Eliana Guimarães (Psicóloga)
unread,Nov 15, 2008, 2:32:07 PM11/15/08Sign in to reply to author
Sign in to forward
You do not have permission to delete messages in this group
Either email addresses are anonymous for this group or you need the view member email addresses permission to view the original message
to Midiateca: Eliana Guimarães (Psicóloga)
GESTALT TERAPIA NO BRASIL*
Selma Ciornai, ATR, Ph.D.
Apresentado na mesa “Gestalt terapia na América Latina”
no II Congresso da AAGT -- Association for the
Advancement of Gestalt Therapy,
São Francisco, EUA, 1997.
No Brasil, como na maioria dos chamados países de “terceiro mundo”,
modernidade e tradição coexistem com diferenças abissais. Ao contrário
dos Estados Unidos, onde é possível encontrar mais ou menos os mesmos
produtos de consumo vendidos nas grandes metrópoles, temos um nível de
desenvolvimento muito diversificado, tanto nas cidades quanto entre
certas regiões e as grandes cidades. Há regiões extremamente
subdesenvolvidas, onde a luz elétrica ainda não chegou e onde as
pessoas mal conseguem sobreviver, e cidades como São Paulo, Rio de
Janeiro e outras capitais, tão sofisticadas cultural e academicamente
quanto os principais centros culturais do mundo – apesar de que
problemas como miséria, favelas, gangues e crianças de rua existam em
todas elas. Politicamente, vivemos 20 anos de ditadura, que terminaram
em 1984 com eleições livres, e hoje vivemos uma democracia. Porém,
esse processo de democratização ainda não atingiu as enormes
diferenças econômicas e de classe que coexistem em nosso país.
Como estou aqui para falar sobre as características da Gestalt terapia
no Brasil, achei que seria interessante começar com as primeiras
impressões que tive quando, depois de viver por 5 anos nos Estados
Unidos, voltei ao Brasil com “olhos californianos”. Fui aconselhada a
me apresentar à Therese Tellegen, terapeuta holandesa que imigrou para
o Brasil. Therese foi a precursora da Gestalt terapia em nosso país e
era, na época, líder do grupo de Gestalt em S.Paulo. Entrou em contato
com a Gestalt terapia em Londres no começo dos anos 70, e mais tarde
estudou com os Polsters em San Diego. Quando um grupo de Gestalt
terapia iniciou-se no Brasil, Maureen Miller (O´Hara) e Robert Martin
(do Instituto de Gestalt Terapia de Los Angeles) vieram dar diversos
workshops com os primeiros treinadores do grupo.
Quando voltei ao Brasil, ela logo me convidou para dar um workshop
para a comunidade Gestàltica. Em um dado momento, um dos participantes
contou um sonho que teve ao grupo. Como alguns dos outros
participantes começaram a partilhar suas percepções sobre o
significado do sonho,perguntei se ele gostaria de “trabalhar”– mas ele
não quis.Continuou a querer ouvir o que as pessoas estavam dizendo
sobre seu sonho, a conversa foicontinuando. Daí, vendo que ele estava
mobilizado pelo sonho e pelos comentários,voltei a convidá-lo a
trabalhar o sonho -- e novamente ele disse que não queria não.Aí,
Therese me chamou de lado sutilmente e me sussurrou: “Olha, aqui no
Brasil você não precisa perguntar a uma pessoa se ela quer trabalhar,
você vai começando, depois vai vendo como o processo se desenvolve.”
Ora, isso sem dúvida era um jeito de trabalhar diferente do que eu
havia aprendido nos EUA!E muito devido ao fato de que, ao contrário da
imagem estereotipada dos brasileiros como pessoas muito abertas e
expressivas, para minha surpresa percebi os participantes tímidos e
bastante cuidadosos ao expor sua intimidade em grupo, precisando de
muito suporte para fazê-lo. Essa experiência foi minha introdução na
comunidade de Gestáltica brasileira, e à medida em que comecei a ter
mais contato com esta comunidade, percebi que abrigava outras
características que a diferenciavam da Gestalt que eu havia
experienciado na Califórnia e em Israel, (onde eu havia morado durante
seis anos), e que me pareceram realmente valiosas. Portanto, quero
falar sobre essas diferenças.
Atenção ao processo em grupo
O que rapidamente chamou minha atenção quando cheguei ao Brasil em
1983 foi a importância dada ao processo em grupo. Therese havia me
convidado para dirigir com ela um grupo de terapia semanal para
adultos, e estava justamente escrevendo seu livro sobre a perspectiva
Gestáltica no trabalho em grupo (Tellegen 1984).
