Conta o povo de Castelo Novo que ali vivia uma rapariga chamada Belisandra. Acusada de bruxarias, vivia na solido, contando apenas com a companhia de um gato. Sempre que Belisandra ia aldeia, tinha de enfrentar risos de troa e o desprezo dos habitantes de Castelo Novo. A verdade que, nos momentos de aflio, muitos recorriam a Belisandra mas em segredo. Um dia, quando o povo se preparava para colher o fruto do seu trabalho nos campos de cultivo, viram surgir do cu uma espessa nuvem, que quase cobriu o sol. De repente, percebem que se tratava de uma praga de gafanhotos. Desesperados, e pela primeira vez, os habitantes de Castelo Novo juntaram-se para pedir ajuda a Belisandra. Para espanto de todos, a rapariga aconselhou-os a fazer uma procisso ao Senhor da Misericrdia, pois s ele os podia ajudar. O povo seguiu o seu conselho e fez a procisso. Reza a lenda que ainda a procisso ia no adro e j os gafanhotos caam mortos. Ento, o povo prometeu fazer a procisso todos os anos, e cumpriu, pois ainda hoje se mantm esta tradio no primeiro domingo de Setembro.
A situao em que os indgenas se encontram no mundo todo muito sria. Nada mundou - o genocdio indgena assunto atual. Conhea a histria dos Sioux, os nativos americanos que tem uma histria muito longa de luta e sangue.
O dia 25 de junho de 1876 amanheceu com cheiro e gosto de glria para o general George Armstrong Custer e seus 647 homens da 7 Cavalaria. Finalmente, a caa aos ndios que haviam se rebelado contra o governo dos Estados Unidos tinha chegado ao fim. Ao longo do vale do rio Little Bighorn, no atual estado de Montana, repousava o maior acampamento indgena j visto naquelas bandas.
Na frente dos olhos da soldadesca, uma infinidade de tendas projetava-se num raio de mais cinco quilmetros. Estavam amontoados ali sioux oglalas, hunkpapas, sans arcs, minneconjous, bruls e cheyennes. Ao todo, cerca de 10 mil almas, sob o comando dos chefes sioux Touro Sentado e Cavalo Louco. A luta que se seguiu, conhecida como a batalha de Little Bighorn, entrou para a histria da conquista do Oeste americano. E, claro, inspirou Hollywood em muitos filmes de bangue-bangue.
Segundo o plano original, Custer teria de encontrar os ndios rebeldes, mandar um aviso para o forte, esperar pela chegada de outras duas colunas do Exrcito e, s ento, avanar. Mas "Cabelos-longos", como era chamado pelos ndios, transbordava de ambio. Em depoimento ao jornalista John Finerty, que, em 1890 publicou o livro War-Path and Bivouac ("Em P de Guerra e Bivaque", indito no Brasil), o general John Gibbon afirmou ter alertado Custer para que aguardasse por reforos.
E o comandante teria dito: "No, eu no esperarei". A vitria sobre os ndios seria sua glria pessoal. "Ele era implacvel. Mudava de opinio o tempo todo e sempre achava que estava certo. Nunca pedia palpite a seus oficiais. A ns, restava obedecer", relatou James Horner, cabo da 7 Cavalaria e um dos sobreviventes do massacre, tambm em depoimento a Finerty.
A obedincia ao chefe custou caro. Ao avistar o acampamento, o general ordenou o ataque sem pestanejar. De fato, foi um dia de glrias. Mas no para Custer. E, sim, para as naes indgenas. Como um formigueiro, mais de 3 mil guerreiros atiraram-se sobre os pouco mais de 600 soldados da 7a Cavalaria. Um pequeno grupo conseguiu fugir. S que o general foi cercado. O ndio Cavalo Vermelho, em depoimento recuperado em 1893 por Garrick Mallery, do Bureau Norte-Americano de Etnologia, contou que "136 sioux morreram".
A 7 Cavalaria, porm, pagou um preo bem mais alto: 263 soldados morreram. Custer tambm foi assassinado. Essa batalha, entretanto, estava longe de ser decisiva. E os sioux estavam bem perto de seu fim como povo. "Essa rebelio indgena tem relao direta com a colonizao do Oeste. At por volta de 1840, os sioux, lderes da revolta, desfrutavam de uma boa convivncia com os homens brancos", diz o professor Michael Tate, especialista em nativos americanos, da Universidade de Nebraska, no Estados Unidos.
Antes de os colonizadores rumarem para o Oeste americano, os sioux viviam em paz com a natureza e com os bfalos que dominavam aquelas plancies. Caadores nmades, desfrutavam de total comunho com os animais. Comiam sua carne e usavam sua pele para confeccionar as tendas, chamadas de tipis.
Os bfalos tinham importncia fundamental na cultura sioux. Uma ndia, por exemplo, s era considerada uma boa mulher se soubesse esquartejar um bfalo, extrair sem danificar a pele e ainda preparar o pemicn, uma iguaria feita da carne. J para os homens a caa ao bfalo era um ritual de passagem da adolescncia para a idade adulta. No toa que a tribo ganhou o nome siuks dos outros ndios que habitavam os Estados Unidos. A palavra significa "homens-bfalo" e virou sioux na verso dos colonos franceses.
O bfalo fazia parte ainda dos mitos daqueles ndios. Eles acreditavam que, no incio dos tempos, o povo sioux vivia no centro da terra com os bfalos. Quando vieram para a superfcie, Wakan Tanka, o Grande Esprito, ordenou aos animais que servissem de alimento para a tribo. Mas advertiu os ltimos: no deveriam caar de forma desenfreada, pois no dia em que os animais desaparecessem da face da terra, os sioux tambm se extinguiriam.
