Fiscalização resgata 19 peruanos escravizados produzindo peças da Unique Chic
Trabalhador procurou consulado após sofrer agressões. Dono da oficina
foi preso e 19 pessoas libertadas. Entre os resgatados estão dois
adolescentes
14/03/2014
Por Daniel Santini
Um
trabalhador apanhou e decidiu pedir ajuda ao Consulado do Peru, que
encaminhou o caso às autoridades. Foi assim que teve início a operação
que resultou no resgate de 19 costureiros peruanos na última
sexta-feira, dia 7, na Zona Leste de São Paulo. A fiscalização flagrou
exploração de trabalho escravo e tráfico de pessoas. Entre os libertados
está um adolescente. O dono da oficina, que retinha os documentos dos
trabalhadores para que eles não fossem embora, foi preso e a empresa
Unique Chic foi considerada pelo Ministério do Trabalho e Emprego
responsável pela situação a que os imigrantes estavam submetidos.
Criada
em 2006, a empresa conta com dois endereços no Bom Retiro e atua
principalmente no mercado atacadista. A oficina em que os costureiros
foram resgatados era terceirizada, mas, por se tratar da atividade fim, a
grife foi responsabilizada. A
Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho prevê
que a contratação de empresa interposta não isenta a contratante de
suas obrigações legais. Além disso, segundo Marco Antonio Melchior,
chefe da fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho em São
Paulo (SRTE-SP), não há dúvidas de que existia um vínculo direto entre a
oficina e a empresa. “A dependência econômica de todos era com a Unique
Chic”, explica, ressaltando que foram encontradas notas fiscais e
outros documentos que comprovam essa relação.
A Repórter Brasil entrou
em contato com o departamento financeiro e de recursos humanos da
empresa, que informou que apenas o proprietário poderia se posicionar
sobre o assunto, o que não aconteceu até a publicação deste texto. Foram
encontradas também peças de outras marcas na oficina, mas nenhuma
documentação indicando vínculo com mais grupos.
Além do Ministério
do Trabalho e Emprego, participaram da ação representantes da
Secretaria da Justiça, do Ministério Público do Trabalho, da Defensoria
Pública da União e da Polícia Civil.
Violência
O
grupo estava, segundo as autoridades, submetido a escravidão por
dívidas e jornadas exaustivas sistemáticas, além da retenção de
documentos que impedia fugas. Na fiscalização, os auditores localizaram
carteiras de trabalho retidas, mas não havia registro de pagamentos
efetuados nos últimos meses. Sem documentação ou amigos na cidade, os
imigrantes peruanos temiam ser deportados se tentassem escapar.
No
primeiro depoimento à polícia quando denunciaram o caso, além de
registrar a agressão sofrida, algumas das vítimas relataram jornadas das
5h às 22h e reclamaram de ameaças.”No outro dia, quando eles estavam
acompanhados, mudaram posicionamento e passaram a defender a dona da
oficina. Disseram que no depoimento não haviam falado das coisas boas e
se recusaram a assinar as guias para receber o seguro-desemprego. Alguns
entendiam que aqueles documentos eram guias de extradição”, conta Marco
Antonio Melchior, do Ministério do Trabalho e Emprego, que buscou ajuda
do Centro de Apoio ao Migrante (Cami) para fazer o atendimento às
vítimas.
Padre Roque Patussi, coordenador do Cami que ajudou na
negociação com o grupo, explica que “a primeira reunião [após a
fiscalização] foi muito tensa” e que “eles rebatiam tudo, diziam que se
sentiam vítimas do resgate e não do trabalho escravo”. Ele conta que até
os que denunciaram o caso mudaram o depoimento após o contato com os
empregadores. “Primeiro deram uma declaração, depois, no outro dia,
mudaram completamente a versão. Não sabemos se houve imposição de
mudança ou se foi o grupo que decidiu defender o dono em solidariedade
após a prisão”, afirma.
Após os trabalhadores serem informados
sobre seus direitos e terem a garantia de que não seriam obrigados a
deixar o país, ele diz que a maioria mudou de postura e passou a
colaborar com as investigações. “Alguns viveram dois anos em São Paulo
sem conhecer a cidade. Provavelmente passaram esse tempo todo isolados
na oficina. Viviam em cerceamento de liberdade sem comunicação. Agora
dois têm celular, antes nenhum deles tinham”, explica. “Em um ano em que
a Igreja está tentando sensibilizar a sociedade em relação ao tráfico
de pessoas, em especial ao voltado para o trabalho escravo, esses casos
vão aparecer cada vez mais. Eles só confirmam a necessidade não só de a
Igreja, mas de o país inteiro ter atenção com o tema”, afirmou,
referindo-se ao fato de a Igreja Católica ter escolhido o tráfico de
pessoas como tema para a Campanha da Fraternidade de 2014.
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