Trabalho não remunerado, Concorrência especulativa e a Condição do autônomo

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Felipe Kaizer

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Jan 14, 2016, 10:16:08 AM1/14/16
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Hoje cedo encontrei isso:


Falar em "trabalho especulativo" é falar também em poder de barganha. Não acredito que o apelo à moral dos clientes seja uma saída para esse tipo de impasse: se uma das partes (contratante ou contratado) puder explorar à outra, é quase certo que irá fazê-lo. É um pouco o paradoxo da cobra, que o Adriano sempre cita: "Por que a cobra me picou? Porque ela pode."

O problema, portanto, não é que os novos clientes queiram contratar/agenciar sem pagar, mas que os contratados não encontrem outra saída senão concordar – e no limite se oferecer para trabalhar de graça – , sobretudo quando se trata de freelancers, que estão atomizados, e portanto destituídos dos poderes que uma organização traz. O profissional autônomo tende a ser o mais vulnerável no mercado de jobs, sobretudo porque, isolado, vive a competição potencial de todos contra todos, e o risco sempre presente de que alguém derrube o preço da hora de trabalho. O fantasma que surge dessa conjuntura é o sobrinho: alguém que em algum lugar solapa nossas condições de remuneração. Por outro lado, há quem que diga que as tabelas comuns são uma saída, mas, fora o problema da heterogeneidade do custo de vida no Brasil, há também uma dimensão qualitativa do trabalho que é impossível tabelar. Outros prestadores de serviço (eg. gráficas) costumam passar bem sem esse recurso.

Talvez a natureza do problema – e consequentemente a saída dele – seja mais complexa; talvez seja um problema cultural, que não pode ser resolvido de um dia para o outro, com o mero estabelecimento de normas. Talvez seja preciso mais de uma geração. Ainda assim, essa queixa não é de hoje; e a tensão entre contratante e contratado não é exclusividade dos designers…

Adriano Campos

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Jan 20, 2016, 12:09:12 PM1/20/16
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É estranho pensar que seja cultural se o texto cita o mesmo problema na américa do norte (apple/rand e agência canadense do vídeo) e aqui (fluminense). E o Leo Eyer, que é mundialmente conhecido (sic) como o Rand não são exatamente uma boa amostragem do design. Mas o caso do Fluminense é bem preocupante, pois o cara "melhorou" o logo de uma bebida baseado em uma aplicação específica dela (camisa), passando por cima de qualquer pensamento que a empresa tenha. É o designer-deus que de tudo sabe e com seu toque de Midas faz tudo funcionar melhor. Do ponto de vista de classe, ele atrapalha muito mais desconsiderando o trabalho dos designers desenhistas da marca original que fazendo o logo de graça.

e me corrija se estiver errado, mas não é o primeiro logo que esse Leo Eyer se oferece para arrumar né?

O vídeo da agência canadense compara produto e serviço, o que é um problema. Mas o engraçado é que o mercado age com muita tranquilidade com amostras grátis. O mercado é cheio de ações desse tipo, inclusive alguns produtos é normal se pedir uma "prova". Muitos autônomos oferecem visitas de atendimento grátis.

Me coloco aqui no lugar do cliente, que não tem ideia do que está comprando. Ele comprou o designer, não o que sair dele. O cliente deveria poder ligar para o Procon e dizer que se sentiu mal atendido por um designer? O que protege o cliente de um mal serviço? Existem leis específicas para proteger o usuário de maus produtos e serviços.

E sobre trabalhar de graça, tenho pra mim que nem todo pagamento é em dinheiro. E já fiz muita coisa de graça para amigos e não me senti atrapalhando a classe.

e pra referência, o logo da camiseta é assim:
http://www.otricolor.com/thumbs.php?w=400&imagem=images/noticias/7565/a889.jpg

um abraço

Adriano Campos
+ 55 11 969 964 692

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Eduardo Camillo K. Ferreira

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Jan 20, 2016, 1:27:54 PM1/20/16
to Projeto Comum
Que doidera esse negócio do Fluminense...! O princípio do redesign foi: ficar bonito na camisa do Fluminense. 
Em nível exponencialmente mais bizarro, se compara ao que uma galera costuma fazer que é redesenhar porque-sim algo que eles não gostam. Temos exemplos que ficaram bem famosos, como o logo e produtos da microsoft em quatro dias

Houve nessa mesma época o lançamento do iOS6, e lembro N pessoas no dia seguinte publicando no Dribbble o redesign de alguma coisa do sistema. Me marcou esse artigo aqui, que o cara sugeria um outline no botão porque botão branco sobre fundo branco perdia a forma do botão. E ainda saiu pouco depois disso um texto (que acho que a Beatriz havia me passado) que era algo como "Stop redesigning things you were not ask for" ou qualquer coisa do tipo (esse eu não consegui recuperar o link), que era uma crítica a essa galera que escolhe alguma coisa, redesenha e posta na internet ou no dribbble, como se estivesse resolvendo o problema do não-cliente como um favor (caso do nosso amigo do fluminense).

