https://www.publico.pt/2021/11/29/ciencia/noticia/criados-robos-biologicos-conseguem-autoreplicar-1986820
Equipa norte-americana desenvolveu os primeiros robôs biológicos que
se auto-replicam – os xenobôs, máquinas feitas de bocados de células.
O processo é já considerado uma nova forma de replicação.
Teresa Sofia Serafim 29 de Novembro de 2021, 20:06
No vídeo divulgado tudo parece um jogo: vemos organismos com uma boca
em forma de Pac-Man a recolherem pequenas esferas e a juntá-las numa
bolinha. Mas tudo isto é mais do que um jogo. Estes são os primeiros
robôs biológicos que se conseguem auto-replicar, anunciou esta
segunda-feira na revista científica Proceedings of the National
Academy of Sciences (PNAS) uma equipa de investigadores dos Estados
Unidos. O grupo diz que esta é uma nova forma de replicação biológica.
Em 2020, a equipa coordenada por Josh Bongard (cientista da
Universidade de Vermont, nos EUA) revelava que tinha criado os
primeiros xenobôs – robôs completamente biológicos. Estes novos robôs
com uma dimensão milimétrica foram primeiro projectados e simulados
num supercomputador da Universidade de Vermont. Depois, na
Universidade de Tufts (EUA) foram “montados” e testados, ou seja,
deram-lhes vida.
Para lhe conseguirem dar vida, foram reunidas células estaminais de
embriões de rãs da espécie Xenopus laevis – daí o nome de xenobôs.
Estas foram depois separadas em células individuais e deixadas a
incubar. De seguida, através de um “conjunto de ferramentas” e das
regras do supercomputador, as células foram cortadas e depois unidas.
Mais tarde, verificou-se que as células funcionavam em conjunto e que
davam origem a organismos que se moviam por si próprios – os xenobôs.
Estes robôs conseguiam explorar em círculos o seu ambiente num
pratinho de laboratório durante dias ou até semanas. Já no início
deste ano, a mesma equipa tinha anunciado melhorias no desenvolvimento
destes robôs biológicos.
Os xenobôs são assim máquinas biológicas e programáveis feitas de
bocados de células – daí a equipa os considerar robôs. “Considera-se
que um robô é qualquer máquina que se consegue movimentar e executar
um trabalho físico útil”, define Sam Kriegman, investigador da
Universidade de Tufts e um dos membros da equipa. “Os xenobôs só são
estranhos para nós porque, quando pensamos em robôs, pensamos logo em
metais, plásticos e motores.”
Agora, através da publicação na PNAS, surgem outras novidades: se
houver as tais células estaminais de rã suficientes, os xenobôs
conseguem fazer mais xenobôs, isto é, conseguem-se auto-replicar.
Simplificando, tudo acontece assim: os xenobôs são feitos de células
estaminais retiradas de embriões de rãs. Essas células desenvolvem-se
em células da pele e crescem minúsculos pêlos, os cílios, que permitem
que os robôs biológicos se movimentem – como se estivessem a nadar –
num pratinho de laboratório.
“Os xenobôs nadam para se movimentarem e usam os cílios como remos”,
ilustra ao PÚBLICO Sam Kriegman. Este movimento permite aos xenobôs
amontoarem na sua “boca de Pac-Man” (tal como compara a equipa em
comunicado) células estaminais soltas no pratinho. Se os amontoados de
células estaminais forem suficientes para tal, esses montinhos
transformam-se em crias de xenobôs. Cada um desses descendentes é uma
bola de células coberta de cílios. “As crias usam depois os seus
cílios para nadar e fazer os seus próprios montinhos. Assim, o
processo de auto-replicação volta a repetir-se”, esclarece Sam
Kriegman.
Para que esse processo de auto-replicação aconteça, Josh Bongard
indica que alguns dos amontoados de células devem ficar em maturação
durante cinco dias. Durante essa maturação, esses montinhos
condensam-se nas tais bolas de células, que também irão nadar e ter
como remos os cílios.
