Saúde mental e redes sociais

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Jorge Mayer

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May 16, 2023, 6:31:17 AM5/16/23
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https://observador.pt/opiniao/saude-mental-e-redes-sociais

No LinkedIn ou no Instagram várias pessoas criam uma ilusão de sucesso
que não tem qualquer projeção no que é a sua vida profissional ou
pessoal (com o que isso implica de destruição da auto-estima).

16 mai. 2023, 00:17

“Don’t let the noise of others’ opinions drown out your own inner
voice.” (Steve Jobs)

Recorrentemente, somos confrontados com notícias que mostram que
Portugal é um dos países do mundo onde a saúde mental apresenta piores
indicadores, fenómeno preocupante e que deveria merecer, de todos, a
máxima atenção. A reboque desta discussão, nas últimas semanas
apercebi-me que o tema serve de desabafo em redes sociais como o
Twitter e LinkedIn, onde passou a ser motivo de empatia a partilha
aberta de certas fragilidades ou experiências passadas. Curiosamente,
nenhum desses desabafos explora um dos fenómenos mais preocupantes dos
nossos tempos: o impacto das redes sociais na saúde mental e na
sociabilidade dos internautas excessivamente expostos às suas
interações, tema que tive oportunidade de discutir no início deste
ano, num seminário que teve lugar em Peniche, em debate com o
Professor Rui Miguel Costa, do ISPA, sobre as implicações do
Metaverso.

Este não é, em qualquer caso, um tema novo, sendo vários os autores
que, nos últimos anos, têm alertado para os perigos das redes sociais
para o equilíbrio psíquico dos usuários. O mais mediático será
provavelmente, Tristan Harris, ex-funcionário do Google que,
entretanto, se tornou um dos maiores críticos da forma como temos
vindo a desenhar as redes sociais. Co-fundador do “Center for Humane
Technology”, Tristan Harris tem vindo a denunciar como as redes
sociais são projetadas para serem viciantes, e os impactos negativos
que tal pode ter na saúde mental. Harris explica com detalhe como as
redes sociais são projetadas para serem aditivas, para maximizar o
tempo que os internautas despendem nas suas interações, num conceito
que batizou de “capitalismo de atenção”. Para manter os usuários
conectados, as redes sociais usam várias táticas de design de produto,
como notificações constantes, a mecânica de “scroll infinito” e
táticas para a libertação de dopamina associada aos “likes” e
comentários: tudo é desenhado para estimular comportamentos aditivos.
Harris defende, ainda, que as redes sociais são pensadas para
distorcer a perceção temporal dos usuários, fazendo com que passem
mais tempo nas plataformas do que originalmente planearam. As redes
sociais são também estruturadas para contribuir para a polarização e a
desinformação, ao mostrar aos usuários conteúdo que reforça as suas
crenças e opiniões preexistentes, um fenómeno conhecido como “câmaras
de eco” (ideia igualmente explorada por Eli Pariser, no seu livro, The
Filter Bubble: What the Internet Is Hiding from You). Por tudo isto,
Harris sugere que o uso excessivo das redes sociais tem contribuído
para problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão e baixa
autoestima. Tal pode ser exacerbado pela comparação social,
cyberbullying e pela sensação de que se tem de estar sempre conectado
e disponível (num fenómeno muitas vezes designado de “FOMO” ou “fear
to miss out”). Essas ideias foram amplamente discutidas no
documentário “The Social Dilemma”, no qual Tristan Harris teve um
papel importante. O documentário destaca muitos dos problemas
associados ao uso de redes sociais e encoraja os espectadores a
repensarem a sua relação com a tecnologia.

Num outro ângulo, Sherry Turkle, professora no Massachusetts Institute
of Technology (MIT) tem vindo alertar para a forma como a tecnologia,
particularmente a internet e as redes sociais, estão a mudar a forma
como nos relacionamos e nos percebemos. No seu livro, Alone Together,
Turkle explora uma das ideias mais fortes destes tempos de
hiperconexão, a ideia paradoxal de que, embora a tecnologia nos possa
ligar de forma expressiva, nunca como hoje as pessoas se sentem tantas
vezes isoladas e sozinhas, mesmo quando estão “conectadas”, on-line.
Turkle considera que tal resulta de uma “ilusão de companhia”, pois se
por um lado as redes sociais facilitam que tenhamos centenas ou até
milhares de “amigos”, essas conexões muitas vezes não têm a
profundidade e a intimidade das interações reais, nem as exigências
próprias de uma amizade não virtual. Turkle analisa, ainda, como a
tecnologia permite que as pessoas apresentem uma versão idealizada de
si mesmas, online, o que conduz a comparações sociais prejudiciais e a
uma desconexão entre a identidade online e a verdadeira identidade,
trazendo com isso problemas de identificação e frustração na
confrontação com o real. Turkle argumenta, finalmente, que o uso
excessivo da tecnologia, particularmente entre os jovens, pode ter um
impacto negativo no desenvolvimento da empatia e das habilidades
sociais. A falta de contacto face a face, entre outros aspetos, pode
dificultar a capacidade de ler e responder apropriadamente às emoções
dos outros (neste contexto, Jean Twenge, no seu livro iGen, explora
como as redes sociais e os smartphones estão a afetar a saúde mental
dos jovens da “geração iGen”, dos nascidos entre 1995 e 2012, traçando
um cenário deveras preocupante).

As redes sociais têm tido um efeito pernicioso, ao permitirem aos
usuários a criação de uma ilusão de pertença a mundos que não são “os
seus”. Redes sociais como o Instagram ou o LinkedIn servem para que
muitos usuários criem relações comunitárias e de empatia, à volta de
interesses comuns, ou de mero seguidismo, com pessoas que, no mundo
real, vivem num contexto de sucesso que não é, porém, nem poderia ser,
o de todos. A ideia de que, interagindo no LinkedIn ou no Instagram,
construímos algo para nós, palpável e consequente, semelhante aos que
fazem parte da “nossa” rede, leva a que muitos, quando confrontados
com a realidade, e por comparação com terceiros, acumulem sentimentos
de frustração, infelicidade, tristeza e, seguramente, muitos problemas
do foro da saúde mental. Nos últimos anos, não são poucas as pessoas
com que interajo nas redes sociais que criaram nas redes sociais
versões idealizadas de si mesmas, a partir de comparações com pessoas
que lhe são referenciais. Nada disto seria um problema se os usuários
não criassem, a partir das suas navegações, expectativas irrealistas,
sobretudo a ilusão de que há um mundo ao qual deveríamos pertencer,
por direito, mesmo que vivamos alienados no universo virtual, e de
todos temos de, permanentemente, mostrar que estamos a alcançar
grandes sucessos, distorcendo o que é “normal” ou “alcançável”. Isto
pode ser particularmente problemático no LinkedIn ou no Instagram,
onde completas trivialidades são apresentadas como grandes conquistas,
e onde várias pessoas criam uma ilusão de sucesso que não tem qualquer
projeção naquilo que é a sua vida profissional ou pessoal (com tudo o
que isso implica em termos de destruição da auto-estima e da
frustração de expectativas). No fundo, as redes sociais vieram
banalizar e disseminar pequenos Roquentins em versão contrafeita,
gente banal, alienada e desconectada do mundo (embora permanentemente
conectados) que quando confrontados com as dissonâncias entre a
realidade da própria vida e as versões idealizadas de si mesmas, que
projetam online, entram em estado de “náusea” existencial, num
fenómeno que, desconfio, faria corar de vergonha o próprio Sartre (o
qual, imagino, não gostaria de ver o seu existencialismo tão
democratizado).
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