Intervenção em crise

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Eliana Guimarães (Psicóloga)

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Feb 24, 2009, 12:00:51 PM2/24/09
to Midiateca: Eliana Guimarães (Psicóloga)
ARTIGOS
Intervenção em crise
Crisis intervention


Samantha Dubugras Sá*;
Blanca Susana Guevara Werlang**;
Mariana Esteves Paranhos***


*Psicóloga, Mestre em Psicologia Clínica e Doutoranda (Pontifícia
Universidade Católica do Rio
Grande do Sul – PUCRS). Professora da Faculdade de Psicologia (PUCRS)
e do Programa de Pós-
Graduação em Direito de Família da Faculdade de Direito (PUCRS)
**Psicóloga, Doutora em Ciências Médicas/Saúde Mental (UNICAMP),
Professora Adjunta e
Diretora da Faculdade de Psicologia (Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul –
PUCRS)
***Psicóloga. Mestranda em Psicologia Clínica (Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do
Sul – PUCRS)



RESUMO


A proposta do artigo é contextualizar através de uma revisão da
literatura, situações de
emergência e catástrofes que causam crises e traumas e apontar a
proposta de intervenção mais
apropriada para este tipo de situação. O processo de crise pode advir
de eventos catastróficos ou
desastres produzidos por causas naturais; por acidentes ou, ainda, por
situações diretamente
provocadas pelo homem como nos casos de violência interpessoal. Em
todas essas situações a
integridade física e/ou emocional das pessoas está ameaçada. A
intervenção em crise é um
método de ajuda indicado para auxiliar uma pessoa, uma família ou um
grupo, no enfrentamento
de um evento traumático, amenizando os efeitos negativos, tais como
danos físicos e psíquicos,
incrementando a possibilidade do crescimento de novas habilidades de
enfretamento reforçando a
busca de opções e perspectivas de vida.


Palavras-chave: Situações de emergência, Crise, Intervenção em crise.



ABSTRACT

Through a bibliographic review, this paper proposes the
contextualization of emergency and
catastrophe situations that cause crisis and traumas, highlighting the
most suitable interventions
for such cases. Crisis processes can result from natural disasters,
from accidents, or even from
situations directly caused by human beings, as in cases of
interpersonal violence. In all of these
situations, the person’s physical and/or emotional integrity is
threatened. Crisis intervention is an
aiding method recommended to help an individual and his/her family or
group to face a traumatic
event, easing negative effects, such as physical and psychological
damages, enhancing the growth
of new coping skills, as well as reinforcing life options and
perspectives.



REVISTA BRASILEIRA DE TERAPIAS COGNITIVAS, 2008, Volume 4, Número 1


Keywords: Emergency situations, Crisis, Crisis intervention.


Introdução


Os avanços tecnológicos, a capacidade humana de construir, mas também
a de destruir provoca,
com maior ou menor freqüência, sérias alterações na vida das pessoas
que se vêem afetadas por
uma situação de crise ou de emergência. Algumas dessas circunstâncias
golpeiam com tanta
violência o estado de equilíbrio de pessoas, famílias e até de uma
sociedade inteira, que deixam
no seu lastro perdas humanas, materiais e mudanças situacionais
extremamente traumáticas.
Pode-se considerar como emergência situações catastróficas ou
desastres produzidos por causas
naturais como terremotos, erupções vulcânicas, secas, enchentes,
tornados, furacões; por
acidentes tais como incêndios; ou, ainda, condições diretamente
provocadas pelo homem como
conflitos armados, ataques terroristas, seqüestros relâmpagos,
violência urbana, tráfico de
drogas, entre outros. Em todas essas ocorrências a integridade física
e/ou emocional das pessoas
está ameaçada.

Tradicionalmente, os programas de saúde em instituições públicas ou
privadas têm se dirigido
basicamente à atenção médica imediata, não estando tais serviços, na
maior parte das vezes,
preparados para uma assistência mais abrangente. Diante disso, em
ocasiões catastróficas, estes
serviços tornam-se sobrecarregados e insuficientes para enfrentar
essas ocorrências,
estabelecendo-se uma situação de calamidade pública.

