Perversão no Orkut ou Psicopatologia em acting no virtual
(Trabalho apresentado no Psicoinfo/2006 – PUC/SP)
Denise Deschamps e Eduardo J. S. Honorato
"Ao escrevermos, como evitar que escrevamos sobre aquilo
que não sabemos ou que sabemos mal? É necessariamente
neste ponto que imaginamos ter algo a dizer. Só
escrevemos na extremidade de nosso próprio saber, nesta
ponta extrema que separa nosso saber e nossa ignorância e
que transforma um no outro."
Gilles Deleuze
Necessário esclarecer antes de tudo,que esse trabalho levantará mais
questões do que as que pretende responder, partindo da convicção de
que a produção de conhecimento se dá mais no ato de perguntar do que
de criar respostas fechadas e inquestionáveis.
Sua apresentação consistirá em uma descrição de algumas tipologias em
psicopatologia psicanalítica e uma análise da vivência de algumas
dessas dinâmicas nas chamadas comunidades virtuais – mais
especificadamente as do site Orkut.
O Orkut caracteriza-se pela proposta em se constituir em um espaço
destinado ao desenvolvimento de comunidades virtuais e um encontro de
amigos. Sabemos que até certo ponto tem cumprido seu objetivo. O
Brasil assimilou o Orkut de uma forma bastante impressionante. Pelos
dados do próprio Orkut representamos hoje a grande maioria de seus
usuários(por volta de 51,18%[nov/08])).
Vejamos a descrição do Orkut por ele mesmo: “Com o orkut é fácil
conhecer pessoas que tenham os mesmos ‘hobbies’ e interesses que você,
que estejam procurando um relacionamento afetivo ou contatos
profissionais. Você também pode criar comunidades on-line ou
participar de várias delas para discutir eventos atuais, reencontrar
antigos amigos de faculdade ou até mesmo trocar receitas de
biscoitos.”
Observa-se hoje que o Orkut tem uma movimentação e características
próprias e que, se aproxima muitas vezes, de uma dinâmica muito
próxima do mundo presencial(optamos por nomear dessa forma, já que
chamar de mundo real daria ao virtual, por analogia, a característica
de irreal, coisa que está longe de ser; ainda poderia ser chamado de
“atual” [Lévy]). Nessa dinâmica encontraremos aspectos que incluem os
chamados de positivos ou negativos; construtivos ou destrutivos,
legais ou ilegais, espontâneos ou provocados.
Sobre o Virtual e os fakes
Dentro do mundo orkutiano o sujeito psíquico poderá encontrar formas
absolutamente diversas de inserir-se nele. Mas, vale sublinhar a
partir dessa fase desse trabalho, que ele possui características de
tela, levando a um mecanismo que se resumiria dessa maneira:
Identificação -> Projeção -> Reação
Por esses aspectos talvez possamos pensar a partir do conceito criado
por Melanie Klein de “identificação projetiva”.
Em um primeiro momento todos se apresentam com suas características
mais idealizadas, procurando comunidades que descrevam aspectos de sua
crença, reflexões filosóficas, corrente científica, inserção
profissional, etc. Apresentando-se de maneira identificada, a primeira
vista, com seus interlocutores. A seguir o fenômeno que acontece, é no
mínimo, interessante, realizam-se alguns laços por afinidades e
iniciam-se, também, as hostilidades, dessa maneira já operando o
mecanismo de projeção, tendo ela características bem regressivas pelo
aspecto da fragmentação(ambivalência dissociada). Todos que participam
das comunidades do Orkut experimentam o aparecimento desses aspectos
da convivência virtual, de maneira mais ou menos intensa, de acordo
com seu histórico pessoal.