No fim dos anos 70 e começo dos anos 80, eu percebia com freqüência
nos Estados Unidos que os processos intrapessoais eram o foco
predominante nos trabalhos de Gestalt (1). Por exemplo, no catálogo de
Esalen, era usual constar junto à descrição de workshops de Gestalt
terapia, uma observação avisando às pessoas que o foco do
trabalhoseria em processos intrapessoais e não interpessoais. Lembro
que em alguns treinamentos e workshops curtos,as pessoas entravam em
linhas imaginárias de quem iria trabalhar em primeiro lugar, segundo,
terceiro, e assim por diante. As pessoas vinham uma depois da outra
trabalhar na cadeira vazia sem que se levasse em consideração as
interações ou os processos do grupo. Em alguns treinamentos intensivos
havia até uma exclusão explicitamente exigida de trocas
interpessoais :você podia expressar o seu sentimento em relação a
alguém quando a sua vez no círculo chegasse, mas a pessoa não tinha
permissão para responder, de modo a enfatizar a dimensão intrapessoal
do seu sentimento, ou seja, de que aquilo era “your thing”, i.e., uma
“coisa sua.”
Mas no Brasil, processos interpessoais e grupais sempre foram uma
importante parte da Gestalt terapia (2), graças à experiência anterior
em Psicodrama dos primeiros Gestalt terapeutas, e também
provavelmente, devido à natureza dos brasileiros. Gestalt terapeutas
no Brasil sempre leram livros sobre terapia em grupo, freqüentemente
utilizavam termos referentes à processos grupais, e sempre
procuraramlevar em consideração o que Kepner (1980) define como sendo
os níveis intrapessoal, interpessoal e sistêmico do trabalho emgrupos
em seuartigo Gestalt Group Process [Processos Gestálticos em Grupo],
que eu considero um “must” a qualquer um que deseje trabalhar com
grupos. Contudo, tenho lido bastante recentemente em publicações de
nossa área sobre teoria de campo e a necessidade de realmente incluir
um pensamento de campo em nosso trabalho, o que me leva a acreditar
que estamos todos caminhando nesta direção.
Estudo das fundações filosóficas e epistemológicas
Outro ponto que chamou minha atenção foi a importância dada ao estudo
dos fundamentos filosóficos e epistemológicos da nossa abordagem, i.
e., para a conceituação de ser humano e existência, de como o mundo é
concebido, e para a base epistêmica de nosso trabalho (3). Como nossas
escolas têm sido modeladas pelos padrões franceses de educação desde a
época colonial, nossa tradição sempre foi estudar a base teórica e
filosófica em qualquer campo de conhecimento. Nos anos 60, estudantes
e intelectuais estudavam História, Filosofia, Marxismo, treinando
detectar as bases ideológicas implícitas nas diretrizes educacionais,
leis, ações políticas, e assim por diante. Mas a ditadura implantada
em 1964 trouxe 20 anos de repressão às nossas atividades e iniciativas
intelectuais, o que acabou de certa forma enfraquecendo o pensamento
crítico em nossa juventude -- por essa razão temos tido a preocupação
de transmitir essa tradição crítica às novas gerações.
Na Gestalt terapia, essa tradição se tornou presente na constante
consideração da coerência epistêmica de nossas referências teóricas no
pensamento e na prática (4) . Assim, em quase todos os cursos de
Gestalt terapia no Brazil há matérias dedicadas ao estudo dos
fundamentos filosóficos da Gestalt terapia, especialmente a
fenomenologiaHusserliana e Heiddegeriana, o Existencialismo e a
filosofia Oriental. Também ensinamos em profundidade a teoria da
Gestalt terapia. Traduzimos informalmente todos os capítulos da
segunda parte do livro de Perls, Hefferline e Goodman (recentemente
publicado) e artigos selecionados de diversos livros e publicações
Gestálticas. Temos diversos autores de Gestalt terapia já traduzidos e
publicados em português (5), além de livros de autores brasileiros
(6). Temos revistas especializadas de Gestalt Terapia, Encontros
Regionais e Nacionais.
Como conseqüência, temos uma mente crítica no que se refere à
incorporação de padrões de pensamento epistemologicamente diferentes
da Gestalt – ou, pelo menos, temos a preocupação em verificá-los. Por
exemplo, temos lido sobre tentativas em incorporar conceitos e padrões
de pensamento neo-psicanalíticos na Gestalt terapia, temos tido
informações sobre a forma como Naranjo combina as categorias
diagnósticas do Eneagramacom Gestalt terapia – mas apesar de alguns
terapeutas sentirem-se atraídos por este referencial e o estarem
estudando,nossa atitude é cautelosa; analisamos suas contradições
epistemológicas e as discutimos. Apesar de termos no Brasil todo tipo
de práticas religiosas espirituais, até agora, seja isso bom ou não,
ainda não ouvi falar de nenhum terapeuta mesclando-as com a Gestalt
terapia, apesar de às vezes haver uma dimensão transpessoal presente
em alguns dos trabalhos que desenvolvemos . Um grupo de colegas está
também trabalhando na criação de um modelo Gestáltico para a
compreensão dos processos de desenvolvimento das crianças, e apesar de
estarem lendo e estudando autores de outras áreas, têm uma grande
preocupação em filtrar o que é coerente com a nossa abordagem (7) .