Os desastres de grande porte e os eventos diários da violência urbana
provocam significativo
impacto sobre a saúde mental das pessoas que se tornam reféns desses
eventos, atormentadas
pelo medo, sofrendo por feridas e mutilações físicas e emocionais,
acompanhados ainda, pelo
impacto da perda de entes queridos (familiares ou não) e de prejuízos
materiais e econômicos.
Dessa maneira, a atenção psicossocial mostra-se por demais,
necessária. Entretanto, apenas nos
últimos anos é que se começou a prestar atenção a este tipo de
intervenção englobando ações
não só para enfrentar o quadro físico, mas, também, o psíquico.

É indiscutível que, em situações de emergência, são esperadas reações
emocionais muito intensas
e a grande maioria dessas manifestações podem ser consideradas como
compatíveis com o
momento traumático vivenciado. Contudo, a abordagem precoce de
qualquer problema de saúde
mental é a maneira mais efetiva de prevenção de transtornos mais
sérios que costumam aparecer,
a médio e a longo prazo, após o evento traumático. Pesquisas
demonstram que 75% das pessoas
expostas a uma situação traumática precisam ser muito bem avaliadas
quanto à possibilidade de
apresentarem distúrbios psíquicos com comorbidades associadas tais
como: depressão,
ansiedade, fobia, abuso de drogas e álcool (Freedy, Saladin,
Kilpatrick, Resnick & Saunders, 1994;
Giel, 1990; Green, 1994). Assim, em situações de emergência torna-se
necessário, em caráter de
urgência, uma intervenção externa de ajuda, visando a auxiliar,
aliviar ou resolver os efeitos
produzidos por tais anomalias, restabelecendo-se, assim, a
normalidade. As emergências se
traduzem em verdadeiras tragédias, crises ou dramas humanos,
justificando a preocupação de se
levar em conta os aspectos de atenção à saúde física, às perdas
materiais, e, também, entender a
aflição e as conseqüências psicológicas decorrentes dessas situações.

Pretende-se aqui, ainda que de forma sucinta, contribuir para que os
profissionais da área da
saúde se sensibilizem frente às necessidades que devem ser encaradas e
satisfeitas diante de
situações de crise que as pessoas enfrentam, em decorrência da
crescente violência que parece
suplantar os meios com que conta a sociedade para reprimi-la. Objetiva-
se, pois, despertar
algumas reflexões úteis, segundo se pensa, para atingir tais fins.


REVISTA BRASILEIRA DE TERAPIAS COGNITIVAS, 2008, Volume 4, Número 1


Entendendo o que é uma crise


A expressão “crise” provém da palavra grega krisis, que significa
“decisão” e deriva do verbo
krino, que quer dizer “eu decido, separo, julgo” (Moreno, Peñacoba,
González-Gutierrez & Ardoy,
2003; Sánchez & Amor, 2005). “Crise”, ainda pode ser definida como um
estado de desequilíbrio
emocional do qual uma pessoa que se vê incapaz de sair com os recursos
de afrontamento que
habitualmente costuma empregar em situações que a afetam
emocionalmente (Parada, 2004).
Vivenciar uma crise é uma experiência normal de vida, que reflete
oscilações do indivíduo na
tentativa de buscar um equilíbrio entre si mesmo e o seu entorno.
Quando este equilíbrio é
rompido, está instaurada a crise, que é uma manifestação violenta e
repentina de ruptura de
equilíbrio. Essa alteração no equilíbrio, gerada por um fracasso na
resolução de problemas que o
indivíduo costuma utilizar, causa sentimentos de desorganização,
desesperança, tristeza, confusão
e pânico (Wainrib & Bloch, 2000). A desorganização emocional se
caracteriza principalmente por
um colapso nas estratégias prévias de enfrentamento.