Observamos o aparecimento repetitivo de algumas dessas dinâmicas
psicopatológicas, ao longo de debates, nas comunidades cuja temática
giram em torno de temas da psicologia e psicanálise, que na verdade
foram as comunidades por nós observadas, não descartamos a hipótese de
que as mesmas dinâmicas se reproduzam em outras comunidades. Esse
fenômeno está vinculado ao anonimato proporcionado pelos chamados
perfis “fakes”, ou como preferimos classificar: “perfis não
identificáveis” .
Na comunidade do Orkut intitulada de Wilhelm Reich, seu moderador,
experiente terapeuta reichiano, coloca como observação às regras para
o seu funcionamento, uma observação muito descritiva dessa dinâmica
que relatamos: “Os “fakes” estão presentes em todo o mundo virtual,
mas as manifestações de suas presenças devem estar de acordo com as
características e objetivos da comunidade. Além do mais, já que estão
protegidos pelo anonimato, serão analisados com mais rigor as suas
colocações, observações e opiniões exaradas. Serão tolerados... mas
correrão sempre o risco de serem expulsos da comunidade. Civilidade e
respeito ao próximo são objetivos de pessoas do bem e assumidas em
suas identidades.”
Enquanto os outros membros transitam pelas comunidades privilegiando
os aspectos mais produtivos de suas identificações/projeções, alguns
desses fakes demonstram um distúrbio dissociativo bastante peculiar e
interessante. Operam variações entre o mais encantador acolhimento até
explosões de ódio e ataque de intensidade bastante impressionante,
alguns deles operam ações de agressão própria ao mundo virtual, que
muitas vezes irá avançar pelo mundo presencial do sujeito atacado de
inúmeras maneiras e quase sempre de forma bem estruturada e
direcionada.
Psicopatologia psicanalítica
Vamos então descrever em linhas gerais a psicopatologia freudiana,
vamos nos ater a ela pela adequação ao que estamos estudando e essa
apresentação se dará de forma bastante resumida.
Sabemos que em psicanálise(freudiana) teremos três estruturas
diferenciadas: as neuroses propriamente ditas ou chamadas neuroses de
transferência, as psicoses,também chamadas de neuroses narcisícas ou
narcisistas e finalmente as perversões que dizem respeito em
psicanálise a escolha do objeto sexual e a parcialidade das pulsões,
sem ter necessariamente relação com os atos de perversidade.
Paralelamente teremos as psicopatias que são descritas por Freud como
distúrbio de caráter e não doença mental e que pode ter atrelada a ela
outros quadros, quase sempre de psicoses ou perversão com o
deslocamento do alvo para os atos de perversidade e manipulação do
outro. Teríamos hoje o que está se convencionando chamar de a clínica
dos borderlines, onde na verdade se centrará aqui essa exposição.
Vejamos então um breve estudo:
“Perversão: “Diz-se que existe perversão quando o orgasmo é obtido
com outros objetos sexuais(pedofilia, bestialidade, etc)...e quando é
subordinado de forma imperiosa a certas condições extrínsecas
(feitichismo, escoptofilia, exibicionismo, sado-masoquismo), estas
podem proporcionar, por si sós, o prazer sexual...
Na mesma ordem de idéias, é corrente falar-se de perversão, ou antes
de perversidade, para qualificar o caráter e o comportamento de certos
indivíduos que demonstram crueldade ou uma malignidade singulares”.(1)
Psicopatia: Os anti-sociais se escondem em pele de cordeiro, parecem
muitas vezes amáveis e solícitos, até que são contrariados ou explodem
por algo que lhes acarretou frustração ou não correspondeu às suas
deturpadas expectativas. Transtornos anti-sociais(psicopatias e
sociopatias) não são considerados "doença mental", mas sim como propôs
Freud, seriam distúrbios de caráter, por conta disso são de difícil
identificação e podem ter quadros de doenças mentais acoplados a eles.
Poderemos apenas perceber que constroem uma lógica própria que
independe das leis da maioria. Mudam seus discursos de acordo com seus
interesses. Não conseguem controlar-se frente a fato de serem
confrontados e são capazes de atos cruéis em todos os sentidos(sempre
se posicionando como se fossem vítimas da situação por eles mesmos
engendrada).
