrejas que se
reconhecem mutuamente como professando a mesma fé evangélica Cfr. os artigos
"Kirche", "Konfession", "Religion" em Handbuch religionswissenschaftlicher
Grundbegriffe, ed.Herbert Cancik et al., Stuttgart, Kohlhammer, 1988 ss... A
cada igreja ou comunidade religiosa compete definir a sua confissão e a sua
identidade confessional no confronto com outras confissões, podendo fazê-lo
considerando para certos efeitos relevantes diferenças que considera
irrelevantes para outros efeitos (o que foi considerado no regime do ensino
religioso nas escolas públicas - artigo 28.º - e dos tempos de emissão
religiosa - artigo 24.º). Como os direitos colectivos de liberdade religiosa
se baseiam na liberdade religiosa dos indivíduos que integram as igrejas ou
comunidades religiosas, a definição juridicamente relevante da confissão
depende destas últimas e não ao invés.
As igrejas e as demais comunidades religiosas que não se designam como
igrejas são definidas como comunidades sociais organizadas e duradouras em
que os crentes podem realizar todos os fins religiosos que lhes são
propostos pela respectiva confissão Cfr. Axel v.Campenhausen, "New and Small
Religious Communities in Germany", European Consortium for Church-State
Research, New Religious Movements and the Law in the European Union, Milano,
Giuffrè, 1998, p.169. É difícil conceber uma comunidade social que preencha
estes requisitos e que não seja constituída por, pelo menos, algumas
famílias. Excluem-se associações temporárias de pessoas para fins
religiosos - por exemplo, uma peregrinação - e associações mesmo duradouras
de pessoas que não tenham como objecto realizar todos os fins religiosos
propostos à generalidade dos seus crentes pela confissão que professem - por
exemplo, uma simples congregação religiosa. Mais claramente ainda se excluem
associações que visam realizar apenas alguns dos deveres religiosos dos seus
membros, sobretudo em domínios que não são especificamente religiosos, como
a beneficência e a educação.
A distinção entre fins religiosos e não religiosos e entre as
correspondentes actividades (artigo 20.º; cfr. o artigo 26.º e os artigos
30.º e 31.º) é imposta pelo princípio da igualdade, segundo critérios
constitucionais e legais. Fica imprejudicada a autonomia de definição
confessional dos fins religiosos, incluindo os obrigatórios. A distinção dos
respectivos regimes jurídicos já estava consagrada no nosso direito,
nomeadamente na Concordata (artigo IV, quanto ao caracter não religioso dos
fins de assistência e beneficência, artigo XX, quanto às escolas
particulares da Igreja) e na Lei n.º 471 (bases XIV, n.º 1 e XVI, n.º 3,
quanto às mesmas matérias). Trata-se de um princípio estruturante, a que
convém dar formulação genérica, como na actual concordata italiana (Acordo
de 18 de Fevereiro de 1984, n.º 7, 3)) e no disegno di legge de 1997,
artigos 23 e 24.