Alguns de nós tem até discutido que a tipo de Fenomenologia e a que
tipo de Existencialismo nos referimos quando dizemos que a Gestalt
terapia é uma abordagem fenomenológico- existencial. Como vocês, temos
diferentes tendências no Brasil em termos de um maior desenvolvimento
da abordagem Gestáltica. Temos profissionais trabalhando em diferentes
áreas da Gestalt terapia: psicoterapia, psiquiatria (8) , educação
(9), organizações (10) e assim por diante. Entre nós, alguns têm se
interessado pelas Teorias de Relações Objetais (11), outros por uma
abordagem estritamente fenomenológica (12), outros no desenvolvimento
de um corpo de conhecimento da própria teoria da Gestalt (13) , e a
maioria de nós pela abordagem Dialógica (14) . Penso no entanto que o
estudo dos fundamentos epistemológicos e filosóficos e a ênfase em sua
coerência é uma característica que permeia todas essas tendências.
Atenção às realidades econômicas e sócio-culturais
Outra característica da Gestalt terapia no Brasil tem a ver com o fato
de que apesar dos conceitos mais básicos da Gestalt falarem do
indivíduo como um ser-em-relação, um ser-no-mundo, parte integral do
sistema individual-meio ambiente, a Gestalt terapia, especialmente nos
anos 60 e 70, freqüentemente se restringiu ao trabalho com as relações
mais próximas ao indivíduo e seu mundo interno. No entanto, devido à
nossa situação política e econômica, no Brasil tem sido quase
impossível desconsiderar o impacto dos fatores sociais, culturais e
políticos na vida das pessoas. Na época da ditadura por exemplo, o
social invadiu a intimidade das pessoas de tal forma, que este
necessariamente se tornou figural à atenção dos terapeutas.
Economicamente o Brasil tem estado em uma séria recessão durante anos,
o que acarretou problemas de desemprego em larga escala. Isto levou o
interesse das pessoas a desenvolver na Gestalt terapia um modo de tipo
de pensamento e de prática que levassem efetivamente em consideração a
influência de fatores familiares, sócio-culturais e econômicos sobre a
vida das pessoas (15). Pessoalmente tenho estado especificamente
envolvida com a Mitologia Pessoal de Feinstein e Krippner (1988,
1989), como uma possível contribuição a esta direção na Gestalt
terapia, e o trabalho publicado no Gestalt Journal, A Importância do
Fundo (Ciornai 1996b), trata parcialmente disso.
Nesta direção, temos desenvolvido programas comunitários para atender
populações de baixa renda e grupos com problemas específicos (16), em
alguns do quais nossos estudantes trabalham com supervisão. Também
tivemos programas como encontros semanais para desenvolvimento
pessoal, abertos à comunidade.
Por outro lado, devido à extrema instabilidade da nossa economia, que
atingiu uma taxa de inflação de 40% ao mês alguns anos atrás, e
eventos como a inesperado bloqueio de poupanças individuais imposto no
início da administração do presidente Collor,tivemos que desenvolver
um modo bastante criativo e flexível de sobrevivência, empregando
muitos “ajustamentos criativos.” A recessão, por exemplo, torna a
prática em clínica particular bem mais difícil, e terapeutas
profissionais estão se voltando cada vez mais para trabalhar em
instituições que oferecem serviços de saúde mental a comunidades. É um
pressuposto meu, porém, que a Gestalt terapia, justamente por sua
flexibilidade e criatividade, é uma boa abordagem para a nossa
realidade. Por outro lado, devo admitir que a preocupação extrema com
sobrevivência pode ter prejudicado, em certos momentos,nossas
contemplações intelectuais e ousadias existenciais.
No entanto, ampliando o escopo de visão para além das nossas
fronteiras físicas, vejo que vivemos num mundo onde as polaridades são
cada vez mais acentuadas. Há um crescimento assustador de movimentos
fanáticos em todo o mundo, a ecologia e biodiversidade de nosso
planeta estão cada vez mais ameaçados.Assim, acredito que seja
necessário a todos nós considerar o sistema pessoa-no-mundo em sua
amplitude e diversidade, quando falamos, por exemplo, de “auto-
regulação organísmica” ou de “avaliação intrínseca” em oposição às
comparativas ou neuróticas (Perls, Hefferline & Goodman 1951 p.288,
289). Se nesta era pós–moderna não há mais certeza em termos de
parâmetros além da ética (Krippner, 1996), talvez esse seja um de
nossos desafios.
