Desde
que somos pequenos, muito pequenos até, feito crianças, vivemos sendo
alimentados por sonhos ou ilusões. Sonhos, pelo tamanho de nossas
certezas. Ilusões, pela dimensão ou vastidão das dúvidas. Gastar-se a
vida, melhor dizendo, construindo-a para dirimir dúvidas é o sentido de
todo homem, pois poucos suportam tê-las por perto, uma vez que convivem
com elas bem dentro de si, de modo angustiante. Grande parte de nós
passa a vida toda por força das ilusões, e ai de nós se não fossem elas,
já teríamos tornado a vida um fardo de existência sem igual. Com as
ilusões, a vida mescla dois sabores, um amargo da realidade, e o outro
doce das perfeições e ilusões verdadeiras. As ilusões, assim,
proporcionam à vida um sabor agridoce.
Quando
Deus criou o homem e a mulher no sexto dia, conforme nos contam as
narrativas bíblicas do Livro do Gênesis, e viu que tudo que havia criado
era muito bom, entregou às mãos do ser humano o poder de dominar sobre
tudo, sobre animais silvestres e répteis que se arrastam na terra,
enfim(Cf. Gn. 1.26). A forma como Deus age nesse instante da criação
parece autorizar o ser humano a possuir voluntariamente uma primeira
ilusão, a de dar nome e dominar a terra e tudo o que há nela. A partir
daí, começa-se a conjecturar que a saga da ilusão humana de crescer e
multiplicar-se por conta própria, achando que tudo é seu, parece tomar
conta de seu ego. A emancipação da autonomia do homem aqui é, sem dúvida
uma doce ilusão que cai por terra justamente com o pecado. Mesmo assim,
sendo da terra até a raiz, o homem não se contém em fazer valer esse
mandado divino de marcar, nomear todos os seres, segundo seu bel prazer.
A
soberba humana e racional de achar que tudo é seu se radicaliza ainda
mais e ganha corpo, à medida que o homem se emancipa da natureza e
atribui valor às coisas. As relações de troca com as coisas, os negócios
comerciais de compra e venda de mercadorias para o enriquecimento
próprio e não para sobrevivência e manutenção da vida, a busca ilimitada
pelo lucro e acúmulo incomensurável de capital, a hipoteca social, o
direito à propriedade, enfim, fazem do homem um mero possuidor de coisas
alheias, que não são suas, mas lhe foram dadas.
O
tomar para si o que não é seu por natureza, prova disso é que se morre e
as coisas ficam, transforma o homem e tudo à sua volta numa mera ilusão
de propriedade. Ser proprietário de algo nesta vida é pura ilusão. Mas,
quem não vive com ela? Uma dura ilusão que nos come por dentro é o
desejo de se tornar igual aos outros. Quantos não sonharam com
realidades perfeitas, tomando o real por ideal! Olhem que não foram
poucos. Lembrem-se de Thomas More no seu livro “Utopia”, Platão em “A
República” e, na mesma direção, Campanella em “Cidade do Sol”, bem como
Agostinho em “A cidade de Deus”, todos viveram movidos por suas ilusões
de um lugar perfeito, de realidades ideais e inalcançáveis, de ilusões
irrealizáveis, mas que nem por isso, deixaram de sonhar em
concretizá-las. Quanta força há nas ilusões!
As
obras e personagens reais mostrados acima declaram afirmativamente o
peso da força das ilusões em nossa vida, assim como as palavras do
filósofo alemão F. Nietzsche: “A vida tem necessidade de ilusões, isto
é, de não-verdades tidas por verdades... Devemos estabelecer a
proposição: só vivemos graças a ilusões”.
Se
a ilusão pode ser entendida no horizonte dos sentidos, da mesma feita
vem lida aqui na perspectiva da vida. A verdade é que estamos sempre
cheios de ilusões para mover, muitas vezes, a nossa triste, crua e dura
realidade.
No
decorrer da história, criamos direitos e deveres legais para aplicar
socialmente a ânsia de igualdade que há em nós, mesmo contra toda a
correnteza de injustiças e de capitalização das riquezas naturais e
materiais que costumam trair também essa ilusão de igualdade. Em tese, a
igualdade existe por ser constitucional, mas na prática é uma tremenda
ilusão.
Como
contraponto de toda cultura material capitalista, teima em prevalecer,
insiste em existir no homem, a sede de transformação do mundo, oriundo
da ideologia cristã ou da fé cristã, de que é preciso viver em comunhão,
pondo tudo na mesa da partilha, como irmãos uns dos outros, numa união
profunda de "todos com todos" para servir e amar - diferentemente da
ideia de "todos contra todos" de Thomas Hobbes no "Leviathan"-,
perseverando no desprendimento pessoal de que nada é seu, mas tudo é de
Deus, num movimento ascendente que eleva a todos.
Portanto,
as ilusões, por não se concretizarem, não quer dizer que não existam e
não sejam verdadeiras, mas justamente por serem fortes e contundentes em
suas ideias é que as ilusões, de fato, existam e sejam verdadeiras, a
ponto de nos alimentar diariamente com o doce sabor de viver, o que
também não passa de uma ilusão.
Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva,
Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Especialista em Metafísica.
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