Os artigos 21.º e 22.º especificam exemplificativamente o conteúdo das
liberdades de organização e de exercício das funções e do culto das igrejas
e outras comunidades religiosas que a Constituição consagra no n.º 4 e no
n.º 5 (quanto à alínea c) do artigo 22.º) do artigo 41.º. Tiveram-se em
vista os aspectos que são praticamente mais relevantes ou revelam um
consenso mais alargado. Assim já tiveram expressão, pelo menos parcial, os
conteúdos: das alíneas a) e b) do artigo 21.º no n.º 1 da base XI da Lei n.º
4/71 e no n.º 16d do Documento Conclusivo da Reunião de Viena dos Estados
Participantes na Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa de 17 de
Janeiro de 1989; do n.º 2 do artigo 21.º no artigo 6.º, n.º 1 da Lei
orgânica espanhola; do n.º 3 do artigo 21.º no artigo III da Concordata, na
base XI, n.º 2 da Lei n.º 4/71 e no artigo 6.º, n.º 2, da Lei orgânica
espanhola; da alínea a) do artigo 22.º no artigo XVI da Concordata e no
artigo 13.º do disegno di legge; da alínea b) do artigo 22.º no Documento
Conclusivo de Viena, n.º 16d, no artigo 2.º, n.º 2 da Lei orgânica espanhola
e no artigo 13 do disegno di legge; da alínea d) do artigo 22 no Documento
Conclusivo de Viena, n.º 16i, no artigo 2, n.º 2 da Lei orgânica espanhola e
no artigo 13 do disegno di legge; das alíneas e) e f) do artigo 22.º no
artigo 13 do disegno di legge; da alínea g) no artigo 2, n.º 2 da Lei
orgânica espanhola e no artigo 13 do disegno di legge; da alínea h) do
artigo 22.º na base XVI, n.º 1 da Lei n.º 4/71 e no artigo 2.º, n.º2 da Lei
orgânica espanhola; da alínea i) do artigo 22.º no artigo XX da Concordata e
na base XVI, n.º 1 da Lei n.º 4/71.
Independentemente da sua inscrição no registo das pessoas colectivas
religiosas e consequente reconhecimento público da sua qualidade religiosa e
da sua personalidade jurídica, têm as igrejas e comunidades religiosas, pelo
simples facto de existirem socialmente, o direito de ensinar na forma e
pelas pessoas por si autorizadas a doutrina da religião que professam
(artigo 22.º, alínea c)). Do mesmo modo, têm os respectivos crentes o
direito de educarem os filhos, dando-lhes formação religiosa em coerência
com a sua fé (artigo 10.º). O Estado, porém, pode fazer depender certas
formas de colaboração com o exercício desses direitos, como sejam facultar
nas escolas públicas espaço e horários e pagar aos professores, da
verificação pública dos pressupostos de facto dos direitos referidos através
do registo. É o que dispõe o artigo 23.º, tendo em vista o direito em vigor.
A Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, (Lei de Bases do Sistema Educativo) no
seu artigo 47.º, n.º 3 e, no seu desenvolvimento, o Decreto-Lei n.º 286/89,
de 29 de Agosto, (artigo 7.º, n.os 2, 4, e 5) prevêem que, em alternativa à
disciplina do Desenvolvimento Pessoal e Social, os alunos dos ensinos básico
e secundário poderão optar pela disciplina de Educação Moral e Religiosa
Católica ou de outras Confissões. Esta disciplina, que se entende ser de
formação religiosa a cargo das confissões religiosas, está regulada, quanto
à Igreja Católica, pelo artigo XXI da Concordata, pelo Decreto-Lei n.º
323/83, de 5 de Julho, pela Portaria n.º 333/86, de 2 de Julho, pela
Portaria n.º 831/87, de 16 de Outubro (artigo 9.º), pela Portaria n.º
344-A/88, de 31 de Maio, pelo Decreto-Lei n.º 407/89, de 16 de Novembro, e
pelo Despacho Normativo n.º 6-A/90, de 31 de Janeiro, e, quanto às outras
confissões, pelo Decreto-Lei n.º 329/98, de 2 de Novembro, que veio revogar
o Despacho Normativo n.º 104/89, de 7 de Setembro, publicado no Diário da
República de 6 de Novembro, e pelo Despacho Conjunto n.º 179/97, de 8 de
Julho de 1997 (Diário da República, II série, de 26.7.1997).
Existe, assim, por virtude dos diplomas por último referidos, uma disciplina
de Educação Moral e Religiosa Evangélica, ensinada em 111 turmas de 53
escolas no ano lectivo de 1997/98. Também a Assembleia Espiritual Nacional
dos Bahá'is de Portugal solicitou autorização para a criação de turmas de
formação religiosa, tendo sido considerada uma confissão religiosa para esse
efeito (Parecer da Procuradoria Geral da República de 4 de Setembro de 1996,
Diário da República, II série, de 24-9-1996).