O estilo brasileiro de contato
Outro ponto que quero levantar tem a ver com nosso estilo de contato.
Os brasileiros têm um modo muito afetivo, informal, solto e
espirituoso de se relacionar com os outros, em grande parte devido a
nossas origens africanas ou portuguesas, pois, ao contrário de outros
países Latino Americanos, fomos o único país colonizado pelos
portugueses. Portanto, o estilo abrasivo de alguns Gestalt terapeutas
nos anos 60 e 70 nunca teve muito sucesso aqui. No Brasil, a
preocupação em realmente estar lá com o outro, praticando inclusão,
empatia, dando suporte às pessoas, de um modo gentil e afetivo,mesmo
se provocativo, sempre esteve presente. Nos Estados Unidos eu
vivenciei isso como um estilo que alguns terapeutas tinham e outros
não; era uma questão de estilo, não de qualidade profissional. Um
terapeuta famoso podia envergonhar ou humilhar o paciente e continuar
a ser considerado um grande terapeuta - vi isso. Mas no Brasil isso
certamente seria considerado má terapia, nos anos 60, 70 ou hoje,
apesar de termos talvez escorregado em outros pecados e erros, como
traços narcísicos, projetivos, proflexivos e confluentesno terapeuta –
e mesmo a outra polaridade: o erro de ser às vezes receptivo demais. É
verdade que nos Estados Unidos, Europa e no Brasil, o interesse nas
compreensões advindas das Teorias das Relações Objetaise o interesse
na terapia Dialógica,começaram a reparar isso um pouco,chamando
atenção para as fragilidades e necessidades especiais do mundo interno
de cada cliente. Mas no Brasil, a qualidade do contato na relação
terapêutica sempre foi algo que ensinamos e treinamos em nossos cursos
de formação em Gestalt terapia – o que, aliás, é o motivo pelo qual os
livros de Hyckner tiveram tanto sucesso no Brasil.
Outras diferenças culturais
Comparando a Gestalt terapia brasileira com o trabalho desenvolvido em
outros países, diferenças culturais devem também ser levadas em conta.
Por exemplo, como os brasileiros são muito voltados para suas
famílias, freqüentemente um comportamento considerado “dependente” e
portanto “não saudável” nos Estados Unidos, no Brasil é considerado
não somente normal como bastante saudável; o que é considerado
“assertividade” nos Estados Unidos é frequentemente considerado pura
falta de educação no Brasil; e comportamentos considerados “invasivos”
nos Estados Unidos, são muitas vezes considerados simplesmente
amigáveis no Brasil. E essas diferenças culturais precisam ser
consideradas. Já que poucas pessoas lêem nossa língua, me parece que
por ter que ler e falar outraslínguas devido àsvárias necessidades de
intercâmbio com outros países por motivos econômicos, culturais ou
políticos, e também devido à grande miscigenação de diferentes
imigrações na nossa cultura, fomos obrigados a ficar mais flexíveis e
especialmente atentos à relatividade das diferenças culturais.
Penso que no Brasil, de certa forma, unimos o característico gosto
francês por sofisticação intelectual e profundidade (que evidentemente
também se faz presente em alguns intelectuais americanos), à
criatividade, espontaneidade e permissão para usar a intuição que
aprendemos com os Gestalt terapeutas americanos com os quais tivemos
contato. Esses são alguns dos ingredientes da “salada Gestáltïca” no
Brasil, apesar do “molho” ser Latino – e toda vez que encontramos
Gestalt terapeutas da Itália, Espanha e outros países da América
Latina há comunalidades que se evidenciam.
Caminhando em direção ao futuro
Quero concluirrelembrando as palavras de Marshal Macluhan de que hoje,
com todas as facilidades em comunicação e informação, vivemos em uma
aldeia Global. A Gestalt terapia no Brasil, com todas as suas
características, seguiu os questionamentos e transformações que a
Gestalt terapia teve nos anos 80 e 90 nos Estados Unidos e em outros
países.
Em 1996, no nossocongresso nacional, apresentei um trabalho chamado:
“Considerando Saudades: Gestalt Terapia Ontem, Hoje e Amanhã (Ciornai
1996a).” Nesse trabalho eu relatei perceber que os estudantes de
Gestalt hoje são mais suportivos que antes e estão mais cuidadosamente
atentos à necessidade de considerar as realidades internas de cada um
nas relações terapêuticas, enquanto, por outro lado, parecem ser bem
menos criativos, espontâneos, soltos e à vontade no uso de
experimentos e recursos expressivos que tanto caracterizou a Gestalt
terapia nos anos 60 e 70. Na ocasião afirmei desejar que essas
atitudes fossem combinadas de forma a integrar os aspectos mais
positivos de ambos.