Daí para ver como a coisa não melhorou muito, entrando no Dribbble e procurando por "ios redesign", temos uma pá de resultados. Ou mesmo por "gmail redesign". Flickr redesign. Dolar redesign. Etc etc etc...

Não sei o quanto isso colabora com a cultura de "faz um layout pra mim e vemos depois se fechamos negócio". E observando por contraste, não sei se na cultura de programadores ter um monte de código aberto ajuda a chegar gente falando "programa esse negocinho pra mim e se eu gostar, falamos de continuar o projeto" (entre a comunidade, quem produz código aberto é bem visto, mas não sei o que faz para o mundo). Talvez porque "programar" seja uma caixa preta, a coisa é diferente: programar é uma coisa de E.T.s, enquanto mexer no photoshop até dá pra aprender nas horas vagas. Se for isso mesmo, a coisa de cultura é importante, e aquilo que estavamos falando noutro post das diferenças de um designer artista de um designer analista esbarra aqui em fazer-se ouvido pelo que o design trás para o negócio (e nesse sentido, grande des-serviço que o Leo Eyer faz ao propor um redesenho estético pra camisa do flú).

Por fim, retomando o Paul Rand, lembro-me de algo semelhante com a HP. Um escritório fez o redesenho da identidade e sugeriu que deveria haver um logo novo. Até publicaram no site deles. O site do logobr depois falou com a agencia e perguntou se o projeto era oficial, e eles responderam isso pra ele: 

Sim, todo o trabalho é oficial. Nós trabalhamos com a equipe da HP a partir de 2008 até o início deste ano. Por favor, observe que o trabalho sugere a direção criativa da marca, a decisão de implementar agora é com a HP.

Eduardo Camillo K. Ferreira

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Jan 20, 2016, 1:29:21 PM1/20/16
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ERRATA: entre o primeiro parágrafo e o segundo:

"Que doidera esse negócio do Fluminense...! O princípio do redesign foi: ficar bonito na camisa do Fluminense. E em nível exponencialmente mais bizarro do que se comparado ao que uma galera costuma fazer que é redesenhar porque-sim algo que eles não gostam..."

(quero dizer que é mais bizarro o caso do fluminense).



Felipe Kaizer

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Jan 20, 2016, 5:31:31 PM1/20/16
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Esse caso do Fluminense é exemplar de más práticas (condenáveis inclusive, se não me engano, pela própria ADG). Por ora não sei mais o que dizer.

Agora, não quis com "cultura" dizer com "cultura nacional" – como se sugerisse uma grande diferença entre o Brasil e os outros países –, mas algo como "cultural de trabalho", "práticas comuns", aquilo que se faz de praxe, aquilo que naturalmente se espera… Já existe uma cultura (um costume) de não pagar as primeiras horas de trabalho de um profissional, postergando assim o compromisso. Essas horas não pagas não são o mais preocupante – praticamente todo mundo já trabalhou de graça em algum momento, e eventualmente compensou esse prejuízo de alguma forma –, mas que tipo de outras práticas podem surgir com essa prerrogativa. Para mim trata-se claramente de um cabo de guerra entre contratante e contratado. Esse tipo de atitude reduz um décimo (talvez um centímetro) do espaço para negociação do segundo.

Ao contrário do Adriano, não vejo muito dificuldade em comparar produtos e serviços; teoricamente podemos reduzir os dois ao tempo médio de trabalho envolvido. Cada setor tem uma cultura própria: um técnico de máquina de lavar pode cobrar a primeira visita enquanto uma sorveteria pode dar uma prova de todos os sabores para os clientes. A questão aqui é que alguns designers estão incomodados com essa prática: por que? faz sentido? É como se eles não estivessem minimamente no controle do serviço que prestam. Meu palpite é de que isso pode ser encarado com o resultado do conflito de interesses inerente à toda contratação, mesmo antes que ela ocorra.