O estado de crise é limitado no tempo, quase sempre se manifestando
por um evento
desencadeador, e sua resolução final depende de fatores como a
gravidade do evento e dos
recursos pessoais e sociais da pessoa afetada (Moreno et al., 2003). O
processo de crise deve ser
entendido não somente como algo negativo, mas como algo que pode
também ser positivo. Neste
sentido, Slaikeu (1996) assinala como exemplo o ideograma chinês de
crise, representado por
duas figuras: uma significando “perigo” e outra “oportunidade”, ou
seja, um “ponto de mudança”
que pode servir para sanar ou adoecer, melhorar ou piorar. Assim,
Liria e Veja (2002) consideram
que o desenlace de uma crise pode ameaçar a saúde mental ou ser um
marco para mudanças que
permitam um funcionamento melhor do que o anterior ao desencadeamento
do evento. De tal
forma, quando a crise é resolvida satisfatoriamente, ela pode auxiliar
o desenvolvimento do
indivíduo; caso contrário, poderá constituir-se em um risco,
aumentando a vulnerabilidade da
pessoa para transtornos mentais.


A crise é, sem dúvida, uma condição de reação frente a uma situação de
perigo, capaz de ameaçar a integridade da pessoa. O indivíduo pode
apresentar sinais e sintomas clínicos em resposta ao estado provocado
pela crise, necessitando, por conseqüência, de alguma intervenção para
a sua resolução.