Há que se entender também que traços narcisistas poderão ser
encontrados em alguns dos quadros na psicopatologia freudiana e neles
operar de maneira diferenciada.
Ama-se segundo o tipo narcisista:
a) O que se é (a própria pessoa);
b) O que se foi;
c) O que se gostaria de ser;
d) A pessoa que foi, uma parte da própria pessoa.
Iremos ainda conceituar brevemente algumas diferenciações ainda sobre
as chamadas psicoses(neuroses narcisistas) e as neuroses propriamente
ditas (de transferência).
N. Transferência
<!--[if !supportLists]-->· <!--[endif]-->Frustração em relação
ao objeto
<!--[if !supportLists]-->· <!--[endif]--> Retração da Carga do
objeto real
<!--[if !supportLists]-->· <!--[endif]-->Investimento no
objeto fantasiado
<!--[if !supportLists]-->· <!--[endif]-->Retração do objeto
recalcado -> Carga em outros objetos
N. Narcisista
<!--[if !supportLists]-->· <!--[endif]-->Cessação de
carga
<!--[if !supportLists]-->· <!--[endif]-->Investimento libidinal
no eu
Importante ainda pontuar a linha de desenvolvimento:
Auto-Erotismo - Etapa Anárquica
Narcisismo Primário - Imagem Unificada
Narcisismo Secundário - Investimento próprio Ego.
Psiconeuroses Narcisistas
Ausência de Objeto
Catexia das Palavras
Perversões se caracterizam
Por desvios de:
1 - Objeto
2 - Objetivo Sexual
No curso psicossexual normal se encontram rudimentos perversos nas
chamadas carícias preliminares e porque não pensar, também, em algumas
formas de atuação frente a objetos de investimento.
Interdição como aquilo que sustenta o aparelhamento psíquico..
DUPLA
1º Tempo 2º
Tempo 3º Tempo
CÉLULA NARCÍSICA SEPARAÇÃO sujeito psíquico
1º TEMPO – Posição psicótica
2º TEMPO – Posição perversa
3º TEMPO – Posição neurótica
1º TEMPO - mãe fálica e filho narcisista
2º TEMPO - castração simbólica - interdita duplamente a mãe e o filho
castração simbólica - função de separação
A interdição é tarefa da função pai cria dois sujeitos desejantes.
A mãe precisa reconhecer fora alguma coisa que precisa e o filho
deixar de ser um complemento total.
“Já que me falta, agora eu desejo”.
3º TEMPO - situação edípica
<!--[if !supportLists]-->· <!--[endif]-->Identificações
<!--[if !supportLists]-->· <!--[endif]-->Investimento
<!--[if !supportLists]-->· <!--[endif]-->Formação do Superego
<!--[if !supportLists]-->· <!--[endif]-->Constituição do sujeito
Protótipo da lei - interdição do incesto
Os limítrofes e o real
“A grosso-modo pode-se dizer que durante aproximadamente os primeiros
50 anos de psicanálise o neurótico domina a cena psicanalítica e que,
de lá para cá, as chamadas síndromes limítrofes têm ocupado um lugar
cada vez maior na clínica e no pensamento psicanalítico.”(B)
Vamos então estender mais nosso estudo sobre os limítrofes para
fundamentar nossa tese de sua atuação dentro das comunidades do Orkut.
Entendendo seu funcionamento e seu modelo de relação com o real
poderemos inferir algumas hipóteses para seu funcionamento frente ao
manejo virtual.
“Uma classificação bastante didática divide o Transtorno Borderline em
4 grupos clínicos:
Grupo A: Borderline com predomínio de características esquizóides e/ou
paranóides, mais próxima das psicoses.
Grupo B: Borderline com predomínio de características distímicas e
afetivas.
