Design na periferia do mundo

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Felipe Kaizer

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Jun 28, 2016, 10:59:15 AM6/28/16
to Projeto Comum
Topei hoje com esse blog recém-criado: Decolonising Design. Pessoalmente, tenho muitas dúvidas a respeito do tema da (des)colonização; não aceito tão facilmente a perspectiva de uma superação desse problema – através de um suposta nova ordem mundial, justa e universal, onde todos encontram seu lugar de direito –, nem descredito a necessidade de se pensar em novos termos as práticas de projeto fora do centro do mundo capitalista (Europa, EUA, Japão). Além disso, me incomoda particularmente o tema do injustiçado, sempre que ele se insinua. O caso do blog, no plano geral, me parece ser um pouco diferente: ele se coloca como uma alternativa a um circuito mainstream de pesquisa – o que já é mais do que mera ladainha –, mesmo que heroicamente ou como foco de resistência. As intenções do blog:

It is with the aim of providing a platform for all the voices from the fringes, the voices of the marginal and the suppressed in design discourse that we have opened this platform – initially as a blog. We welcome all of those who work silently and surely on the edges and outskirts of the discipline to join and contribute to conversations that question and critique the politics of design practice today, where we can discuss strategies and tactics through which to engage with more mainstream discourse, and where we can collectively postulate alternatives and reformulations of contemporary practice.

Minha questão aqui é dupla: 1. Design não é, em função da sua formação histórica, um assunto eminentemente europeu? (Por acaso, o livro recente do Margolin não parece esposar essa convicção) E sendo europeia, à prática de design como nós a conhecemos – ligada umbilicalmente a uma classe de objetos; identificada com um certo tipo de profissional – não permanece ainda "estrangeira" entre nós? Não precisamos recorrer constantemente ao centro para legitimar nossa atuação (em universidades, cursos, escritórios, publicações etc)? (Não me compreendam mal: não estou julgando o valor dessa hipótese.) 2. Como se dá a história da chegada do design no Brasil no cenário maior de disseminação do design para as franjas do mundo? A história do design brasileiro não corre o risco de estar olhando demais para o próprio umbigo, na medida em que se concentra somente no desenvolvimento das suas instituições de ensino e das suas associações de classe?

Abraços,

Eduardo Camillo K. Ferreira

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Jun 29, 2016, 9:51:39 AM6/29/16
to Projeto Comum
Especificamente sobre o ponto 2:

"2. Como se dá a história da chegada do design no Brasil no cenário maior de disseminação do design para as franjas do mundo? A história do design brasileiro não corre o risco de estar olhando demais para o próprio umbigo, na medida em que se concentra somente no desenvolvimento das suas instituições de ensino e das suas associações de classe?"

Acho que a parte de olhar para o próprio umbigo é parte do processo, e ainda mais ou menos. A Ethel Leon frisa bastante que a nossa história do design brasileiro é tão precária que ainda não olhamos o básico da história das nossas instituições, que dirá relações mais profundas do nosso contexto com o global?

Um exemplo é a própria ABDI, Associação Brasileira de Desenho Industrial. O prof. Braga pesquisou ela, e seu nascimento está diretamente relacionado à vinda ao Brasil do Mischa Black, diretor do ICSID em 1963. Ele que deu a ideia e incentivou a criação de uma associação profissional aqui no Brasil. E no ano seguinte, três docentes da FAU USP foram até o congresso do ICSID na itália se não me engano, e lá tiveram contatos com a patota toda de então.

 Aparecem perguntas sobre isso quando comparamos com esse contexto maior internacional que está levantando, Kaizer, que seriam, por exemplo: "O que fazia o Mischa Black no Brasil? Ele estava justamente disseminando o design para as franjas do mundo talvez? Qual era a ideia dele?" (talvez até o Braga tenha respondido isso e eu que não lembro). 

E justamente porque nosso mapeamento é precário é que não acho que esse umbiguismo é ruim. Levantar o histórico da ABDI serve a ver em quais outros momentos houveram essas interações e projetos mais globalmente interligados.