Quando a resolução da crise se dá de forma adaptativa, surgem três
oportunidades: a de dominar
a situação atual, a de elaborar conflitos passados e a de apreender
estratégias para o futuro
(Parada, 2004). Estas novas habilidades para a resolução de problemas
são também úteis para o
manejo de situações posteriores. Concordando com o entendimento de que
a crise possa se
manifestar como uma oportunidade positiva, Erikson (1971) já a definia
como um ponto crítico
necessário ao desenvolvimento, capaz de conduzir o indivíduo a tomar
uma direção ou outra, de
modo a encaminhar seus recursos para o próprio crescimento,
recuperação e maior diferenciação.
Slaikeu (1996) destaca um modelo de etapas da crise postulado por
Horowitz (1976),
mencionando que, diante do evento que desencadeia o seu processo, o
indivíduo apresenta
primeiramente uma desordem decorrente das reações iniciais diante do
impacto. Após esta
desordem, passa para a etapa de negação, na tentativa de amortecer o
impacto (um exemplo
disso é a pessoa que procura não pensar no que aconteceu ou tenta
continuar suas atividades
como se nada tivesse ocorrido). A terceira etapa seria a intrusão, que
consiste no surgimento de
idéias involuntárias de dor pelo evento verificado. Pesadelos
recorrentes, imagens e outras
preocupações são características desta etapa. Em continuação, o
indivíduo evolui para a
elaboração, fase em que a pessoa começa a expressar, identificar e
comunicar os seus
pensamentos, imagens e sentimentos experimentados pela situação de
crise. Alguns conseguem
elaborar seus sentimentos, enquanto outros somente o farão com uma
ajuda externa. Por fim, o
término é o momento em que o indivíduo integra o evento dentro da sua
vida, pois a experiência
foi enfrentada, os sentimentos e pensamentos identificados,
possibilitando, assim, que a pessoa
se reorganize.
Vários podem ser os fatores precipitadores de uma crise, mas não são
somente os eventos em si
que desencadeiam tal processo. Ele pode decorrer, também, do
significado que o indivíduo possa
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vir a dar aos fatos, em termos de ameaça ou dano para si, assim como
da avaliação dos recursos
disponíveis para o necessário enfrentamento da situação. Então, é
necessário sempre levar em
conta a percepção do indivíduo frente ao evento, e não só a gravidade
do mesmo isoladamente
(Liria & Veja, 2002; Sánchez & Amor, 2005). Os eventos podem ser
fatores decisivos para o
desenvolvimento de um quadro de Transtorno de Estresse Agudo,
caracterizado principalmente
por intensa ansiedade, medo, impotência e horror, acompanhado de
sintomas dissociativos como
ausência de resposta emocional, sentimentos de desconexão, redução do
reconhecimento de
ambiente, sentimento de irrealidade e amnésia dissociativa (DSM IV TR,
2002).
Se o indivíduo que sofreu o evento traumático é tratado rapidamente,
os sintomas de possível
estresse agudo, em geral, diminuem ou desaparecem completamente nos 30
dias seguintes. Em
alguns casos, porém, não havendo tratamento adequado, a desordem
verificada tende a persistir
podendo evoluir para um Transtorno de Estresse Pós-Traumático, quadro
comum caso a
sintomatologia permaneça por um período de três meses. Os sintomas
característicos deste
transtorno incluem revivência persistente do evento traumático,
esquiva sistemática de estímulos
associados com o trauma e sintomas de excitação aumentada (DSM IV TR,
2002). Se o quadro
prevalece após este período, pode-se caracterizar uma situação
crônica, existindo ainda o risco da
configuração de comorbidades com outros transtornos (Benveniste, 2000;
Moreno et al., 2003).
Entender-se-á melhor o fenômeno da crise, diferenciando-o em crises
evolutivas e crises
circunstanciais. As crises evolutivas dizem respeito à realização não
satisfatória das passagens do
desenvolvimento do indivíduo. Elas podem ser previsíveis, já que as
etapas do crescimento e os
momentos decisivos em cada uma delas são conhecidos e ocorrem com a
maioria das pessoas.
São as situações criadas internamente, por mudanças fisiológicas e
psicológicas, que podem
desencadear uma resposta de crise ou não, como, por exemplo, a
concepção ou a esterilidade, a
gravidez e o parto, a infância, a adolescência, a aposentadoria, o
envelhecimento e a morte
(Slaikeu, 1996; Wainrib & Bloch, 2000). Já as circunstanciais são
aquelas decorrentes de
situações encontradas principalmente no ambiente. Surgem em