Também falei de meu anseio pelo que metaforicamente chamei de “A
Gestalt da Esperança”. A Gestalt terapia dos anos 60 até o início dos
anos 80 estava impregnada da energia libertária dos movimentos de
contra-cultura da época, com sua ênfase na possibilidade do indivíduo
experimentar e fazer escolhas de formas de ser e de estar contrárias
às normas e padrões sociais, com sua ênfase na possibilidade do
indivíduo poder se libertar de suas amarras internas e de padrões de
relacionamento limitadores como forma de expandir suas possibilidades
de existência no mundo.
Esse cunho libertador impregnava de esperança e vitalidade a maioria
das experiências terapêuticas da época – mesmo aquelas que tinham um
foco extremamente doloroso, ou aquelas que, olhando em retrospecto,
muitas vezes eram uma mera “atuação” e não levavam a nenhum insight,
como por exemplo gritar, arrebentar almofadas e outras coisas do
gênero. Sinto falta dessa energia.
Por outro lado, apontei para o que metaforicamente chamei de “Gestalt
da Dor”, não como característica dominante da Gestalt contemporânea,
mas como algo que às vezes vejo acontecer, um movimento de escavucar a
história passada ou presente do cliente em busca do dolorido, em
sessões muitas vezes sombrias, pesadas, nas quais o humor não tem
lugar,sem a vitalidade e a esperança de que falei antes.
Quero enfatizar que falo disto com muita cautela e peço cuidado na
escuta, pois vejo como extremamente positivo a possibilidade da dor
ter espaço na relação terapêutica, sem a pressa de encontrar
“soluções” que muitas vezes aliviam muito mais a ansiedade do
terapeuta e sua dificuldade em suportá-la, do que propriamente a dor
do cliente, que paradoxalmente, muitas vezes é aliviada justamente
pela presença e escuta atenta do terapeuta, i.e., pelo acolhimento
encontrado.
A “Gestalt de hoje” caracteriza-se por conter uma atenção delicada e
valiosa aos aspectos machucados da “criança interna” ou do
“adolescente interno” oculto de cada um, o que permite ao terapeuta
acesso ao que Chico Buarque, um de meus compositores prediletos,
denominou de “espaços da delicadeza”.
Hoje, trabalhos com raiva, sofrimento, ressentimento, medo,
assertividade, limitações existenciais internas, estabelecimento de
limites e assim por diante,estão sendo mais relacionados ao background
de vida, o “fundo” do qual as figuras da vida presente de uma pessoa
emergem; isto é, à sua história de desenvolvimento, padrões
cristalizados de relacionamento, experiências passadas, crenças e
mitos internos, que são relacionados à suas manifestações presentes,
freqüentemente em processos mais longos. Acredito que também nesse
aspecto a Gestalt terapia precisa integrar os aspectos positivos
destas duas tendências.
Serok (1992), Gestalt terapeuta israelense que conheci no México,
enfatizou o fato de que devemos prestar atenção não apenas às Gestalts
inacabadas e cristalizadas, mas também à presença ou ausência de
“gestalts não iniciadas”, i.e., aos sonhos e projetos futuros. Nesta
linha, Rehfeld (1991), colega brasileiro, falando sobre a perspectiva
existencial de Heiddeger, disse que “cura é a pré-ocupação com o
devir, e que nesse sentido, é a capacidade de se apaixonar pelo
futuro”. Sendo assim prosseguiu ele, “o terapeuta caminha junto ao
outro, sem um ponto de chegada pré-determinado, em direção ao novo.” É
sob essa perspectiva que advogo o resgate da “Gestalt da Esperança”.
Para mim esses são desafios que temos hoje, como cidadãos da
“Comunidade Global Gestáltica”, independente do país de origem.
REFERÊNCIAS
Almeida, Angela N. & Meirelles, Marcia L. (1995). A Abordagem
gestáltica aplicada à empresa.Revista do II Encontro Goiano de Gestalt
Terapia.
Barros, Paulo (1994). Narciso, a bruxa, e outras estórias “psi”. São
Paulo: Summus Editorial.
Barroso, Fatima (1989).O que caracteriza uma terapia fenomenológico-
existencial? Gestalt Terapia Jornal III, pp.34-39.
Barroso,Fatima (1995). A ameaça de autofagismo e inconsistência sobre
a comunidade de gestalt terapeutas. V Encontro Nacional de Gestalt
Terapia, Vitória, ES.
Boris, George D.J.(1995) Das posições sócio-políticas de Frederick
Perls: conseqüências na prática grupal em Gestalt terapia.Revista de
Gestalt nº 4, pp 21-34.
Bernadini, Rosane G. (1989).Contribuições ao trabalho com clientes
portadores do vírus da AIDS. II Encontro Brasileiro de Gestalt
Terapia, Caxambu, RJ.