Mesma coisa a história da ESDI. O currículo dela nasceu derivado de um currículo que o MAM-RJ pediu ao Max Bill em uma visita deste no Brasil, em 1955 se não me engano. A pergunta não é diferente: o que fazia o Max Bill aqui? Divulgava apenas sua exposição individual, ou estava mesmo pregando o design modernista por cá? Não tivesse ele vindo, que seria da ESDI ou de outros cursos? E se ele não tivesse levado estudantes do IAC para estudar em Ulm (que tenho para mim como um claro movimento da internacionalização do design deles), que teria sido da gente? 

Mas temos tantas perguntas para responder localmente mesmo, que as vezes essas outras mais gerais ficam suspensas, ou aguardando novos pesquisadores pra se debruçarem nelas. No final das contas, acho que esse olhar umbiguista são apenas o primeiro passo para um olhar mais amplo. Saber das ligações e consequências dessas relações internacionais pressupõem mapear os eventos locais primeiro, me parece. 

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Eduardo Camillo K. Ferreira

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Jun 29, 2016, 2:10:16 PM6/29/16
to Projeto Comum
Agora, sobre a questão da descolonização, me recordo que em 2012, quando fui monitor do ICDHS que aconteceu em são paulo, houve uma mesa de discussões sobre isso. Estava o próprio Margolin e outras pessoas que não me recordo, e questionava-se, por exemplo, porque o congresso ainda pedia a submissão dos artigos em inglês, e não permitia a submissão dos artigos nas linguas nativas dos seus autores. Numa posição claramente política, se sacrificaria a comunicabilidade (entre outras vantagens de revisão de pares e burocracias de um congresso academico) pela possibilidade do autor falar da história do design de seu país em sua própria lingua. Bom, estando hoje duas edições à frente, o evento resolveu permanecer com submissões em inglês apenas.

Mas esse é apenas um dos tópicos que eles no final discutem para por em prática essa inclusão mais generalizada dos outros países no design global. Outra atitude que, de fato, desde o princípio eles tentam implementar é a realização do evento em países não tradicionais para a história do design (cronologicamente, aconteceram em Barcelona, La Habana, Istanbul,Guadalajara, Helsink-Tallinn, Osaka, Brussels, São Paulo, Aveiro, Taipei, praticamente intercalando entre um evento na europa e outro nalgum outro lugar, e mesmo assim, não são países "centrais" na história do design. De fato, ainda não rolou nada na Alemanha, EUA, etc). Além das próprias temáticas de cada um dos eventos, que sempre tem um foco.

Enfim, mas essa é apenas uma iniciativa de um grupo de pessoas de um dos braços da pesquisa em design, que é a pesquisa da história do design. Ainda tem todo um outro leque de frentes que, de fato, não sei como anda e como se pautam ideologicamente. 

(desculpem responder picadinho assim, as ideias vieram em tempos diferentes. E ainda falta eu falar alguma coisa sobre o ponto 1).

Abraços

Roman Iar

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Jul 8, 2016, 6:54:44 PM7/8/16
to Projeto Comum
Pensando que a gente ainda patina com a nossa própria história nacional, não me parece tão ruim um umbiguismo, mas acho que deve haver um olhar extremamente clínico e crítico em relação aos eventos do passado e discutir um possível desdobramento futuro.

Não sei arriscar sobre um caminho para a descolonização, tenho a impressão somente que não adianta pensarmos nisso olhando para as mesmas coisas e os mesmos paradigmas, ou seja, talvez tenhamos que nos atentar para o design extra-institucional para pensar o assunto. Me parece óbvio termos um pensamento colonizado na academia e com personagens protagonistas da profissão, eles precisam ser respaldados institucionalmente, inclusive fora do brasil e que aqui isso vira uma espécie de objetivo a ser alcançado.

O meu ponto é que já temos indicativos de uma prática não-colonizada (talvez com o desejo de ser ou com algumas pessoas terceiras sempre tentando evangelizar). Penso em marcas de pequenas e micro empresas, banners de lojas, pequenas fachadas, panfletos, e por que não, posts de facebook e pequenos sites. Quem faz isso podem ser chamados pejorativamente de sobrinhos e que pra mim me interessam justamente por não fazer parte de uma prática ou pensamento respaldado por pessoas e instituições e que são completamente renegados ou menosprezados. Acho que essa posição arrogante por parte de um pensamento estabelecido pode ser explicada pela nossa história do design.