conseqüência de eventos raros e
extraordinários, que o indivíduo não pode prever ou controlar, como a
perda de uma fonte de
satisfação básica, o desemprego, a morte abrupta, a perda da
integridade corporal, as
enfermidades, os desastres naturais, as violações e os acidentes. Para
Wainrib e Bloch (2000), o
ponto de diferenciação entre este tipo de crise e outras é que as
circunstanciais são imprevistas,
comovedoras, intensas e catastróficas.
Em uma situação de desastre, por conta da imprevisibilidade, da
ameaça, do dano ou da perda,
são produzidas emoções muito intensas, tanto para a vítima quanto para
os seus familiares e
pessoas próximas, inclusive para a equipe que lhe presta atendimento
(Sánchez & Amor 2005).
Diante disso, cabe ressaltar alguns fatores que podem conduzir a
pessoa a resolver o impasse de
maneira positiva, levando assim ao desenvolvimento e à aquisição de
novas habilidades; ou
negativa, gerando uma conseqüência danosa, que irá provocar sofrimento
e desenvolvimento de
possíveis psicopatologias imediatas ou a longo prazo. Slaikeu (1996)
salienta que é importante
considerar a gravidade da situação que antecipa a crise, pois alguns
eventos já têm por si só um
alto potencial para precipitá-la. Infelizmente, não é possível
predizer quando uma crise psicológica
será desencadeada, já que o evento causador de desordem para uma
pessoa pode não o ser para
outra.
Embora o foco em questão sejam as pessoas que vivenciam as situações
de crise como
resultantes em seqüelas ou instabilidade emocional, é importante
destacar que existem pessoas
que possuem a capacidade de, frente a eventos traumáticos, resistir
emocionalmente. Essa
capacidade é chamada de “resiliência” (do inglês resilience). Assim,
as pessoas resilientes
conseguem manter um equilíbrio estável sem que tenham afetado o seu
rendimento e a sua vida
em geral quando acometidos por situações traumáticas. Poseck, Baquero
e Jiménez (2006)
afirmam que a diferença das pessoas que se recuperam de forma natural
de um período
disfuncional se encontra no fato de que os indivíduos resilientes não
passam por este período, pois
permanecem em níveis funcionais apesar da experiência traumática.
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Como se caracteriza um trauma
A palavra trauma vem do grego tpauma, que quer dizer ferida e deriva
de titpwoxw que significa
furar, designa ferida com efração. Traumatismo designaria as
conseqüências no organismo de uma
lesão resultante de uma violência externa. Um evento traumático é algo
especialmente destrutivo
na vida do indivíduo, família e comunidade afetada. De natureza única
e imprevisível, afeta muito
mais do que vítimas imediatas, podendo acontecer em qualquer momento
ou lugar (Wainrib &
Bloch, 2000). Pode ser entendido como um forte abalo emocional ou
moral, uma desorganização
mental, choque ou transtorno de onde se desenvolveu ou se pode
desenvolver um quadro
psicopatológico; ou seja, trauma é uma ferida. É, sem dúvida, um
acontecimento da vida do
sujeito que pode ser definido por sua intensidade, pela incapacidade
em que se encontra a pessoa
de reagir a ele de uma forma adequada, pelo transtorno que causa e
pelos efeitos duradouros que
provoca.
A lista de eventos traumáticos é para Wainrib e Bloch (2000) muito
ampla. Nela estão contidos os
acidentes aéreos, tornados, avalanches de lama, furacões, inundações,
terremotos, exposições a
elementos tóxicos, assassinatos em série, ataques violentos, guerras,
colapsos de pontes e
construções, seqüestros, bombas, terrorismo. Estes acontecimentos são
desastres ou catástrofes,
podendo, ainda, assim serem considerados os acidentes que causam
reações fisiológicas às
pessoas afetadas, como taquicardia, suor, vertigem, tremedeiras,
vômitos, entre outros. Da
mesma forma, são causadoras de reações psicológicas tais como:
confusão, pânico,
excitabilidade, nervosismo, raiva, pesadelos, sentimentos de culpa,
tristeza profunda, medo,
embotamento emocional e desesperança.
O trauma natural pode se constituir em uma ocorrência isolada ou
múltiplas ocorrências em um
breve período, como por exemplo, no caso de terremotos. O trauma
acidental, induzido pelo ser
humano, sempre é um só evento, atingindo a uma ou várias pessoas.
Incêndios acidentais,
acidentes aéreos ou em ônibus, descarrilamento de trens e metrôs,
tiroteios acidentais, são
alguns exemplos. Já o trauma intencional induzido pelo ser humano