Grupo C: Borderline com predomínio de características anti-sociais e
perversas (corresponderiam ao grupo de Transtorno de Pessoalidade
Borderline, propriamente dito, satisfazendo quase todos os critérios
do DSM IV).
Grupo D: Borderline com predomínio de características neuróticas
(obsessivo-compulsivas, histéricas e fobicas graves).
Esta classificação tem objetivo mais didático que prático, porquanto
na prática cotidiana observamos com maior freqüência a ocorrência de
casos mistos.”(A)
Citando Winnicott: “Os psicanalistas experientes concordariam em que
há uma gradação da normalidade não somente no sentido da neurose, mas
também da psicose” (em C)
Completaríamos essa afirmação aqui nesse caso, dizendo que essa
gradação se dará em todos os sentidos e referente a todas as
estruturas e suas inter-relações.
“Grinker,R.R., fala de quatro níveis de borderline:
Grupo 1- O borderline psicótico – comportamento inapropriado e não
adaptado. Deficiente senso de identidade e de realidade. Comportamento
negativo e raivoso em relação às pessoas. Depressão.
Grupo 2- O borderline nuclear – Envolvimento flutuante com outros.
Expressões abertas e
atuadas de raiva. Depressão. Ausência de indicações de um self
consistente.
Grupo 3 – Personalidades ‘como se’ – comportamento adaptado e
apropriado. Relações
complementares. Pouca espontaneidade e afeto em resposta a situações.
Defesas:
afastamento e intelectualização.
Grupo 4- O borderline neurótico – Depressão anaclítica (semelhante à
da infância). Ansiedade. Semelhança com caráter narcisista neurótico.
“Influenciado por essa sistematização agrupei esse conjunto humano em
borderline
pesado (patológico), borderline falso-self e borderline brando
(próximo da
normalidade)”[Nahman]. Estaremo trabalhando muito próximo dessa
classificação de A. Nahman.
Fato é que como muito bem sublinha esse autor acima citado., “O
borderline pesado é polissintomático, ambulatório, com dificuldades
nas relações pessoais por sua fragmentação ou por suas necessidades
narcísicas exacerbadas, com tendência à atuação, com problemas na área
afetiva, com questões nas áreas das identificações e identidade,
necessitando de uma circunvizinhança humana para atuar os seus
fantasmas, com labilidade de humor, com tendência à exagerada
dependência afetiva muitas vezes reativamente negada, usando
excessivamente a identificação projetiva e introjetiva, com extrema
sensibilidade e susceptibilidade, incomumente e seletivamente
permeável ao próprio inconsciente, ao inconsciente do outro e à
subjetividade circulante.”(B)
O Orkut como depositário da patologia
E como isso tem aparecido nas comunidades virtuais? Levantamos a
hipótese que elas têm sido local privilegiado na atualidade para seus
“actings”. Para elaborarmos essa hipótese observamos presencialmente
por onze meses a atuação de o que chamamos uma “legião de fakes”
atuando nas comunidades de Psicologia/Psicanálise de maneira evidente
e cruel. Atende às suas necessidades de vínculo permanente, pois podem
estar em atuação 24 horas por dia. Isso porque em suas “relações
interpessoais: não suportam a solidão e o abandono, necessitam do
outro em tempo integral, a todo o momento, são francamente
dependentes, masoquistas e manipuladores.”( Gunderson) É nesse aspecto
que são atraídos pelas comunidades virtuais, onde a questão do corte
temporal inexiste(não há a necessidade do outro estar presente [on]
para que se possa estabelecer a “comunicação”),dessa forma tomam
conta de determinadas comunidades,impondo um diálogo peculiar, onde
passam de extrema cooperação à crises de fúria incontrolável, atacando
com violência o membro da comunidade que questiona sua delirante
posição de privilégios. Constrói, dessa maneira, no virtual,
diferentes aspectos de seu ser, fragmentando-os em parte, criando uma
nova classificação que poderíamos, na falta de outro termo ainda
consistente, chamar de “múltiplas personalidades virtuais”. Aquilo
que não podemos encontrar enquanto realidade em casos descritos de
psicopatologia em estudo, vamos perceber atuando com constância nas
comunidades virtuais que compõem o Orkut.
