PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL
Anotações destacadas a partir da leitura de: Donatelli, Marizilda
Fleury. A compreensão da religiosidade do cliente no Psicodiagnóstico
Interventivo Fenomenológico-Existencial. Tese de Doutorado – PUC São
Paulo 2005. p. 17-40.
A autora destaca que a Psicologia Clínica desenvolveu-se no século
XIX, época em que o positivismo lógico era o paradigma vigente.
Citando Cunha (2000) refere-se ao nascimento da avaliação psicológica,
lançada no fim do século XIX e início do século XX, época que marcou a
inauguração da utilização dos testes psicológicos. A autora também
cita Ancona-Lopes, M. (1984) ao referir-se aos três modelos de
psicodiagnósticos desenvolvidos: médico, psicométrico e behaviorista.
O modelo médico enfatizou os aspectos patológicos do individuo e o uso
de instrumentos de medidas de determinadas características do
individuo. Do ponto de vista psicológico, a grande ênfase nos aspectos
psicopatológicos colocava em segundo plano características não
patológicas do comportamento das pessoas. O modelo psicométrico, com o
desenvolvimento dos testes psicológicos delimitou o lugar do psicólogo
como um profissional autônomo, que os utilizava para auxiliar nos
diagnósticos psiquiátricos, nas seleções de pessoal e na área da
educação com crianças para determinar sua capacidade intelectual,
aptidões e dificuldades. O modelo behaviorista entendia que qualquer
explicação sobre o comportamento humano somente seria obtido através
de observação e experimentação. Desse modo, criaram-se formas próprias
de avaliação do comportamento a ser estudado, não utilizando o termo
“Psicodiagnóstico”, mas “análise de comportamento”. No início do
século XX, alguns filósofos introduziram a idéia de que a
subjetividade do pesquisador interferia na compreensão de seu objeto
de estudo. Segundo Ancona-Lopes, M (1984), a Psicanálise desmistificou
a idéia de que o comportamento só poderia ser entendido a partir
daquilo que fosse observável, na medida em que introduziu a noção de
inconsciente. Todas as correntes psicanalíticas influíram igualmente
na prática do Psicodiagnóstico. Ela destaca que acentuou-se o valor
das entrevistas como instrumento de trabalho, o estudo da
personalidade através da utilização de observações e técnicas e se
desenvolveu uma maior consideração da relação do psicólogo cliente com
a instrumentalização dos aspectos transferenciais e
contratransferenciais. A autora cita Trinca (1983), pois enfatiza que
os processos psicodiagnósticos do tipo compreensivo, derivados da
Psicanálise e conhecidos como psicodinâmicos objetivam uma compreensão
psicológica globalizada do paciente e não apenas, aspectos ou partes
que correspondem a determinados testes psicológicos. Segundo a autora
algumas correntes da Psicologia Fenomenológica-Existencial,
reformularam a visão do psicodiagnóstico, considerando que a interação
com o cliente por meio de testes e outros instrumentos poderia ser
útil para as pessoas, “ajudando-as no caminho do autoconhecimento”.
Algumas propostas de atendimento psicológico nas clínicas-escola
surgiram a partir do desconforto gerado por uma pesquisa que detectou
haver alto índice de desistência ao atendimento, devido a longa espera
pelo mesmo. A primeira iniciativa deu-se através da organização de
Grupos de Espera, que consistia no trabalho das psicólogas com os pais
cujos filhos aguardavam por atendimento. Estes grupos visavam agilizar
o futuro atendimento Psicodiagnóstico providenciando encaminhamentos
médicos necessários, recolhendo informações dadas por profissionais
anteriormente consultados, etc, e também, minimizar a desistência
oferecendo um atendimento que contivesse a ansiedade dos pais e
permitisse uma melhor compreensão da necessidade do atendimento por
parte destes. Os Grupos de Espera foram bastante eficientes em relação
aos seus propósitos. A partir dessa experiência, foi proposto no final
da década de 70, o processo de Psicodiagnóstico Interventivo (Ancona-
Lopez, M. 1987), que Donatelli (2005) descreve em sua tese. Ela cita
Forghieri (1993) que destaca os conceitos da Fenomenologia relevantes
para a Psicologia Fenomenológica: a intencionalidade, a redução
fenomenológica, a intuição das essências e a intersubjetividade. A
autora destaca que a intencionalidade se define assim: o mundo sempre
existe para uma consciência intencional que se constitui enquanto
consciência do mundo, e comenta que a redução fenomenológica é uma
atitude que busca chegar ao fenômeno “tal como se mostra” e isto
implica a suspensão de crenças, valores, preconceitos, teorias e,
particularmente, a suspensão da noção de consciência e do mundo
considerados de forma separada. Também afirma que a intersubjetividade
é compreendida como a possibilidade de ver o outro como um outro eu,
numa instância pré-reflexiva, anterior a qualquer pensamento,
representação ou juízo. Donatelli (2005), afirma que entender um
indivíduo do ponto de vista psicológico implica conhecer os
significados que atribui a suas experiências, sendo necessário
compreendê-lo em seus muitos contextos, a partir das suas conexões
feitas com o mundo. A Psicologia Fenomenológica, segundo Forghieri
(1993) trabalha na clínica em dois movimentos: envolvimento
existencial e distanciamento reflexivo. O psicodiagnóstico foi
entendido como um processo que se desenvolvia a partir de um
levantamento de dados do cliente cabendo ao psicólogo analisar esses
dados com base na nosologia psicopatológica e dar encaminhamento
possível para o caso. Fischer (USA) e Ancona-Lopez, M. (Brasil) foram
as precursoras na introdução do Psicodiagnóstico Interventivo, fazendo
do atendimento um processo ativo e cooperativo.As intervenções no
Psicodiagnóstico Interventivo se caracterizam por propostas
devolutivas ao longo do processo, acerca do mundo interno do cliente.
