Dois
paradoxos,aparentemente, uma vez que a humanidade se mantém por intermédio do
ato sexual e as mulheres representam metade da espécie humana.Para esclarecer
essa questão, teremos de refazer alguns percursos da teoria lacaniana e colocar
alguns personagens ficcionais em seu divã a título de ilustração. Em seu
seminário intitulado A transferência, Jacques Lacan
(1901-1981) fará uma belíssima exegese do texto conhecido
como O banquete, em que Platão nos apresenta
Sócrates falando sobre o amor, sobre o desejo e onde encontramos a gênese de um
dos conceitos lacanianos fundamentais para sua teoria - "o objeto a" - este
estranho dispositivo que arrastará o desejo humano para uma deriva sem fim,mesmo
tentando ancorá-lo em soluções
parciais.
Do que trata esse diálogo platônico?
Primeiramente, ele nos é contado em terceira mão. Platão não estava presente
quando os fatos aconteceram. Ele ouve o relato da boca de Apolodoroque, por sua
vez, o ouvira de Aristodemo, o qual participara efetivamente do simpósio
oferecido por Agatão. Nesse simpósio, falaram Pausânias, Eriximaco, Aristófanes,
o próprio anfitrião Agatão e finalmente Sócrates.Todos falam sobre o amor que é
o tema escolhido para aquela noite. Alcibíades faz uma entrada tardia e coloca
Sócrates numa situação delicada ao revelar a relação amorosa e de admiração que
ambos teriam um pelo outro. Lacan irá analisar cada uma dessas
falas,privilegiando o diálogo final entre Sócrates e Alcibíades que nos
apresentará o termo "Agalma",uma das primeiras formulações do que será
futuramente o "objeto a".
Interessa-nos apenas uma em especial. A fala de
Sócrates, que na verdade, não seria propriamente dele, pois ele estaria apenas
relatando o que ouvira de Diotima de Mantinéa, ou seja, apesar de não estar
presente no banquete, ela fala pela boca de Sócrates. Lacan defenderá a tese de
que é Sócrates quem realmente fala, por meio de sua "alma feminina" e que usa
esse subterfúgio, inclusive, para não constranger seu anfitrião Agatão, cujas
teses serão desconsideradas. E o que fala Diotima de Mantinéa por meio de
Sócrates? Um relatopsicológico
sobre a gênese do amor que espanta pela argúcia e modernidade, ao ponto de Lacan
o recuperar por completo em sua clínica. Vejamos o
relato
"A libertação do desejo
conduz à paz interior"
LAO-TSÉ
Diotima
conta que Eros, o deus do amor, foi gerado no dia em que nasceu Afrodite, quando
os deuses participavam de um banquete. Entre eles estava Poros, filho de Métis,
também chamado de "o astucioso", "aquele que tem expediente", que, completamente
embriagado com néctar, entrou no jardim de Zeus e adormeceu.Este nome,
etimologicamente, também remete à ideia de uma abertura, uma passagem, uma
travessia, enfim, um furo, um vazio. Terminado o jantar dos deuses e apesar de
não ter sido convidada, aparece Penia que veio mendigar restos do festim.Penia é
a personificação da pobreza, da carência. Etimologicamente provém de um verbo
que significa "afligir-se", "trabalhar por necessidade", "esforçar-se com" e
posteriormente também agrega os sentidos de "estar em dificuldade", "ser pobre".
Penia em sua miséria ao ver Poros embriagado e adormecido desejou ter um filho
com ele. Deitou-se ao seu lado e concebeu Eros.Eros trará consigo as marcas
dessa dupla gênese. De sua mãe Penia, cuja pobreza a define como eterna
mendicante, ele herdará uma falta congênita e se esforçará sempre para obter
aquilo que não tem, ou seja, vive sob o emblema de uma carência jamais
preenchida, mas que se esforçará por compensar.Para isso herdou de seu pai Poros
a astúcia e o expediente necessários para tentar conseguir aquilo que não
possui.
Eros, o deus do amor, nasceu de Penia (carência, pobreza)
e Poros (astúcia). Da dialética entre carência e astúcia move-se o
desejo.