Na teia de perversidade impune que lança mão esse sujeito psíquico
frente ao virtual , lança sua própria história fragmentada projetando
em seus inúmeros personagens, de uma forma infantilmente maniqueísta,
seus lados “bondosos” ou “maldosos”, dando existência no virtual ao
seu insano diálogo interno, sem dar-se conta, quase em nenhum momento,
que ao ocultar-se, na verdade, mais se fará revelar.
Nesse caso em específico, por esse trabalho abordado, descrevemos um
tipo de limítrofe com traços de perversão, não no sentido de busca de
objeto, mas sim do objetivo, já que esse perderia as características
próprias a sexualidade e adquiriria busca de prazer bem longe da
genitalização e bem próxima do campo de atuação da patologia(acting
out). Encontrando no virtual, ambiente propício para uma atuação longe
do alcance da lei, por esse mesmo motivo, seria um campo provilegiado
onde inconscientemente estaria operando a NEGAÇÃO (enquanto defesa) da
existência da lei(enquanto interditora e formadora do sujeito
psíquico). Somente nesse aspecto encontraremos traços de perversão,
no restante acreditamos estar lidando com fortes tendências anti-
sociais, o que aproximaria ainda mais a tese dos limítrofes na atuação
desses fakes.
Vamos então estender mais nosso estudo sobre os limítrofes para
fundamentar nossa tese de sua atuação dentro das comunidades do Orkut.
Entendendo seu funcionamento e seu modelo de relação com o real
poderemos inferir algumas hipóteses para seu funcionamento frente ao
manejo virtual.
“A tendência anti-social faz parte da família da psicopatia. Ela
começa
na infância e pode ou não se estender à idade adulta quando ganha
outros contornos e outros nomes.”(C)
Ressalta Nahmann também que: “Uma pessoa da linhagem neuróide se
frustrada recalcará o seu desejo infantil de onipotência e acederá a
uma potência fixando objetivos distantes e de realização gradativa. Na
linhagem psicóide o desejo de onipotência não é recalcado, mas
dissociado. O que ocupa o lugar da onipotência não é a potência
neuróide, mas a impotência psicóide. O borderline ferido em seu
narcisismo sente-se impotente e dissocia sua onipotência. Esta, porém,
vai reaparecer logo adiante, sendo então este o momento em que a
impotência é colocada numa gaveta, não influindo no impulso de
onipotência.”(C)
E como poderemos pensar sua atuação dentro de um ambiente virtual, com
características bem próprias:
1- anonimato(sem possibilidade de identificação);
2- possibilidade de projetar no “fake” características que não
necessitam comprovação;
3- completa apropriação do discurso do outro como seu;
4- possibilidade permanente de atuar sua dissociação(mais de um
perfil: bom X mau);
5- estruturação das idéias deliróides em relatos onde o real não faz o
corte;
6- inexistência do corte temporal.
Faremos nesse momento uma impotante ressalva, que tratará de questões
referentes a faixa etária envolvida no comportamento virtual/net.
Percebemos que os adolescentes fazem uso permanente dessas
características dentro do virtual, de alguma maneira, encontram nesse
espaço, o local “seguro” para depositarem suas características de
atuação que acontecem dentro de uma normalidade no período da
adolescência.
Diz Arminda Aberastury: “O Adolescente se apresenta como vários
personagens e, às vezes, frente aos próprios pais, porém com mais
freqüência frente a diferentes pessoas do mundo externo, que nos
poderiam dar dele versões totalmente contraditórias sobre sua
maturidade, sua bondade, sua capacidade, sua afetividade,seu
comportamento e, inclusive, num mesmo dia, sobre seu aspecto físico”
Essa imensa mobilidade característica da adolescência apresenta-se no
virtual. Sabemos que o fato dessas características persistirem em um
ser adulto nomeará o aparecimento de outros quadros, perdendo a
qualidade de rebeldia e questionamento próprias da adolescência.