(violência deliberada) pode
ser isolado, como tiroteios, assaltos e agressões, ou pode ser
múltiplo, como em casos de
homicídios duplos ou assassinatos em série. Esses atos múltiplos de
violência podem ocorrer em
uma comunidade ou estender-se a várias nações, como se verifica no
caso de guerras (Parada,
2004).
Wainrib e Bloch (2000) entendem que o trauma é um fenômeno que não é
universal (diferente da
crise evolutiva ou circunstancial), mas em qualquer das hipóteses, em
algum momento poderá vir
a ser sentida por todos, ou por um grande número de pessoas. Nessa
concepção, essas autoras
propõem um conceito de crise geral, em que a crise é concebida como
algo universal e o trauma
como algo particular. A forma como o indivíduo reagirá será em função
da interação dele com o
evento e o ambiente.
Às vezes as pessoas, após um evento traumático, continuam com um nível
funcional adequado
durante a fase pós-impacto, mas podem permanecer cicatrizes emocionais
que venham alterar o
seu nível de funcionamento ou a sua qualidade de vida, inclusive por
muitos anos depois de vivida
a situação. Em algumas circunstâncias essas recordações parecerão
normais, mas em outras, as
pessoas poderão desenvolver condutas evitativas e, até mesmo,
transtornos sérios. Esses
indivíduos, tentando minorar o trauma, poderão recorrer ao álcool ou a
outras drogas.
Intervenção em crise
Os conceitos que tradicionalmente têm sido assinalados como
“Intervenção em Crise”, apontam
diferenças na sua aplicação em situações de emergência e na prática
clínica devido às
características específicas da urgência na atenção psicológica/
psiquiátrica e na dificuldade em
estabelecer protocolos adequados para tais intervenções. A intervenção
em crise é um
procedimento para exercer influência no funcionamento psicológico do
indivíduo durante o período
de desequilíbrio, aliviando o impacto direto do evento traumático. O
objetivo é ajudar a acionar a
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parte saudável preservada da pessoa, assim como seus recursos sociais,
enfrentando de maneira
adaptativa os efeitos do estresse. Nessa oportunidade, devem-se
facilitar as condições
necessárias para que se estabeleça na pessoa, por sua própria ação, um
novo modo de
funcionamento psicológico, interpessoal e social, diante da nova
situação. Cabe lembrar que, no
momento da crise, as defesas do indivíduo estão falhas, desativadas,
de tal forma que ele se
encontra mais receptivo à ajuda e os mínimos esforços podem ter
resultados máximos (Wainrib &
Bloch, 2000; Liria & Veja, 2002).
Toda terapia que visa lidar com situações traumáticas passa
necessariamente por recordar e
rememorar a situação. É muito importante o relato verbal como elemento
primeiro, visando
clarificar e organizar o processo terapêutico. Dito de outra forma,
para enfrentar um trauma, a
primeira condição é enfrentá-lo, pois em termos de comportamento
humano, salvo algumas
exceções, a tendência é tentar reduzir o que é doloroso e
desagradável, tentar esquecer o quanto
antes.
Uma situação de crise, se resolve, habitualmente entre 4 e 6 semanas.
Sendo, às vezes,
necessário um período de tempo maior para a resolução do evento
estressante podendo a
desorganização psíquica continuar por mais tempo, durando anos ou se
transformar em algo
crônico. Slaikeu (1996) refere que a instabilidade ou desorganização
estão limitadas no tempo e
este limite no estado de crise, aliado a um potencial para a
reorganização em uma direção
positiva ou negativa, é um ponto crucial. Quanto mais tempo a pessoa
passa sem assistência ou
com auxílio inadequado, mais sérios tendem a serem os efeitos da
crise, que poderão até
tornarem-se irreversíveis. Então, processos terapêuticos breves, de
tempo limitado, são os mais
adequados para as situações de crise. O procedimento terapêutico deve
se estender por um
tempo igual ao que a maioria das pessoas leva para recuperar o
equilíbrio depois do incidente da
crise, ou seja, em torno de 6 semanas. A meta principal da intervenção
é ajudar a pessoa a
recuperar o nível de funcionamento que possuía antes do evento
desencadeante da crise.
Os profissionais de acordo com Moreno et al. (2003) que atuam com este
tipo de intervenções
devem ser ativos e diretos, orientados a obter objetivos rápidos
diferentemente dos profissionais
que intervém em situações que não são de emergência. O profissional
deve ser ágil e flexível para