O artigo 23.º vem confirmar o que hoje resulta dos artigos 3.º, 4.º, 6.º e
7.º do Decreto-Lei n.º 329/98, de 2 de Novembro, com as adaptações, quanto à
representação das «confissões religiosas com implantação em Portugal»
(artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 229/98), que derivam do regime da
proposta. Do mesmo modo, quanto aos limites da liberdade de ensino (os casos
de «recusa de autorização de leccionação» do n.º 3 do artigo 3.º do
Decreto-Lei n.º 229/98) passarão a valer os limites que derivam do artigo
5.º da proposta.
O artigo 25.º da Lei n.º 58/90, de 7 de Setembro, garante às confissões
religiosas, para o prosseguimento das suas actividades, um tempo de emissão
até duas horas diárias no 2.º canal do serviço público de televisão. Para
execução do preceito foi acordado entre a Radiotelevisão Portuguesa, SA, e a
Comissão do Tempo de Emissão das Confissões Religiosas, em 16 de Maio de
1997, um Protocolo nos termos do qual o período diário de utilização do
tempo de emissão é de trinta minutos entre as dezoito e as vinte horas, dos
quais vinte e dois minutos e meio são reservados à Igreja Católica e sete
minutos e meio são distribuídos pelas restantes confissões que integram a
Comissão e que são representadas por Aliança Evangélica Portuguesa,
Assembleia Espiritual Nacional Baha'is de Portugal, Comunidade Hindú de
Portugal, Comunidade Islâmica de Lisboa, Comunidade Israelita de Portugal,
Conselho Português de Igrejas Cristãs, Igreja Apostólica Católica Ortodoxa,
Igreja da Ciência Cristã, Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos
Dias, Igreja Velho Católica e União Portuguesa dos Adventistas de Sétimo
Dia. A composição da Comissão resultou do reconhecimento mútuo dos seus
membros e levantaram-se posteriormente problemas de representatividade,
nomeadamente quanto à representação da confissão ortodoxa pela Igreja
Apostólica Católica Ortodoxa, uma vez que não é essa a igreja ortodoxa com
maior número de fieis em Portugal. A redacção proposta para o artigo 24.º
estende ao serviço público de radiodifusão o regime encontrado para a
televisão, por identidade de razão e por se considerar a solução acordada
feliz e reveladora da capacidade de auto-regulação da sociedade civil e de
um alto espírito de tolerância. Procura-se garantir no futuro a
representatividade da Comissão do Tempo de Emissão das Confissões
Religiosas, fazendo intervir consultivamente no processo de designação dos
seus membros a Comissão da Liberdade Religiosa.
O artigo 25.º remete para as disposições legais aplicáveis em matéria de
protecção dos animais a regulamentação do direito de abate religioso de
animais, quando este é exigido pelas normas rituais ou da prática religiosa
de certa confissão. Tais disposições são actualmente as do artigo 5.º, n.º 1
e 2, e 7.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 28/96, de 2 de Abril, que transpõe
para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 39/119/CE, do Conselho, de 22
de Dezembro, relativa à protecção dos animais no abate e ou occisão.
http://www.parlamento.pt/legis/inic_legis/19990325.07.4.0269.2.05
Porque hoje, domingo, é um dia comum... princípio duma semana comum, numa
europa
comum, num qualquer calendário comum...
--
|C Aryeh
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`6_ 6 ) `-. ( ).`-.__.`)
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(il),-'' (li),' ((!.-'
Aragão <rdd0...@mail.telepac.pt> wrote in message
news:8c50m0$m1p$1...@duke.telepac.pt...
> Porque hoje é sábado........
> "HArieh" <har...@vjmail.com> escreveu na mensagem >
> >Komo hoje será Shabbat, deixo algo...