“Nesse momento se produz um aumento da intelectualização para superar
a incapacidade de ação(que é correspondente ao período de onipotência
do pensamento na criança pequena). O adolescente procura a solução
teórica de todos os problemas transcendentes e daqueles com os quais
se enfrentará a curto prazo: o amor, a liberdade, o matrimônio, a
paternidade,a educação, a filosofia, a religião. Mas aqui, podemos e
devemos traçar-nos a interrogação: é assim só por uma necessidade do
adolescente ou também é resultante de um mundo que lhe proíbe a ação e
obriga-o a refugiar-se na fantasia e na intelectualização?” Há hoje um
enorme impedimento à ação advindo do medo do mundo real violento e
ameaçador, pais procuram impedir maiores movimentações físicas e
filhos amedrontados se refugiam projetando suas fantasias de
realização no virtual. Nada contra, fenômeno passível de estudo na
atualidade e não será dele que pretendemos falar. Ele nos serve apenas
como ponte para evidenciar que assim como no real, esse comportamento
onipotente no virtual vindo de um adolescente tem uma característica e
advindo de um ser adulto poderá estar evidenciando um manejo
psicopatológico evidente.
Vamos então circunscrever nosso objeto então para não nos perdermos em
classificações múltiplas que acabarão por confundir o entendimento
sobre o fenômeno que relatamos no presente trabalho.
Estivemos descrevendo aqui um sujeito adulto(idade cronológica), mas
com um manejo das relações virtuais que apresenta fortes traços
juvenis, com suas características de dissociação e projeção,
caracterizando um quadro limítrofe com comportamentos virtuais anti-
sociais e perversos no sentido mesmo da realização do prazer pela ação
de enganar, manipular, dissociar que faz através da construção de
vários perfis não identificáveis a si mesmo(fakes).
Na classificação proposta pelo psicanalista Nahmann Armony diríamos
que seria o bordeline pesado(patológico).
Outras variações em psicopatologia presentes no Orkut
Nesse mundo do anonimato outros tipos de acting, que não somente o
borderline perverso, também atuariam de maneiras diferenciadas. Nesse
trabalho só pudemos pesquisar um dos tipos. Vale ressaltar que estes
relatados aqui, não compõem a totalidade dos fakes. Existem também,
os apelidados no mundo virtual de “fakes do bem”, que representam
apenas pessoas que, por qualquer motivo, não querem ser identificadas
e preferem atuar nessas comunidades compondo um personagem onde
algumas de suas características são projetadas, mas percebemos nesses
perfis a manutenção de uma ética e coerência com suas estruturas
emocionais.
Dentro de outras variações encontraremos grande quantidade de
expressão do patológico dentro do mundo do Orkut. Vão desde a
combatida propagação da idéia central da pedofilia(perversão
propriamente dita), até os ataques mágicos de algo próximo a uma
projeção paranóica, passando ainda por melancólicos e expositivos
pedidos de ajuda, ou ainda ataques contra-fóbicos aos representante do
objeto temido(ex.:homofobia).
Resta-nos talvez pesquisar se, no caso desse anonimato, não seriam
atraídos com maior intensidade os traços narcisistas que estão
presentes em todos nós, os neuróticos. Se assim ficar evidenciado,
teríamos então em mãos um fenômeno de massa a ser detalhadamente
descrito. Mas isso consistiria necessariamente em outra etapa dessa
pesquisa. Não temos ainda nesse momento elementos que nos permitam
afirmar uma coisa ou outra no caso do anonimato fake e sua
patologização de maneira generalizada
Propomos então, a partir desse estudo, que sejam criados conceitos que
procurem classificar e descrever os vários fenômenos presentes na
virtualidade e ainda em estágio de formação. O desenvolvimento desse
teatro onde autor e personagem se confundem em uma teia
psicopatológica.