colocar em prática ações para a resolução de problemas e para a
superação das múltiplas
dificuldades que possam surgir no processo de atenção, procurando
satisfazer as necessidades
imediatas do afetado colocando em funcionamento ações com os recursos
disponíveis, tudo num
período de tempo reduzido.
Por outro lado, vários autores mencionam cinco componentes
fundamentais que devem estar
presente numa intervenção em crise, estruturada num processo de
atendimento em grupo,
seguindo uma seqüência de fases ou estádios como pode ser visualizado
no Quadro 1 (Moreno et
al., 2003; Raffo, 2005).
Quadro 1- Fases/Estágios de uma Proposta de Intervenção em Crise
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Fonte: Moreno et al., (2003); Raffo (2005).
Slaikeu (1996) postula três princípios clínicos para a prática da
intervenção em crise: o primeiro
ele chama de “oportunidade” em que o objetivo é calcular e reduzir o
perigo, avaliando também a
motivação do paciente para encontrar uma nova estratégia de
enfrentamento com as
circunstâncias atuais de vida. O segundo princípio é a “meta”, que
consiste em ajudar o indivíduo
a recuperar o nível de equilíbrio que tinha antes ou a atingir um
nível que permita superar o
momento crítico. O último princípio descrito por este autor diz
respeito a uma avaliação que
englobe tanto os “aspectos fortes”, como as “debilidades” de cada um
dos sistemas implicados na
crise, bem como informações do que está funcional e disfuncional na
vida do indivíduo. Esse autor
ainda propõe um modelo amplo de intervenção, dividindo-a em primeira e
segunda instância.
A intervenção de primeira instância refere-se aos primeiros auxílios
psicológicos, ou seja, a
assistência imediata, que em geral leva uma sessão que pode durar de
minutos a horas. Os
principais objetivos destes primeiros auxílios são proporcionar apoio,
reduzir o perigo de morte e
aliar a pessoa em crise com os recursos de ajuda disponíveis. Pode ser
realizada no momento e
lugar em que surge a necessidade: em ambientes comunitários,
hospitais, igrejas, escolas,
ambientes de trabalho, linhas telefônicas de urgência. Policiais,
assistentes sociais, padres,
enfermeiras, médicos, advogados, são alguns dos profissionais
habilitados a realizar esta primeira
parte, além de psicólogos e psiquiatras. Já a intervenção de segunda
instância diz respeito à
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terapia para a crise. Também é um processo terapêutico breve, mas vai
além da restauração do
enfrentamento imediato, encaminhando-se, assim, para a resolução da
crise, que pode durar de
semanas a meses e tem como meta assistir a pessoa de maneira que o
evento que suscitou a
crise se integre à trama da vida, com melhores recursos e disposição
para encarar o futuro. Esta
intervenção requer maior preparo de quem irá aplicá-la, por isso, os
mais indicados são os
psicoterapeutas em geral, psicólogos e psiquiatras (Slaikeu, 1996).
Segundo Benveniste (2000) os conselheiros, pessoas habilitadas a
pratica da intervenção em
situações de crise, podem começar a intervenção logo depois do evento
traumático. Para a
pessoa, às vezes é bastante doloroso falar a respeito do que se
passou, mas a maioria refere um
alivio e uma redução dos sintomas após ter falado sobre o acontecido.
Ao propósito, existem
muitos mitos a respeito das reações a uma situação de emergência ou
desastre. Entre eles está a
crença de que é mais conveniente postergar a informação porque as
pessoas reagem com pânico,
que todas as pessoas se paralisam frente a um desastre, que é
necessário ajudá-las até nas
tarefas mais básicas e que a desorganização favorece diretamente nos
comportamentos antisociais.
Estes mitos como apontam Moreno et al. (2003) não colaboram para
alcançar as soluções
necessárias que se estabelecem frente a situações de emergências.
Portanto, devem ser
erradicados mediante ações preventivas eficazes em que os técnicos de
saúde mental
desempenham um papel fundamental.
A intervenção em crise é uma estratégia de ajuda indicada para
auxiliar uma pessoa e/ou família
ou grupo, no enfrentamento de um evento traumático, amenizando os
efeitos negativos, tais
como danos físicos e psíquicos e incrementando a possibilidade de
crescimento de novas
habilidades de enfretamento e opções e perspectivas de vida. O tipo de
crise não importa, pois o
evento é emocionalmente significativo e gera uma mudança radical na
vida da pessoa. A