Dessa dialética entre carência e
astúcia move-se o desejo, agita-se Eros infinitamente. É a matrizl ógica,
remota, desse futuro "objeto a" teorizado por Lacan, essa letra que procura e
está sempre no lugar de um "outro" que nunca é alcançado.1
Em
Lacan, essa incompletude e carência universalizam-se, atingindo agora toda e
qualquer pulsão do desejo.Mas como se verá na aventura da Psicanálise, toda
atualização do desejo será sempre sob uma forma parcial, compensatória para apoderar-se daquilo que Lacan
chamou de "o Nome-do-Pai",essa nova fórmula interpretativa do complexo de Édipo
levada a efeito pela revolução lacaniana que, expandindo seu antigo sentido
freudiano, integrou homens e mulheres em uma mesma aventura
psíquica.
Para as referências etimológicas foi utilizado o Dicionário
Mítico-Etimológico, vol. II de JunitoBrandão, Edit. Vozes,Petrópolis,
1992.
Para entendermos um pouco melhor essa novidade teórica da clínica
lacaniana, lembremos que esse símbolo "a", constante no termo "objeto a" não se
refere à primeira letra do alfabeto, mas à primeira letra da palavra francesa
"autre" (outro, em português) e que
essa letra "a" em minúsculo qualifica, portanto, sempre uma alteridade, alguma
coisa que está para além do sujeito desejante e que
ele quer para si.
Assim, quando esse "objeto a" se instala como função
psíquica compensatória, temos de procurar responder sempre quem é esse "outro"
que se coloca no lugar do meu desejo. Lacan começaria a pensar este conceito a
partir da leitura de Luto e Melancolia de Freud. Juan-DavidNasio observa com
bastante acuidade que neste artigo, "ao se referir à pessoa que foi perdida e de
quem se faz o luto, Freud escreve a palavra "objeto", e não "pessoa".Freud,
portanto, já fornece a Lacan uma base para responder
à pergunta "quem é o outro?" e construir seu conceito de objeto
a.
"Note-se que
nesta gênese freudiana do conceito lacaniano já se inscreve a ideia de uma
perda,de alguma coisa que não existe mais, de um fantasma do qual temos de fazer
o luto para nos libertarmos de sua lembrança.Para o
homem é o trauma da castração, da perda simbólica do falo, da necessidade de ter
acesso ao Nome-do-Pai, essa instância de poder que precisará ser recuperada de
alguma forma.Portanto instaura-se aqui uma carência que só poderá ser preenchida
parcialmente outransformada em narrativa na clínica psicanalítica, quando,
então, no processo detransferência, o analista assume ser o "objeto a",
tornando-se, ele mesmo, este "outro do desejo" do analisando para que ele o
supere.
2 NASIO, J.D. - Cinco lições sobre a Teoria de Jacques
Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,1993, p. 92
Inconsciente
Avancemos mais de 2 mil anos da cena
desse Banquete para encontrar Jacques Lacan num dos seus seminários, denominado
O desejo e sua interpretação, em que ele inicia a conceitualizaçãodo que chamou
inicialmente de "pequeno objeto a", tema que além de ser um desdobramento do
conceito de "o Nome-do-Pai" remeteu o inconsciente para uma leitura
definitivamente linguística.
Lacan entenderá o inconsciente radicalmente
estruturado como uma linguagem, e isso terá consequências sérias tanto na
prática psicanalítica quanto na teoria linguística, abrindo duas frentes de
batalha. Por corresponder a um inconsciente
entendido como falta, a linguagem, ela mesma, será para sempre incompleta em sua
significação. Entre a nomeação das coisas e sua significação haverá sempre uma
sutura mal feita.Assim, nenhum significante comportará um significado completo e
irredutível, mas deslizará constantemente por uma cadeia de significantes
arbitrários, sem nunca ter fim. Só uma atitude comandada pela necessidade
pragmática de comunicação é que pode interromper, barrar esse sentido sempre em
aberto do significante e fazê-lo cristalizar-se por algum tempo. Mas o desejo
sempre conseguirá fazer que os significantes se movam e falará através das
fissuras deixadas descobertas.
Essa visada linguística do
inconsciente, iniciada por Lacan quando de suas leituras da obra de Ferdinand de Saussure, irá encontrar sua
solução madura na leitura que fará de Roman
Jakobson. Nesse momento, introduz em sua teoria dois elementos
novos: a metáfora e a
metonímia.
Elas serão para Lacan as duas leis fundamentais
do inconsciente. Deslocamentos (metonímias)e
condensações (metáforas) responderão também pela fala do
inconsciente, onde a estrutura metonímica de justaposições e acoplamentos será o
ponto de referência para caracterizar a estrutura do
desejo.