“Os perfis do Orkut, até mesmo por sua natureza virtual são muito
susceptíveis a se tornarem continente de partes excindidas do self, e
esse fenômeno ocorre não apenas nos chamados nos perfis ‘fakes’, mas
em todos os perfis. A partir dessa projeção, vão se repetir e
reproduzir via transferência, todas as situações objetais psicóticas e
neuróticas (ou perversas) de seus usuários. A intensidade dessas
projeções pode ser um indicativo do grau de psicose nesse indivíduo:
quanto maior o uso de mecanismos projetivos, maior a parte psicótica
da realidade, pois menor é capacidade de integração do ego.”(E)
“Estar presente como espectador interessado num espetáculo ou peça,
representa para os adultos o que o brinquedo representa para as
crianças, cujas esperanças hesitantes de poderem fazer o que os
adultos fazem são, dessa forma, satisfeitas. O espectador é uma pessoa
cuja participação é muito pequena, que sente ser um ‘pobre miserável a
quem nada de importância pode acontecer’, que de há muito tem sido
obrigado a sufocar, ou antes, a deslocar sua ambição de ter sua
própria pessoa no centro dos assuntos mundiais; ele anseia por sentir,
agir e dispor as coisas de acordo com seus desejos – em suma, por ser
um herói...o espectador sabe, muito bem que uma verdadeira conduta
heróica como essa seria impossível para ele sem dores, sofrimentos e
temores agudos, que quase anulariam o prazer”(Freud)(3b)
Finalização:
“O PAI (resoluto, avançando)
Fico maravilhado da incredulidade dos senhores! Não estão habituados,
porventura, a ver pularem vivos, aqui em cima, uma diante das outras,
as personagens que foram criadas por um autor? Talvez porque não há ali
(indica a caixa do ponto) UM TEXTO QUE NOS CONTENHA?...(*)
A ENTEADA (indo ao Diretor sorridente e provocante)
Creia, senhor, que somos verdadeiramente, seis personagens
interessantíssimas! Se bem que desperdiçadas!...
O PAI (afastando-se)
Sim, desperdiçadas, isso mesmo! (Ao Diretor, subitamente) No sentido
de que o autor que nos criou vivos não quis, depois, ou não pode,
materialmente, meter-nos no mundo da arte. E foi um verdadeiro crime,
senhor, porque quem tem a sorte de nascer personagem viva, pode rir
até da morte. Não morre mais! Morrerá o homem, o escritor, instrumento
da criação; a criatura não morre jamais! E para viver eternamente, nem
mesmo precisa possuir dotes extraordinários ou realizar
prodígios...”(do livro: Seis personagens à procura de uma autor –
Luigi Pirandello)
(*) grifo nosso
Considerações críticas
Submetido a tese do presente trabalho para crítica de alguns
psicanalistas, recebeu contribuições bastante interessantes e algumas
sugestões.
Destacaremos os comentários a nós enviados pelo psicanalista
Alexandre Escaples, por nos trazer uma abordagem mais kleiniana e por
ser um usuário freqüente do Orkut. Ele produziu um interessante texto
de supervisão desse trabalho que fizemos constar da bibliografia.
Segue parte dessa crítica:
“Um ‘fake’ é uma ‘entidade virtual’, um continente (Bion) de uma
projeção de uma parte da realidade psíquica, uma parte do ego do
usuário do Orkut.” Mas poderíamos ir além e dizer que TODO perfil do
Orkut é em certa medida a mesma coisa. A intensidade e a relação do
usuário com essa parte excindida creio que seja um objeto interessante
de estudo.”