Então não adianta pensar numa descolonização se a prática não mudar e continuar os mesmos trabalhos (profissionais e acadêmicos) de destaque para poucos. Antes disso acontecer me parece que devemos ter uma desinstitucionalização.

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Roman Iar Atamanczuk
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Felipe Kaizer

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Aug 10, 2016, 6:29:33 PM8/10/16
to Roman Iar, Projeto Comum
Roman,

acho curiosa a ideia de "prática não-colonizada": como é isso? No seu exemplo, por negativa, há uma correspondência entre reconhecimento institucional e prática colonizada. Não sei se concordo: pode haver um "sobrinho" "colonizado". Ideia um pouco esquisita, porém.

Eu separaria as coisas: há um problema interno – relativo às práticas de projeto e maneira como os profissionais se distinguem uns dos outros – e um externo – relativo ao modo como os brasileiros se enxergam, como enxergam os estrangeiros e como enxergam os brasileiros que voltam do estrangeiro. A "descolonização" remete ao segundo problema. A "desinstitucionalização" ao primeiro.

Concordo, no entanto, quando você enxerga uma conexão entre os dois problemas. A "elite" brasileira – de qualquer meio profissional, na verdade – superestima o que vem de fora. Isso pode ser o resultado de séculos na condição de colônia; durante bom um tempo era verdadeira a impressão de que os itens importados eram melhores  que nacionais. Em algum casos, sequer havia alternativa à importação. Isso valeu também para gente e para tecnologia.

O caso da desinstitucionalização é bem mais complicado. É difícil precisar o que ela seria: trata-se da destruição das instituições? Se não, é só o caso de aprender a ignorá-las? Mas então, o que muda?

Antes, é preciso uma análise do papel dessas instituições no meio do design brasileiro, e a relação que ela mantêm com os diversos públicos. Pelo que eu percebo, há pouco conhecimento sobre o assunto. Há falta de transparência e de interesse. Em geral, designers, não-designers e quasidesigners não sabem o que as instituições fazem; a fim de que elas existem. Alguém poderia atribuir esse fato a uma falta de "consciência de classe", mas tenho dúvidas. Faltam na verdade estudos, pesquisas, matérias que disseminem os feitos e as falhas das instituições. Além disso, sem fala pública, elas equivalem a grupelhos que defendem unicamente os interesses dos seus poucos membros. O dilema para uma instituição é como tornar-se representativa para além dos próprios muros.

Mas isso é sobre as instituições formais, com nome e endereço. Existem também "instituições sociais", bem mais difusas, porém não menos impositivas. Talvez até mais impositivas.

Tenho dificuldade de imaginar as instituições formais e sociais do design no Brasil. Poderíamos tentar esse exercício de listá-las e descrevê-las minimamente. Desconfio que as instituições formais não correspondem exatamente a essa elite a qual você se refere frequentemente.

Abraços,
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Felipe Kaizer

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Aug 13, 2016, 12:39:01 PM8/13/16
to Roman Iar, Projeto Comum

Agora as coisas me soam um pouco mais estranhas. Em alguns momentos o "guia rápido" se reduz a um manual do politicamente correto; em outros, parece desautorizar antecipadamente um suposto interlocutor (como no ponto 5c). É preciso tomar cuidado para não criar quintanas. Além disso, o texto não explicita a polêmica: assume-se que o leitor está acompanhando o assunto (isso é uma forma de olhar para o próprio umbigo?). Como tenho discutido com o Roman, acho extremamente problemática a posição que decide sobre a autenticidade ou não do discurso alheio. Não acredito que um check list seja capaz de dissipar o preconceito ou de fazer crítica: pode-se ofender com as atitudes corretas, e pode-se demonstrar compaixão com as palavras erradas. Em última instância, tudo depende dos envolvidos e das circunstâncias. Não vejo como erigir um conjunto de regras gerais, que possa normatizar as relações. O impasse representado pelo outro permanece, bem como a dificuldade de ouvir e ver aquilo que não se harmoniza com as nossas expectativas.

Abraços,
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