No PsicodiagnóstIco Infantil, pressupõe-se a implicação da família na
problemática, atribuída à criança, na queixa. O psicólogo não se põe
no lugar de quem “detém o saber”, mas dialoga com os clientes no
sentido de construírem juntos possíveis modos de compreensão acerca do
que está acontecendo com a criança. O psicólogo busca compreender o
campo fenomenal e evita que as explicações teóricas se anteponham ao
sentido dado pelo cliente. Para isto, o psicólogo deve com os
clientes, desconstruir a situação apresentada e buscar seu significado
principal. É preciso que haja um envolvimento existencial e deixar-se
enredar pela trama de sentidos do cliente ao mesmo tempo em que
consiga uma distância suficiente para refletir sobre a situação. O
Psicodiagnóstico Interventivo evita classificações, ou seja, é um
modelo descritivo na medida em que faz um recorte na vida da pessoa,
em dado momento e em determinado espaço, focalizando seu modo de estar
no mundo, com os significados nele implícitos. Tanto as experiências
do cliente quanto as impressões do psicólogo sobre elas são
compartilhadas. A autora descreve como é o atendimento nesta
modalidade: pode ser individual ou mais freqüentemente em
instituições. Para a entrevista inicial, os pais são convocados. As
apresentações habituais são feitas e eles falam sobre como vieram ao
atendimento, por que e o que esperam. Depois é apresentado a forma de
trabalho do psicólogo, compartilhando com eles que o Psicodiagnóstico
é um processo que visa a compreensão daquilo que ocorre com a criança
e com os pais. É enfatizado que os pais são parte ativa do atendimento
e que tanto as informações por eles fornecidas como seu modo de
entendimento da criança são essenciais para a efetivação do processo.
É explicado sobre as visitas domiciliar e escolar que são realizadas
neste processo. O dia, horário, e a questão do sigilo, são conversados
com os pais. È certificado se os pais compreenderam a fala do
psicólogo e se concordam com as informações apresentadas. As dúvidas
ou perguntas dos pais são apresentadas posteriormente após a conclusão
de suas comunicações. O segundo encontro destina-se a anamnese que
pode ser feita de duas formas: os pais podem levar o questionário para
casa para o responderem ou são entrevistados durante o atendimento. A
idéia embutida nesse procedimento é apresentar novas formas de ver a
situação, novas possibilidades de pensar o fenômeno em questão. Se a
anamnese for concluída em um único encontro digo aos pais que tragam a
criança no próximo atendimento. No primeiro contato com a criança, o
psicólogo se apresenta e pergunta-lhe se ela sabe o que faz um
psicólogo, e se conhece os motivos pelos quais foi trazida a esse
atendimento. A primeira sessão com a criança é uma observação lúdica.
Para realizá-la trabalha-se com caixa lúdica (lápis preto, de cor, e
de cera, papel sulfite, canetas coloridas, tinta, pincel, bonecos da
família, damas, móveis de casa, utensílios domésticos, carros
diferentes tipos, etc. A caixa é apresentada fechada para a criança,
para que se possa observar sua iniciativa de abri-la, se espera pela
ajuda do psicólogo para fazê-lo, enfim, para ver sua reação em
situação desconhecida. È observado a natureza e o conteúdo do seu
brincar: se há criatividade; se há agressividade; se reproduz aspectos
de sua vida, enfim tenta-se entender qual é a sua lógica, sua
realidade. Nas sessões devolutivas com os pais é compartilhado as
percepções do psicólogo sobre a criança, seu comportamento no
atendimento e como eles se articulam com a queixa de um modo geral. Os
sentimentos dos pais também são trabalhados nesta situação.
Miriam Lopes
Fonte:
http://miriam-lopes.blogspot.com/2008/08/psicodiagnstico-interventivo.html