Buarque, Sergio (1992) A abordagem Gestáltica e a esquizofrenia.
Gestalt Terapia. Jornal IV, pp.20-33.
Cardella,Beatriz H. (1994).O amor na relação terapêutica. São Paulo:
Summus Editorial.
Chagas,Enila L.F. (1996). Disfunções de contato : Saúde e doença em
Gestalt terapia. Revista do II Encontro Goiano de Gestalt Terapia
Ciornai, Selma (1991a). Gestalt terapia hoje: Resgate e Expansão.
Revista de Gestalt, nº1, pp 9-25.
Ciornai,Selma (1991b). Em que Acreditamos ? Gestalt Terapia Jornal, I,
pp 30-39.
Ciornai, Selma (org.) (1995) Gestalt Terapia, Psicodrama e Terapias
Neo-Reichianas: 25 Anos Depois . São Paulo, Summus Editora.
Ciornai, Selma (1996a). Considerando Saudades : Gestalt Terapia Ontem,
Hoje e Amanhã . Boletim de Gestalt Terapia do Triângulo Mineiro 1, nº
2, pp 9-17.
Ciornai, Selma (1996b) The Importance of the Background.The Gestalt
Journal, XVIII, nº2, pp 7- 34.[Traduzido para Português como “Tocando
o fundo: Pano de fundo das figuras do nosso viver” emRevista de
Gestalt nº 5, pp7-22].
Costa, Virginia E. S. (1996). Gestalt na escola e na educação : Uma
forma de resgatar a auto-regulação organísmica saudávelna relação
ensino-aprendizagem. Revista do II Encontro Goiano de Gestalt
Terapia.
Elmo, Antonio de Oliveira ( 1989) A Gestalt terapia como uma prática
de psicoterapia popular.II Encontro Brasileiro de Gestalt Terapia,
Caxambu, RJ.
Elmo,Antonio de Oliveira (1995). A concepção de homem na Gestalt
terapia e suas implicações no processo psicoterápico. Revista do I
Encontro Goiano de Gestalt Terapia , pp 47-71
Guedes, Abel et all (1991). A consulta avulsa. Revista de Gestalt,
nº1, pp 59-65.
Guedes, Abel (1995). Gestalt terapia mo trabalho em empresas.
VEncontro Brasileiro de Gestalt Terapia, Vitória, ES.
Feinstein , David , & Krippner, Stanley ( 1988 ) . Personal mythology.
Los Angeles : Jeremy Tarcher .
Feinstein , David, & Krippner, Stanley (1989 ). Personal myths : In
the family way. Journal of Psychotherapy and the Family , 4 (3/4) , pp
111-139.
Fernandes, Myrian B.(1992). Gestalt e Crianças: Crescimento. Revista
de Gestalt , nº4, pp 22-73.
Fernandes, Myrian B. (1996). Trabalhando com crianças, adolescentes e
famílias em Gestalt terapia . Revista do II Encontro Goiano de Gestalt
Terapia.
Fernandes, Miriam B. et all(1995). Reflexões sobre o desenvolvimento
da criançaSegundo a perspectiva da Gestalt terapia . Revista de
Gestalt , nº 4, pp 87-93.
Figeiroa, Mauro (1996) Re-Oriente-se: Uma reflexão sobre as
influências do pensamento oriental na Gestalt terapia. Revista de
Gestalt nº 5, pp 55-64.
Frazão, Lilian (1991). Pensamento Diagnóstico em Gestalt terapia.
Revista de Gestalt , nº 2, pp 41-46.
Frazão, Lilian (1992).A importância de compreender o sentido do
sintoma em Gestalt terapia : Contribuições da teoria de relação
objetal. Revista de Gestalt, nº 2, pp.41-51.
Fonseca, Affonso (1989) O Terapeuta e o Fundamento FenomenológicoII
Encontro Brasileiro de Gestalt Terapia, Caxambu, RJ.
Fonseca, Affonso (1996).Fenomenação.” Psicologia e psicoterapia
fenomenológico-existential? Centro de Psicologia Fenomenológico-
Existencial, Maceió, AL.
Herek, L. (1991) Gestalt Terapia com Cardiopatia. Gestalt Terapia
Jornal II, pp 27-33.
Juliano , Jean.C. (1991).A Arte de restaurar o diálogo libertando
estórias: Uma visão do processo psicoterápico. Gestalt Terapia Jornal
nº 1, pp.20- 28.
Juliano, Jean C. (1995) Em busca de uma boa forma de descrever o
trabalho em Gestalt. Revista do I Encontro Goiano de Gestalt
Terapia..
Junior, Alcides I. (1993). Um breve ensaio sobre o meu entendimento de
cura através do diálogo. Gestalt Terapia Jornal VI, pp.14-26.