“São robôs autodirigidos. Em vez de metal, usam células. Em vez de
rodas, usam cílios”, nota, por sua vez, Sam Kriegman. “Quando bolas de
células autodirigidas se movimentam à volta de um pratinho de
laboratório cheio de células estaminais soltas, isso vai levar à
formação de amontoados de células estaminais. Se essas células forem
em quantidade e tamanho suficientes, vão amadurecer e levar a bolas de
células autodirigidas.”
Foto
O xenobô "progenitor" (a vermelho) e a "cria" (a verde) Douglas
Blackiston/Sam Kriegman
Ao todo, durante o estudo, foram produzidos 96 “progenitores xenobôs”
que se replicaram em centenas de “filhos xenobôs” ao longo de quatro
rondas de auto-replicação. Sam Kriegman adianta que há vários
progenitores num pratinho de laboratório e que cada um pode ter uma ou
muitas crias.
Mas ainda houve um último elemento que teve de ser incluído no
pratinho de laboratório onde habitam os xenobôs. As crias não estavam
a conseguir dar netos aos xenobôs originais. Para que tal se tornasse
possível, a equipa usou um programa de inteligência artificial para
remodelar a forma dos robôs. Depois, xenobôs com essa forma foram
“montados” em laboratório. Assim, conseguiu-se que os progenitores
xenobôs com a nova forma tivessem filhos capazes de ter as suas
próprias crias. “Em alguns casos, conseguem fazer bisnetos!”, informa
Josh Bongard. E nota sobre todo o processo: “Apresentamos aqui uma
nova forma de replicação biológica que nunca foi observada em plantas
ou animais.”
A equipa considera mesmo que estes são os “primeiros robôs que se
replicam cinematicamente [relativo ao movimento durante a replicação]”
– isto é, que produzem cópias de si próprios ao fazerem amontoados de
células e esses montinhos dão origem a crias. A replicação cinemática
já era conhecida ao nível das moléculas, mas não se tinha observado à
escala das células e de organismos, destaca-se no comunicado.
Da poluição à medicina
Quantos aos futuros contributos dos xenobôs, Josh Bongard diz que é
impossível prever todas as aplicações das novas tecnologias. “Quando
os computadores foram inventados durante a Segunda Guerra Mundial,
ninguém conseguia prever que apareceria o Facebook ou o Tinder”,
compara. Ainda assim, refere que já se vê a grande influência de robôs
não biológicos em vários sectores económicos, desde os transportes até
à medicina. Portanto, considera: “Parece-me provável que haverá muitos
trabalhos para robôs de tamanhos milimétricos que são biodegradáveis e
biocompatíveis [ou seja, os seus xenobôs]”.
Em 2020, a equipa exemplificava que poderiam ser usados para procurar
compostos nocivos ou contaminação radioactiva, recolher microplásticos
dos oceanos ou viajar em artérias para remover obstruções. Agora, ao
se saber que conseguem auto-replicar-se, significa que poderão já ser
mais sustentáveis do que se julgava. Mesmo assim, os cientistas estão
a tentar melhorar os xenobôs e a sua resposta a diferentes ambientes,
bem como a sua produção.
Sam Kriegman pede mesmo para que os xenobôs não sejam confundidos com
outros robôs “bio-híbridos”, que são feitos de materiais artificiais e
biológicos. “A vantagem dos xenobôs é que são completamente
biológicos, o que lhes permite serem biodegradáveis, assim terem um
poder auto-cicatrizante e de auto-replicação cinemática.”
No comunicado, a equipa também diz estar consciente de que estes robôs
podem trazer com eles tanto o entusiasmo de muitas pessoas como a
preocupação de tantas outras. “Estamos a trabalhar para perceber esta
propriedade: a replicação. O mundo e as tecnologias estão rapidamente
a mudar. É importante, para a sociedade como um todo, que estudemos e
compreendamos como isto funciona”, considera Josh Bongard, referindo
que os xenobôs podem vir a trazer contributos na resolução de
diferentes problemas ao nível da medicina ou da poluição.