intervenção terapêutica no momento da crise é tão eficaz quanto a
intervenção de um paramédico
ao proporcionar suporte de vida a um ferido grave (Rodríguez, 2003).
Assim, as metas
durante a superação da crise devem ser focadas em ajudar as pessoas a
lidar com o evento
traumático, a ajustar-se à nova situação, a devolver-lhe seu nível
anterior de funcionamento,
diferente do tratamento na psicologia clínica que enfoca uma mudança
profunda do paciente ou
uma revisão da origem dos seus conflitos infantis. Estas metas são
desenvolvidas através de um
convite ao indivíduo para que fale de sua experiência, fazendo com que
observe o evento à
distância ou perspectiva, ajudando-o a ordenar e reconhecer seus
sentimentos associados; e,
também, ajudar na resolução de problemas, começando pelas metas mais
práticas e imediatas.
Em geral, os indivíduos que se encontram em crise são inundados por
pensamentos e sentimentos
que dificultam o estabelecimento de prioridades; acabam preocupando-se
mais com as coisas que
não podem resolver imediatamente e ignoram os problemas mais imediatos
e de mais fácil
solução, no momento. Por isso, é necessário também que o técnico o
ajude a organizar os
pensamentos em dois grupos: um de metas em curto prazo e outro em
longo prazo. As metas de
curto prazo incluem, de acordo com o fato ocorrido, tranqüilizar o
paciente, manejar o medo, falar
sobre o ocorrido, etc. Já as de longo prazo, dizem respeito a ajudar o
paciente na retomada de
planos de vida como a busca por trabalho; de uma terapia de longa
duração, se for necessário,
etc. O técnico precisa ser ativo e direto ajudando o paciente a
definir estes tipos de metas, bem
como executá-las, tanto as de curto, como as de longo prazo
(Benveniste, 2000).
Considerações Finais
Nas últimas décadas, os serviços de intervenção em crise, emergência
psicológica/psiquiátrica
expandiram-se grandemente no mundo, especialmente, nos países
desenvolvidos. No Brasil, há
poucos relatos destes serviços. Cada vez mais, frente a situações de
emergência e catástrofes, os
profissionais da psicologia e outros técnicos da área da saúde, como
conhecedores da conduta
humana, devem se qualificar para atuações breves e efetivas, com o
objetivo de prevenir a curto
e em longo prazo as conseqüências psicossocias negativas. Emergências
e desastres marcam de
forma trágica as pessoas e a comunidade, não só no plano material/
econômico, mas também no
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emocional/psicológico.
O impacto da tragédia modifica o comportamento. As reações emocionais
podem oscilar do pânico
ao abatimento afetando, de acordo com as características individuais,
de forma diferente as
pessoas. A necessidade de apoio emocional, de intervenção na dor e no
sofrimento das vítimas,
diretas e indiretas, é de fundamental importância para evitar seqüelas
que possam se generalizar,
temporal e espacialmente, provocando transtornos psicológicos
complexos. A ciência psicológica e
os técnicos com esta formação têm contribuído com modelos de
intervenção breves, através de
técnicas de comunicação e modificação de comportamentos para ajudar em
situações de impacto
e perigo.
Intervir em uma crise significa introduzir-se de maneira ativa em uma
situação vital para um
indivíduo e auxiliá-lo a mobilizar seus próprios recursos para superar
o problema, recuperando
dessa forma, seu equilíbrio emocional (Raffo, 2005). Assim,
intervenções em situações de crise,
convertem-se em um ingrediente essencial para o tratamento da situação
traumática no processo
de recuperação das pessoas envolvidas nesses eventos. Considera-se de
suma importância o
investimento em estudos sobre a temática ora abordada, pois este é um
tema ainda pouco
estudado em nosso país apesar da sua expressiva relevância.
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Endereço para correspondência
Endereço do autor principal: Blanca Susana Guevara Werlang. Faculdade
de Psicologia.
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUCRS. Av.
Ipiranga, 6681, Prédio 11 – 8o
andar . CEP 90619-900 Porto Alegre/RS, Brasil. Telefone: (51)
3320-3550.
E-mail: bwer...@pucrs.br
Recebido em: 24/01/2008
Aceito em: 04/04/2008
REVISTA BRASILEIRA DE TERAPIAS COGNITIVAS, 2008, Volume 4, Número 1

Eliana Guimarães (Psicóloga)

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Feb 24, 2009, 12:00:55 PM2/24/09
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