Kepner, Elaine (1980). Gestalt group processes . In Feder, Bud &
Ronall, Ruth Beyond the hot seat--Gestalt approaches to group. New
York: Brunner /Mazel.
Krippner,Stanley (1996) Post- modernidade. Palestraproferida no Inst.
Sedes Sapientiae, São Paulo.
Liello, Miguel A. (1996).Temores do Terapeuta. Revista de Gestalt nº
5, pp 23-29.
Lilienthal, Luis A.(1989) A interface entre terapia e aprendizagem –
Uma reflexão à luz da Gestalt terapia e da Gestalt pedagogia.II
Encontro Nacional de Gestalt Terapia, Caxambu, RJ.
Lilienthal, Luis A. (1996) A Gestalt pedagogia vai às ruas para
trabalhar com educadores de crianças de rua. V Encontro Nacional de
Gestalt Terapia,Vitória, ES.(Extraído da tese de mestradode mesmo
título, USP, SP).
Lima, Alberto P. ( 1993). Gestalt e Sonhos. São Paulo: Dimensão
Editora.
Lima,Patrícia A (1996), Possui a Gestalt terapia uma nova
epistemologia? Gestalt Journal do Rio de Janeiro, Ano 1, nº 2, pp.
4-7.
Loffredo, Ana ( 1989). De minha posição e minha (in)disposição como
Gestalt terapeuta. II Encontro Nacional de Gestalt Terapia, Caxambu,
RJ.
Loffredo, Ana ( 1994) A cara e o rosto. São Paulo: Escuta.
Mendonça,Marisette M. (1995). Abordagem Dialógica. Revista do I
Encontro Goiano de Gestalt Terapia.
Minieri, Angelo (1995). A Abordagem Gestáltica na educação. V Encontro
Nacional de Gestalt Terapia, Vitória, ES.
Orgler, Sheila (1995).A psicologia escolar numa abordagem Gestáltica:
Uma experiência pessoal.Presença ,1, nº 1, pp 25-32.
Pavani, Keila (1992).O implícito e o explícito na praxis do Gestalt
terapeuta: Contribuições das ciências sociais para uma visão
holística. Revista de Gestalt nº 2, 33-40.
Penteado, Carlos (1990). Gestalt terapia : Uma práxis existencial. 12º
Seminário de Gestalt, Inst. Sedes Sapientiae, São Paulo.
Perls, F.S., Goodman, P., & Hefferline, R. (1951) Gestalt therapy:
Excitment and Growth in the human personality. New York : Dell
Publishing Co.
Quadros,Laura C. T. (1996),.Peculiariedades da psicoterapia com
mulheres na visão gestáltica. Gestalt Journal do Rio de Janeiro, Ano
1, nº 2, pp.16-21.
Ribeiro, Jorge P.(1994) Gestalt terapia : O Processo grupal. São
Paulo : Summus Editorial.
Ribeiro, Jorge P. (1985) Gestalt Terapia: Re-fazendo um caminho.São
Paulo: Summus Editorial.
Ribeiro, Walter (1987). Alcances e Limites da Gestalt Terapia. I
Encontro Nacional de Gestalt Terapia, Rio de Janeiro, RJ .
Ribeiro, Walter ( 1991). O Gestalt terapeuta e o chacareiro. Revista
de Gestalt , nº 2, pp 34-43.
Rehfeld, Ari (1991). A compreensão existencial : Um exercício na
clínica. III Encontro Nacional de Gestalt Terapia, Brasília, DF
Rehfeld, Ari ( 1995)Exercitando o Olhar Fenomenológico. Revista do I
Encontro Goiano de Gestalt terapia.
Rubenfeld, Frank (1978). Social Gestalt: A response to illusions of
freedom and powerlessness. Bolinas, CA: Psycho-Political Pamphlets.
Rubenfeld, Frank (1986). The peace manual: A guide to personal-
political integration. Berkeley, CA: Lion-Lamb Press.
Salomão, Sandra. (1996) Contact, awareness and experiment. Revista do
II Encontro Goiano de Gestalt Terapia, pp 3-8.
Schillings, Angela (1993).Gestalt therapy with cancer patients.I
Encontro Regional de Gestalt Terapia da Região Sul.
Silveira, Terezinha M.(1995). A construção criativa na vida do casal.
Presença , Ano 1, nº1, pp 39-45.
Silveira, Terezinha M.e Silveira, Marcia (1996).Serviço comunitário:
Implicações sociais e profissionais. Presença , Ano 1, nº 1, pp
53-62.
Serok, Shraga (1992). Unfinished and unstarted business as complement
to the total gestalt. 1ª Semana Internacional de Gestalt, Mexico DF.
Távora, Claudia B (1995). Gestalt terapia e sociedade: Psicoterapia –
prática e política. Revista de Gestalt nº 4, pp 35-41.