A profecia to improvvel se cumpriu, de certa forma. Calcula-se que, em 1575, quando os colonizadores travaram o primeiro contato com os sioux, o nmero de bfalos nas pradarias americanas superava 75 milhes de cabeas. O explorador francs Jacques Cartier (1491-1557) relata em suas memrias que, numa ocasio, ele presenciou um estouro de manada que demorou um dia inteiro para passar diante de seus olhos.
Em 1890, ano da derrocada sioux, os bfalos da plancie no somavam mais do que 3 mil cabeas. "O processo de destruio dos ndios americanos ocorreu de forma gradual. Comeou em 1834, quando o governo empurrou todos os ndios para oeste do Mississipi, decretando que, do rio em diante, a terra seria deles para sempre, o que no aconteceu", diz o professor Tate.
O acordo no durou muito. Em 1843, cerca de mil colonos abriram a trilha do Oregon, violando o territrio indgena. Pouco depois, em 1846, os Estados Unidos declararam guerra ao Mxico e suas tropas utilizaram as terras destinadas aos ndios para chegar na rea do conflito. Dois anos depois, foi descoberto ouro na Califrnia, e uma enxurrada de aventureiros em carroes penetrou em territrio indgena novamente.
Durante este perodo, os colonizadores foram abocanhando o territrio das tribos e criaram os estados da Califrnia, Kansas e Nebraska. "Como resultado, no incio de 1860, havia cerca de 300 mil ndios nos Estados Unidos, pressionados por pelo menos 30 milhes de brancos", escreveu o historiador Dee Brown, autor do clssico Enterrem meu Corao na Curva do Rio.
O ano de 1862 marcou, de fato, o fim do sossego dos sioux, quando foi descoberto ouro nas montanhas Rochosas, em Montana, territrio da tribo. Em questo de dias, uma multido de mais de mil mineiros garimpava as margens do riacho Gold Creek, perto da atual cidade de Salt Lake City. Para abastec-los, uma rota de suprimentos acabou sendo aberta, o caminho Bozeman, assim chamado em homenagem ao pioneiro explorador da regio, John Bozeman. A rota passava exatamente pelos campos de caa de sioux, cheyennes e arapahos.
As hostilidades entre brancos e peles-vermelhas tornaram-se ento inevitveis. Porm, a gota dagua para os sioux, na poca liderados pelo chefe Nuvem Vermelha, veio quando os invasores atraioaram Chaleira Preta, chefe dos cheyennes, que havia decidido no lutar mais e concordado em ir para a reserva indgena de Sand Creek. L, sua tribo, indefesa, acabou massacrada sob as ordens do coronel Chivington, um militar linha-dura que costumava dizer que ndio bom era ndio morto. A matana, ocorrida em 29 de novembro de 1864, foi to injustificada que at mesmo o governo dos Estados Unidos instaurou um processo contra o coronel. Para os ndios, no entanto, o julgamento j havia sido feito. Eles iriam guerra, liderados por Nuvem Vermelha.
Ele conduziu uma guerra de guerrilha que fechou a rota Bozeman e obrigou o governo dos Estados Unidos a negociar. Em 1866, os dois lados sentaram-se na mesa de conversaes. O local escolhido para o fechamento do acordo de paz foi o forte Laramie, no atual estado do Wyoming. No meio das negociaes, Nuvem Vermelha presenciou a chegada de uma grande caravana de soldados armados. Irritado, levantou-se e declarou guerra sem trgua: "O Grande Pai Branco nos manda presentes e quer que ns lhe cedamos a estrada. Mas o Chefe Branco vem com mais soldados para roub-la, antes que os ndios digam sim ou no. A partir de hoje, enquanto eu viver, lutarei. Lutarei at a morte pelo ltimo campo de caa de meu povo", disse o guerreiro, conforme registrado por testemunhas em relato publicado posteriormente por John Finerty em sua obra.
E o chefe indgena no estava blefando. Nuvem Vermelha reuniu 3 mil guerreiros, entre eles dois jovens lderes: Touro Sentado e Cavalo Louco. O governo revidou mobilizao indgena construindo trs fortes para vigiar a rota Bozeman. A situao ficava cada dia mais tensa, at a chegada do tenente-coronel William Fetterman. Em 21 de dezembro de 1866, o militar ordenou um ataque contra guerreiros indgenas que haviam capturado um comboio de madeira na rota Bozeman.
O que o tenente no sabia que os ndios haviam lanado uma isca para atra-lo at o acampamento. Cercado por mais de 2 mil guerreiros, Fetterman e seus homens foram mortos. Um ano depois, em 1888, o governo dos Estados Unidos, desgastado pela recente Guerra Civil (1861-1865), clamou novamente pela paz, chamando Nuvem Vermelha para conversar.
O lder sioux imps seus termos: a estrada Bozeman seria fechada, os ndios teriam direito a um grande territrio em Dakota do Sul para caar e os fortes desapareceriam da paisagem. E mais: ocupariam as montanhas chamadas de Black Hills, ou Colinas Negras, o lugar sagrado dos ancestrais dos sioux. O governo dos Estados Unidos aceitou o acordo imediamente. Nuvem Vermelha havia conseguido uma vitria nunca antes conquistada por nenhum outro chefe indgena. S que a tal vitria teve sabor amargo.
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