Oi Rafael,
eu conhecia o Cybersyn pelos livros do Gui Bonsiepe, que trabalhava para o governo chileno na ocasião. Ano passado o assunto veio de novo à baila durante as discussões com a curadoria da 32ª Bienal: um dos curadores tem um interesse especial pelo projeto. É capaz de aparecer na exposição.
O Bonsiepe trabalhou especificamente no projeto da sala de controle (ou melhor, na "interface [da] sala de gestão cibernética"), que eles chamaram de Opsroom. Ele dedica um capítulo do livro Design: como prática de projeto a isso.
Para além das questões de interface que ele levanta, acho que o caso importa mais justamente por isso que você indicou: possibilidades e limites de uma concepção participativa de projeto. À primeira vista, uma sala com sete cadeiras não inspira um processo democrático de tomada de decisão, mas, como o Jacobin alerta, essa pode ser uma impressão equivocada (que serviu de munição aos críticos liberais). De todo modo, se for para evitar um certo anacronismo, é preciso lembrar que a economia planejada era de fato, em contraposição à economia de mercado, a solução socialista por excelência para os problemas de política econômica, e isso sempre envolveu um dose de centralização. Acredito que isso norteava os bem- e mal-intencionados: era preciso tomar as rédeas do país num período de transição, do capitalismo para o socialismo, através de uma espécie de capitalismo de estado.
Acho bom quando o texto explicita o caráter gerencial do projeto: é um lembrete para o modo como essa "filosofia" se estende aos extremos do espectro político, quase sem rival. Como todo planejamento gerencial, o governo chileno, em concorrência com os demais países, iria provavelmente ser obrigado a estabelecer metas de performance crescentes, o que, por fim, não é muito diferente da gestão de empresas e das políticas de estado atuais. Resta a dúvida de quanto a voz do chão-de-fábrica seria ouvida. (Você percebeu pelo artigo uma possibilidade de participação democrática?)
Sobre as questões tecnológicas, silencio. Não tenho muito a acrescentar.
Antes de terminar, um trechinho do livro, que informa um pouco melhor sobre os conceitos envolvidos no projeto, oriundos da cibernética e da teoria da informação:
Stafford Beer e seus colaboradores pretendiam desenvolver […] um instrumento para a gestão econômica flexível, descentralizada, dinâmica e, sobretudo, interconectada, que diferia das até então conhecidas técnicas socialistas do planejamento centralizado. Também deveria superar a contradição entre autonomia e controle (control no sentido inglês). Para isso Stafford Beer recorreu a uma tese de Norbert Wiener e Claude E. Shannon, segundo a qual, fenômenos complexos podem ser compreendidos como sistemas, cujo comportamento pode ser extrapolado mediante a análise de linhas de tempo, podendo-se aplicar em previsões, independentemente de serem previsões do tempo, cotações na bolsa ou estatísticas de produção. Simplificando ao extremo, era necessário responder a duas perguntas: primeiro, quais são as informações que uma equipe de planejamento e gestão precisa para tomar decisões apropriadas [ênfase minha] para a política econômica; e, segundo, como comunicar essa informações? Na literatura sobre os sistemas de controle anteriores à cibernética pode-se ler:
Estimulados por Norbert Wiener após a Segunda Guerra Mundial, não só engenheiros como também economistas, antropólogos e cientistas sociais retomaram as teorias sobre retroalimentação, estabilidade e sistemas interconectados aplicando esses conhecimentos a qualquer outra área, da ecologia global ao tráfego urbano. O que eles compartilhavam era não tanto uma determinada metodologia ou teoria, mas sim a ideia de que diferentes aspectos do mundo podem ser compreendidos como sistemas e podem ser modelados como processos de fluxo, de retroalimentação e de interações homem-máquina. A terminologia da retroalimentação, do controle, da comunicação e da informação revelou-se muito flexível e adaptável. [Mindell, David A. Between Human and Machine – Feedback, Control, and Computing before Cybernetics. Baltimore, London: The John Hopkins University Press, 2002, p. 316] – pp. 194-915
Talvez mais em função dessa matriz teórica do que em função da visão-de-mundo da época, o projeto é totalmente circunscrito à lógica da resolução de problemas, típica da ciência da computação (vide "homem-máquina"): a produção do país é vista, consequentemente, não como um local para o surgimento de relações e produtos sociais inéditos, mas como uma tarefa a ser vencida diariamente com vistas a mera sobrevivência da população. Posso estar sendo dramático, mas a minha pergunta é: que modelo de desenvolvimento está em jogo nesse tipo de gerenciamento? É o modelo do progresso econômico, do crescimento do PIB?
Acho que a contraparte desse caso – para ficar no mesmo país – é dada pelas discussões em torno de uma ideia de desenvolvimento social distinta do progresso econômico na
Cepal, da qual participou o Celso Furtado sob a direção do Raúl Prebisch.