Os perfis ‘fakes’ não apenas são o continente de uma parte excindida
do self do usuário, mas eles também atuam a partir desses perfis. E
qual seria o objetivo dessas atuações? Minha proposta é que partes não
integradas do self atuam a partir desses perfis, provocando nos demais
usuários respostas emocionais específicas. Em outras palavras, estamos
diante de uma transferência (Freud, 1914): busca-se uma solução para
os conflitos do ego, através de relações objetais, nesse caso mais
virtuais, e portanto menos suscetíveis a frustrações. Esse mecanismo
para mim tem algumas funções básicas:
<!--[if !supportLists]-->a) <!--[endif]-->trabalhar essas partes
psicóticas, integrando-as em na virtualidade orkutiana, menos
susceptível a frustrações, na esperança da busca de novas
possibilidades de integração ao ego;
<!--[if !supportLists]-->b) <!--[endif]-->projeção de um conflito
neurótico, onde a parte excindida, nesse caso é o próprio conflito,
que se repete nas relações objetais que se estabelecem no Orkut, de
acordo com cada resposta que o ego neurótico pode dar ao conflito:
neurótico obsessivo ou histérico.
Essas duas hipóteses básicas não são excludentes. A diferença básica
aqui é qual parte do ego é excindida: no primeiro caso se trata de uma
parte não integrada, na segunda, uma parte mais integrada, ainda que
conflituosa.
Sinceramente não sei se todos os usuários ‘fakes’ podem ser
considerados sob a égide de uma estrutura psicopatológica, como a
perversão, mesmo os ‘fakes’ do mal. Poderíamos estar diante da
ambivalência de um neurótico obsessivo que excinde mais sua parte
agressiva, uma vez que pode não consegue integrá-la ou controla-la
pelo seu ego.
Uma pergunta interessante: Pode o Orkut, com suas características de
comunidade virtual, suprir as necessidade de integração de um ego? Um
dos fatores fundamentais na esperança da projeção é que a mãe devolva
amor ao seu filho e com isso ele possa se integrar. Citando
Empédocles: o amor uni e o ódio separa. Pode o Orkut ser um holding
para essa situação? Em minha opinião sim e não. Pode, pois todas as
relações humanas podem, mas em um grau muito diminuto, pois o amor,
fator integrativo, é algo real, e não virtual. “(E)
Bibliografia:
1.Vocabulário da Psicanálise – J.L. Laplanche e J.B. Pontalis
2Teoria Psicanalítica das neuroses – Otto Fenichel
3Obras Completas Sigmund Freud:
Artigos:
a)Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade – vol VII;
b)Tipos psicopáticos no palco – vol VII;
c)O Caso Schreber e Artigos sobre a técnica – vol XII;
d)Sobre o narcisismo: uma introdução – vol XIV;
e)Luto e Melancolia – vol. XIV;
f)Alguns tipos de caráter encontrados no trabalho psicanalítico – vol.
XIV.
g) FREUD, S. Recordar, repetir e elaborar. Volume XII (1914).
4 “CLASSIFICAÇÃO: EXISTE UMA CONTRIBUIÇÃO PSICANALÍTICA À
CLASSIFICAÇÃO PSIQUIÁTRICA?” In “O ambiente e os processos de
maturação”.- Winnicot, D.W. –
5Adolescência Normal – A. Aberastury e M. Knobel
Sites:
A-
http://virtualpsy.locaweb.com.br/index.php?art=150&sec=91
B-
http://www.saude.inf.br/nahman/borderlineidentificacao.pdf#search=%22Nahman%20Armony%22
C-
http://www.saude.inf.br/nahman/tendenciaantisocial.pdf#search=%22Nahman%2Bborderline%2Bcultura%22
D-
http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/peter/clausuradofora.pdf#search=%22dissocia%C3%A7%C3%A3o%20esquiz%C3%B3ide%2Bfragmenta%C3%A7%C3%A3o%2Bpsican%C3%A1lise%2Bvirtualidade%22
E- Texto Alexandre Escaples -
Literatura:
Seis personagens à procura de um autor – Luigi Pirandello
Fonte:
http://www.cinematerapia.psc.br/perversoorkut.php