Beleza,
dá tempo de discutirmos entre nós para vermos se há algo em comum entre as questões dele e as coisas que temos discutido.
Ainda não consegui ler o trabalho, o que me deixa receoso de falar. Mas acho que vimos algumas coisas na banca, sobretudo na fala do Braga e nas respostas do Guilherme. O ponto central do trabalho, se entendi bem, é espinhoso: tem a ver com a relativização da ideia de emancipação sobre qual se baseiam algumas práticas e escolas de design. Isto é, ele destrona a ideia de autonomia, retira-a da sua posição absoluta, fazendo perguntas constrangedoras ao seu fundamento. Não posso falar do método e das questões formais da escrita, mas sugiro gastarmos um pouco de tempo em cima desse argumento.
Me parece que "bater" no racionalismo utópico e idealista das escolas alemãs é o mesmo que chutar cachorro morto. É óbvio que a maioria de nós e dos nossos amigos saiu da faculdade com ideais altos e cheios boas intenções; bem ou mal, esposamos essa ética. Alguns de nós enxergaram a missão civilizatória do design no campo da linguagem visual (falamos em "cultura" e "alfabetização" visual), outros na dinâmica socioeconômica que visa o bem estar dos cidadãos (nos aglomerados urbanos, mais exatamente) através do desenvolvimento de produtos e serviços "responsáveis", "inteligentes", "sustentáveis", como o queira. Mas o cachorro está morto: a efetivamente desses ideais é motivo de suspeita para todo mundo, sobretudo para o defensores mais apaixonados, que bradam aos quatro ventos justamente aquilo que eles não encontram ao seu redor.
Diante disso, o comentário do Braga fez sentido: o Bonsiepe é inatacável nos seus próprios termos; ele só se esqueceu de "combinar com os russos", da política e da indústria. O político precisa mobilizar e convencer, de acordo com planos nem sempre explícitos, enquanto o industrial precisa fazer o dinheiro virar mais dinheiro atochando o mundo de coisas. O designer responsável é o amigo que chegou tarde na mesa de bar e pegou a conversa no meio. É um sujeito simpático, só quer ajudar.
Ou seja, estendendo a metáfora além do aceitável, o designer não sabe com quem está bebendo. Eu vejo isso na situação das escolas ditas fundadoras: a Bauhaus não acabou por causa do nazismo (assim como a arquitetura modernista brasileira não acabou por causa da ditadura). O fim já estava anunciado na Werkbund. O fim da HfG Ulm anos mais tarde comprova essa fragilidade interna do grande projeto industrial. Morris e Ruskin tinham diagnosticado um problema, mas o prognóstico deles e de outros (esteticista, modernizante, progressista, materialista...) deu água. E hoje, com o poder de fogo da tecnologia, se aplicados os planos civilizatórios que o design defendia, a nossa vida no planeta vai para as cucuias. "A terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal." Não vivemos só o empobrecimento da experiência do pós guerras mundiais; corremos risco de vida.
Logo, é muito para exigir de um trabalho de graduação. É muito também para exigirmos de nós mesmos. Uma crítica do critério de autonomia à base das concepções universalistas do desgin, aponta naturalmente para fora do design: para o mundo da técnica, para o legado do Iluminismo, para a teoria política. Uma crítica ao mundo do trabalho onde o design está inserido – como estamos rascunhando nos últimos meses –, aponta para forças socioeconômicas que mal conhecemos. Como o design pode contribuir nesse debate com seus próprios termos? Não faço ideia. Estamos na aba da cerva.
Resta-nos então a consciência, que tem um gosto um pouco amargo, como nas respostas à banca: estamos no impasse, sabemos do impasse, sentamos no impasse, esperando alguma coisa acontecer. Parar no impasse, assumidamente, me parece ser o imperativo ético que o Guilherme defende agora; sem planos de ação. Mas eu me pergunto: paramos mesmo? Trabalhando de nove às seis, sabemos mesmo?
Sinto que podemos encontrar obstáculos parecidos com os do Guilherme: como o de se defrontar com questões muito superiores às nossas perguntas iniciais. Quando questionamos nossa vida como profissionais, somos levados, pelo próprio questionamento, à nossa condição de cidadãos e laboradores. Dá para segurar essa bronca? Como nos autorizamos a continuar?