(O que também está implicado no termo "cultura" é o fato de que, uma vez estabelecida, é quase impossível que o indivíduo se recuse a seguí-la. No exemplo dado, o designer será obrigado pelas forças do mercado de trabalho a oferecer uma amostra grátis.)

Complementando os vários exemplos do Edu, vale a pena lembrar de sites como o WeDoLogos, o Sollide e o Fiverr. Lembrando da entrevista do John Maeda em outro tópico, dá para entender como toda ênfase do design como criação de look and feel desagua nesse mar de mesmice.

(Com exceção deste! rs)

Queria entender melhor o caso da HP; ainda não consegui ler os links. Assim, rapidamente, dá pra dizer que a Moving Brands estava claramente tentando emplacar um case. Até onde eu sei, é comum esse tipo de coisa nas agências de publicidade: topa-se trabalhar pro bono com vistas a algum prêmio ou divulgação, que possa dar retorno na forma de exposição da agência, que legitima e abre as portas para outras oportunidades de negócio.

Agora, é apelação dizer para a HP que "your brand is fragmented". Qualquer empresa desse tamanho, com esse tempo de estrada e esse volume de produção se fragmenta! A raridade das exceções confirma a regra (Apple sendo o caso mais explícito) [Queria ouvir um comentário da Tati sobre isso.] Não é por acaso que o Otl Aicher tinha um escritório inteiro dedicado ao desenho da comunicação das Olimpíadas de Munique, do chaveiro à sinalização dos estádios. A concepção é a menor parcela do trabalho de identidade visual; a maior parte é o mero controle das manifestações da marca.

Felipe Kaizer

felipekaizer.com
skype: felipekaizer

Eduardo Camillo K. Ferreira

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Jan 28, 2016, 10:26:52 AM1/28/16
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Felipe Kaizer

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Jan 28, 2016, 1:12:52 PM1/28/16
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Acho que "aesthetic Porn" descreve bem.

Mas não admira que isso esteja/continue acontecendo: pense nos exercícios de formação de um designer gráfico. Ele é levado a solucionar problemas de maneira útil? Sim, mas também de maneira "criativa", "nova", e esse é o critério derradeiro segundo o qual o exercício é julgado. Ele deve provar possuir "gosto". Pouco vale a reutilização de uma solução para o mesmo problema: "Do we need another weather widget? There are 1000s similar shots to this one." A própria bibliografia curricular é pornográfica – vide Hollis.

Nesse caso, acho que existem duas maneiras de olhar para o problema:

1. A estética é fundamental, e as investigações em linguagem visual devem continuar. O modelo é a da "progressão dos estilos", fruto de um certo historicismo. Livros como o do Meggs sofrem desse mal. Mesmo a maioria dos livros de história da arte falha em oferecer uma visão do acontecimento estético mais como fenômeno e menos como categoria (de objetos, de atributos, de classes, de sujeitos, etc). 

2. A estética é secundária, e o uso deve nortear as escolhas. Um problema só merece atenção quando ele aparece; até sigamos com as formas que temos. Algumas ocasiões oferecem naturalmente resistência à mudança. Um exemplo é a forma do livro/códice: se descontarmos a ornamentação e o desenvolvimento incremental dos materiais e processos, houve pouca inovação em mais de 500 anos.

(A visão alternativa é aquela que reconhece o direito pleno do designer como artista, que impõe a si mesmo seus problemas a resolver. Não considero que nessa rodada essa carta esteja na mesa.)

Essas duas visões levam em conta a estética, mas a primeira é interior, olha de dentro. Foi o que tentei falar em outro tópico sobre a natureza do fenômeno estético: mesmo os defensores das "investigações de linguagem" não conseguem dar conta do fundamento frágil dos argumentos sobre o belo e sobre o gosto. Falta-nos o vocabulário para descrever o que está em jogo. E essa falta se manifesta na proliferação da mesmice, que promove nossa indiferença diante de tudo que se diz "novo". Em outras palavras, simbolicamente, o Dribbble fracassa sob os dois pontos de vista.
 
