Bom,
voltando ao tópico inicial, uma das poucas coisas que consegui extrair até agora da nossa conversa é que a discussão do design de autor passa necessariamente por aquilo que chamados de cultura; cultura nacional; produto (mercado); identidade (ou processo de identificação); e gosto.
Dito isso, repito que esse é um assunto que oferece mais resistência a língua da economia política. É muito difícil descrever o que está em funcionamento no trabalho dito autoral com categorias como "mercado", "produto" e "indústria". Talvez seja possível, mas não sei se uma crítica que faça uso desses termos consegue ser fiel ao fenômeno Feira Plana, por exemplo. Acho que um sintoma disso é tipo de "desconsideração" que o Gui Bonsiepe sugere a respeito da estética como saída para os impasses da prática de design (e do capital produtivo) no país:
O conceito de identidade é um tema recorrente nos debates sobre o design na América Latina. Pergunta-se: Qual é a "mexicanidade" ou a "brasilidade" do design? De forma geral, a identidade é atribuída a uma determinada configuração formal e cromática de um produto ou de um projeto de design gráfico, como no caso de certos grafismos indígenas. Mas não devemos nos limitar a identidade apenas aos aspectos estético-formais, pois a identidade se manifesta também e, principalmente, na natureza dos problemas que surgem em determinado contexto. (Design: como prática de projeto – p. 23)
[…] uma faceta da modalidade da cultural material é a estética. Mas não se trata, pelo menos nos países periféricos, da face dominante, cujo tratamento requeira um designer industrial malabarista: não se chega à forma dos produtos por meio da forma. O ponto de partida não deve ser a preocupação com a forma. ¶ O designer industrial não é um especialista em formas estéticas, embora se reconheça que, em amplos setores da opinião pública e até em muitos profissionais, tenha se construída essa imagem. Design não é apenas estilo. (Design: como prática de projeto– p. 48)
É uma ideia de que se investíssemos racionalmente na dimensão produtiva da indústria, a identidade do produto nacional cuidaria de si mesma.
O que resta como alternativa à economia política é as línguas da sociologia e da estética, com a diferença de que a sociologia também se arrisca a falar dos fenômenos sociais do gosto (Bourdieu é o exemplo). Independente disso, parece mais natural falar de identidade e cultura em termos sociológicos (por mais que eu não esteja acostumado com isso). Eu penso que essa é uma maneira de desmontar as certezas pré-concebidas sobre quem nós somos, ou sobre qual é o "caráter elementar" da nossa existência como "povo histórico-universal" (para usar palavras do Hegel). Dito de outro modo, existe um risco na descrição objetiva de quem é um povo, um risco muito tentador.
Junto com a entrevista do Jessé de Souza (que eu postei antes, na qual ele critica Sergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre), eu lembro desse trecho do Chico de Oliveira sobre "Os alemães" do Norbert Elias, que tem um tom diferente: <https://youtu.be/IC_ArYeOiFQ?t=33m59s>
Mas esse trecho fala mais até que eu lembrava: a metáfora do ornitorrinco me lembra aquela discussão (que só que conheço de orelhada) do Roberto Schwarz sobre o Machado de Assis: mal-formações nacionais na periferia do mundo, as Ideias fora de lugar etc.
Agora, a terceira opção, que é discussão especificamente estética, é infinitamente mais delicada. Mas, eu arrisco dizer, ela também é a mais contundente em relação às ideias vagas de "experimentação gráfica", "cultura visual" e "investigação de linguagem". Isso porque a teoria estética é talvez a mais recente de todas (pelo menos na história da filosofia): século 18. Isso indica que desde a Antiguidade há uma dificuldade enorme em definir o que é o acontecimento estético, como ele se dá, quais são suas condições, etc. Desde Platão (da República) a estética é pensada como uma forma corrompida ou insuficiente de conhecimento ou uma forma indigna de apelação às paixões e à sensibilidade. Essa posição só é revisada (salvas raras exceções) em Kant, com a Crítica da Faculdade do Juízo. Não vou entrar demais no assunto – até porque não domino –, mas o ponto principal é: se afirmamos que algo é "belo", nem por isso estamos na posse de um conceito de beleza, que poderia servir de régua a todos os outros fenômenos. A conclusão surpreendente do Kant é que "beleza é aquilo que apraz sem conceito", e que, portanto, há um modo de se relacionar com as coisas do mundo que não pode ser reduzido às regras da ciência ou da moral.
Talvez seja o caso de levar esse ponto para outro tópico, mas o que eu quero apontar rapidamente é que é a própria teoria estética já levanta de início uma suspeita sobre quem quer afirme o domínio sobre um critério objetivo sobre a beleza. Em outras palavras, a teoria estética – se apresenta realmente algo diferente do conhecimento – não nos autoriza a descartar nenhum fenômeno como sendo indigno ou incapaz de suscitar uma experiência genuína de beleza.
Abraços.