Távora,Claudia B. (1996), Sobre a função terapêutica: Encontros e
desencontros na fronteira entre os universos público e privado.
Gestalt Journal do Rio de Janeiro, Ano 1, nº 2, pp. 22-26
Tellegen, Therese A. (1984) Gestalt e grupos: Uma perspectiva
sistêmica. São Paulo: Summus Editorial.
Tellegen, Therese A. (1987) Gestalt terapia e o contexto politico-
social brasileiro.Textos Inéditos de Therese Tellegen , Centro de
Estudos de Gestalt de São Paulo.
Tsallis, Cristina M. (1987) Sobre o Homem : Contestações e dúvidas.IV
Seminário de Gestalt Terapia, Inst. Sedes Sapientiae., SP
Tsallis,Cristina (1996) A sabedoria da neurose. Gestalt Journal do Rio
de Janeiro, Ano 1, nº 2, pp.12-14.
--------------------------------------------------------------------------------
*Este trabalho foi apresentado em 1997 na mesa “Gestalt Terapia na
América Latina”na II Conferência da AAGT e publicado originalmente com
o título Gestalt Therapy in Brazil”The Gestalt Review , 2, (2),
108-118, 1988.A conferência realizou-se em São Francisco, cidade onde
fiz a maior parte de meu treinamento em Gestalt terapia no período de
1979 a 1982 com os profissionais do Instituto de Gestalt de São
Francisco. Ao reencontrar alguns deles no evento (Cindy Sheldon, Frank
Rubenfeld, Jerry Kogan, Abe Levitsky, Célia Thompson-Taupin), quis
aproveitar a oportunidade para agradecê-los por terem feito parte de
forma tão significativa da minha vida – o que quero deixar
registrado .Apesar de naquela época ser comum encontrar entre Gestalt
terapeutas um jeito confrontativo e abrasivo de trabalhar, esta equipe
sempre se diferenciou por um estilo de trabalho afetivo, com uma
preocupação comsuporte,sem deixar de ser criativo. Isso foi muito
valioso para mim.
Também quero deixar registrado meus agradecimentos a Sandra Regina
Cardoso, e muito especialmente a Myrian Bove Fernandes, pelos valiosos
comentários e contribuições a este trabalho.
1 É verdade que tive também experiências riquíssimas que enfatizavam o
compartilhar em grupo, como os grupos de mulheres conduzidos na época
por Cindy Sheldon no Instituto de Gestalt de São Francisco, o trabalho
de Frank Rubenfeld (1978) sobre “Gestalt Social”, e os workshops
coordenados pelos “Psicoterapeutas pela Responsabilidade
Social” (Rubenfeld 1986). Mas esta não era a característica
predominante da Gestalt Terapia da época.
2 Por exemplo, Boris 1995, Ribeiro 1994,Tellegen 1984 .
3 Por exemplo, Barroso 1989, 1995; Ciornai 1991a ; Elmo 1995; Figeiroa
1996, Fonseca 1989,1996;Penteado 1990, Rehfeld 1991, 1995 ;Lima,
1996;Tsallis 1987.
4 Por exemplo, Barroso 1995, Ciornai 1996a, Lima, 1996; Loffredo 1989,
Ribeiro 1987
5 Fagan & Sheppard, Ginger, Hycner, Oaklander, Perls , Perls,
Hefferline & Goodman (Parte II), Polster & Polster,, Yontef eZinker.
6 Barros 1994, Cardella 1994, Ciornai (org.)1995, Lima 1993, Loffredo
1994, Ribeiro 1985, 1994, Tellegen 1984.
7 Fernandes 1992, Fernandes et all 1995
8 Por exemplo, Buarque 1992.
9 Por exemplo, Costa 1996, Lillienthal 1989, Minieri 1996, Orgler
1995.
10 Por exemplo, Almeida & Meirelles 1995, Guedes 1995
11 Por exemplo, Frazão 1991, 1992.
12 Por exemplo, Fonseca, 1989, 1996; Penteado 1990;Barroso, 199,1
1995; Rehfeld 1991, 1995.
13 Por exemplo, Cardella 1994, Chagas, 1996; Ciornai 1991b, 1996a,
1996b; Juliano 1991, 1992; Salomão 1996, Tsallis 1996.
14. Por exemplo, Ciornai 1991a, Juliano 1991, Junior 1993; Mendonça,
1995.
15 Por exemplo, Ciornai 1991a , 1996b; Pavani 1992, Silveira 1995,
Távora 1995,1996;Tellegen 1987.
16 Por exemplo Bernardini 1989, Elmo 1987, Fernandes 1996; Guedes et
all 1991, Herek, 1991, Lilienthal, 1996; Quadros, 1996;Silveira &
Silveira1996, Schillings, 1993.