Abs,

Felipe Kaizer

Roman Iar

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Feb 8, 2016, 11:32:19 AM2/8/16
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Pra mim a primeira visão traz o problema gigantesco de operar a história do design similarmente ao da história da arte que é imprecisa, pobre, enviesada e geralmente centrada na progressão formal. Lembrando também que a tradição da história da arte começa com o Vasari, cunhando o termo artista e renascimento, e escrevendo um livro sem nenhuma base histórica (é um livro escrito na base do boca-a-boca e fofocas praticamente), fico pensando ainda se o 'vida dos artistas' não foi um projeto encomendado pela família Medici (dei uma pesquisada e não encontrei, no entanto Vasari dedica o livro para Lorenzo de Medici) para respaldar as escolhas políticas e estéticas daquele momento em Florença e que estamos levando por mais de 500 anos na mesma lógica tanto filosoficamente; por parte de críticos, historiadores e etc, quanto politicamente; por parte de donos de empresa, galeristas, museus e afins.

A segunda visão me parece mais sincera, mas vou além, talvez a estética nem precise entrar no jogo! Talvez esse seja o grande turning point. Explico: por entender minimamente o processo projetual envolvido com design eu posso começar a projetar sem precisar de um lay-out formal, em outras palavras eu posso simplesmente administrar o projeto. E digo isso pela frustração do cliente sempre ter a palavra e a decisão final geralmente passando por cima da minha ~opinião de especialista~. Acho que nosso problema atual (um dentre muitos) é o gerenciamento. Então a bem da verdade, cada vez mais me importo menos com o resultado formal final dos trabalhos e me preocupo (ou gostaria de) mais com um bom gerenciamento que inclusive pode melhorar esse resultado prático de inúmeras maneiras, seja econômico, estético ou político. Mas parece que esse é o discurso em voga (como o Kaizer delineou bem na última resposta do Design e negócio), da moda e começo a pensar se isso não está errado. Apesar do discurso, parece que não pedem isso da gente, pelo contrário, os empresários e gerentes querem as coisas do dribble, nesse sentido ele não falha em nada. Qual é a espectativa do mundo em relação a nossa profissão? O discurso do gerenciamento, sustentabilidade, usuário é só uma curva em relação a forma, não? É só um discurso interno da profissão me parece.

E Kaizer, para mim essa falta de vocabulário é natural, esse discurso filosófico em geral pertence a arte, não ao design, acho que nosso vocabulário deveria ser muito mais próximo da sociologia.

Acho que meu ponto com a sociologia e a anedota do Vasari é que o design ser formal e operar pelo viés da história da arte é de algum interesse para alguém, não me arrisco a dizer quem, mas vai muito pelo modo do bullshit jobs e do amor ao trabalho. O design tem que ser especial e eu tenho que ser especial trabalhando com isso. Ditar cultura visual, ter uma pesquisa formal e querer salvar o mundo são sintomas disso.
Fora que a sociologia poderia colocar nossa profissão na perspectiva capitalista atual e se afastar do pensamento dribble e arte mas com um potencial prático enorme de aí sim mudar as coisas via gerenciamento.
Roman Iar Atamanczuk
http://romaniar.com.br
con...@romaniar.com.br
skype - roman.iar

Felipe Kaizer

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Feb 11, 2016, 10:54:25 AM2/11/16
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Oi Roman,

se não me engano, seu comentário sobre o Vasari se vale bastante do programa do Andrew Graham-Dixon pra BBC. Além dele, vale a pena mencionar os comentários do Georges Didi-Huberman sobre Vasari e a ascensão social do artista no "Diante da imagem". Um trechinho:

[…] tratava-se para Vasari de invocar a constituição de um corpo social, um corpo social já enobrecido pela operação histórica do livro, mas também pela criação em 1563 da Academia florentina das Arti del disegno, que consagrava definitivamente o ofício de artista como "arte liberal", longe das corporações medievais e do artesanato servil." – p. 76

A análise do Didi-Huberman é simultaneamente estética e sociológica; ele vai chamar atenção para o frontispício do livro, que faz referência à profecia de Ezequiel no Velho Testamento (Ez 37: 1-10), dos ossos que levantam do chão e ganham corpo novo (originalmente, o corpo da comunidade de Israel): essa seria a imagem para a imortalidade do novo ator social, o artista. O discurso legitimador do Vasari é, sem tirar nem por, a matriz argumentativa em prol do estabelecimento social da figura profissional do designer no século 20: o "Pioneers of Modern Movement" do Nikolaus Pevsner – simplesmente o livro mais lido entre os estudiosos do design – é estruturalmente idêntico ao "Vidas dos artistas".

Daí você pode inferir com segurança porque o livro foi escrito: para legitimar os artistas aos olhos das classes dominantes. Foi preciso criar um história de glória e eternidade que afastasse os artistas da realidade mecânica da sua prática (lembremos do Sennett); uma história que dignificasse os donos das mãos sujas. Essa mesma lógica continua em vigor (vide Jeff Koons). Outro livro do Pevsner, sobre a história das "Academias de arte", confirma quase sem querer o plano de ascensão social do artista.

Concordo, portanto, que é arriscado falar do design em termos da estética como a história da arte a entende: como um acúmulo e uma progressão de "descobertas", defendendo invariavelmente o trend mais recente como mais avançado, digno, valioso ou belo. Mas – repito – não acredito que isso nos impeça de ter um olhar desinteressado para os produtos da prática dos designers: podemos fazer julgamentos estéticos válidos (o que não quer dizer que eles sejam determinantes). Tenho para mim que o único modo de fazer isso é através de uma linguagem fenomenológica.

E a segunda visão, de fato, tende a retirar a estética do primeiro plano. (Ainda que ela continue no plano de fundo, como algo dado e irrefletido.) O paradigma são os projetos saídos da HfG Ulm, em que o uso é era o fundamento não só do desenho dos projetos, mas de uma parametrização das formas de produzir-distribuir. A contraparte de Ulm são os projetos de Papanek, por exemplo: mais radicais na escolha dos "problemas a serem resolvidos" e na resolução formal. O uso (e o usuário) em ambos os casos, no entanto, valem como vaca sagrada. São tabu.

Agora, a defesa do projetar em termos de gerenciamento é uma terceira maneira de olhar para a questão. Não acho que seja possível transpor facilmente do uso supostamente visado pelo ciclo produtivo para o gerenciamento de estruturas de produção, distribuição e consumo. De imediato, o gerenciamento impõe-nos outra linguagem.

A primeira pergunta que eu faço é: o que se gerencia? A resposta maldosa é: um ciclo produtivo ad infinitum, contraditório, com consequências sociais e ambientais nefastas. Administra-se o desastre, por assim dizer (e "administração" é uma tradução para management, assim como "gerenciamento").

A segunda pergunta é: qual a função do gerenciamento? Outra resposta maldosa pode ser: impedir que as coisas mudem. O gerente é responsável sobretudo por manter a produção/operação em ordem. Por isso o discurso da inovação, em muitas acepções, tem sido advogado como uma revolução administrativa: como se um conjunto de técnicas de processo criativo – agrupadas sobre a alcunha de Design Thinking –, quando aplicadas a outros setores da produção (como o administrativo), pudesse gerar uma súbita explosão de crescimento e uma superação mágica da concorrência. Quando você fala no designer como gerente (ou o gerente como designer), a imagem de vários Post-its na parede me veem à mente. (Nota: numa paranoia conspiratória poderíamos pensar que o Design Thinking foi uma mera invenção da 3M pra aumentar as vendas de Post-it).

Eu acho que precisamos atentar para não cair numa nova armadilha armada pelo discurso do gerenciamento e da eficiência – uma armadilha na qual infelizmente o Stolarski parece ter caído. Em poucas palavras, não é possível dissociar as benesses do sistema capitalista de produção (a eficiência e o dinamismo da indústria, sua capacidade de crescer e de acelerar os progressos tecnológicos e organizacionais, etc) das suas contradições (a precarização e alienação do trabalho, a concentração de renda, a exploração dos recursos humanos e naturais, etc). Uma classe de designer-gerentes, em posição mais decisiva na cadeia produtiva, nada mais vai fazer do que garantir o desenvolvimento do sistema atualmente em vigor, dedicado a reprodução sem limites do capital. Os mais esperançoso apostam em um cargo nas empresas públicas, que possa contribuir para a sua eficiência, mas isso, no final das contas, é capitalismo de Estado – o estágio que a teoria revolucionária encara como mal necessário, como intermediário.

Por outro lado, acho que a linguagem sociológica ajuda a traçar um cenário mais realista da nossa situação, mas tenho dúvidas se ele consegue oferecer elementos para pensarmos alternativas. Arrisco imaginar que existe um problema político no coração desse problema social, que vai além da questões de identidade profissional. Em suma, nós precisamos repensar radicalmente o que significa trabalhar, produzir, consumir, e isso não será feito no espaço de uma geração apenas. Há uma crise sobretudo das categorias de pensamento.

Mas tenho esperanças como você: existem coisas que desenvolvemos como praticantes de projeto que podem ajudar nas novas formas de organização que precisamos desenvolver.

Abraços,

Felipe Kaizer

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