No processo metonímico temos um deslocamento em
que uma parte é tomada pelo todo, da mesma forma que no "objeto a" alguma coisa
toma o lugar, parcialmente, do desejo interditado ao sujeito. Igualmente, na metáfora, alguma coisa é substituída em seu
sentido por outra, o que se pode flagrar facilmente na narrativa dos sonhos,
sempre metafóricos por excelência.Desde o início, portanto, é inerente ao
conceito lacaniano de "objeto a" a ideia de que ele também desloca alguma coisa,
tentando compensar uma "falta-aser (conforme o léxicolacaniano), colocando no
lugar algo sobre o qual o sujeito pode falar.
Assim, o sujeito desejante desenvolverá certa astúcia ao
tentar aprisionar brevemente esse astuto objeto "a" em alguma forma transitória
de satisfação, de gozo.Uma astúcia destinada sempre a ser uma
compensação e que instaura apenas uma satisfação parcial, metonímica, diante do
desejo. Portanto, uma relação de substituição que transformará todo "objeto a",
escolhido pelo sujeito desejante, num fantasma. E a maior fantasmagoria eleita
pelo masculino será o do feminino, visado como objeto de gozo total, impossível
de ser completado.
A maior fantasmagoria eleita pelo masculino será
o do feminino, visado como objeto de gozototal, impossível de ser
completado
Este gozo total pertenceria ao desejo
pela mãe, interditado e castrado simbolicamente na estruturação do Édipo quando
a criança desiste da mãe, da relação incestuosa com essa mulher que "pertence"
ao Pai e que lhe é interditada pela Lei do Pai. Essa instância de
interdição - otabu do incesto - é introjetada simbolicamente pela criança como
uma forma de castração e,imediatamente, na tese lacaniana, esse interdito que
tem raízes antropológicas passa a serdenominado de "O Nome-do-Pai".Ao introjetar
essa Lei do Pai que proíbe o incesto com a mãe - seu objeto primário de desejo,
degozo total - a criança agora se inscreve na ordem cultural que emana desse
Nome-do-Pai.
Leis normativas que o
definirão como um ser social que aceitou essa castração para se inserir na ordem
da cultura e a quem faltará para sempre esse falo simbólico ao qual,
miticamente, todas as fêmeas pertenceram um dia e que, agora, pertence ao pai
que lhe interdita e o castra com relação à mãe e cujas funções ele procurará
recuperar parcialmente por meio de "objetos
a"metonímicos.
O
falo neste contexto será sempre o significante de uma falta. Nesse sentido é que se pode entender a frase de Lacan
quando diz que a "relação sexual não existe". Realmente, como"relação total",
como recuperação de um "gozo total", esta relação estará para sempre interditada
ao masculino.
Aqui a mulher se apresenta, radicalmente, como um
"inteiramente outro" para o homem ao qual ele não teria acesso, uma vez que ela
não participa dessa síndrome da castração original, não precisou introjetar uma
perda simbólica abissal para se constituir como
sujeito.
Homens e mulheres realmente não são iguais na
relação sexual. Portanto, é essa possibilidade de relação simétrica que é
declarada inexistente. Afinal, como já se disse, "o Édipo produz o homem, não
produz a mulher".3
3 SOLER, Colette - O que Lacan dizia das mulheres. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005, p.17
A Mulher Não Existe
É famosa a
apropriação de Lacan do conto de Edgar Allan Poe
intitulado A carta roubada, emque ele mostra que assim como o
sentido último dos significantes nunca é alcançado, esta carta roubada também
tem vários destinatários e nenhum; seu conteúdo nunca pode ser apropriado
inteiramente, mantendo-se apenas como uma potencialidade de sentido e, no caso
do conto de Poe, uma potencialidade de poder para quem a possui.
Metáfora certeira para a palavra que sempre cerca seu sentido, mas nunca
o alcança Por mais visível e audível que as palavras sejam, elas nunca
podem ser decifradas totalmente -seu significado sempre desliza e escapa - da
mesma maneira que a carta roubada, no conto dePoe, desliza continuadamente por
vários possuidores.
Mesmo estando perfeitamente visível e disponível em cima da
lareira, nunca é vista pelos que a querem encontrar.
Bem, a mulher e o desejo do homem
pela mulher teriam também essa característica. Por mais próxima
que a mulher esteja do homem, ela é sempre invisível para ele,o que fará Lacan
formular a frase paradoxal de que a mulher não existe. Frase aparentemente
absurda e que causou polêmica.Como dizer isso se o homem faz sexo com uma mulher
desde sempre? Lacan dirá que os homens, na verdade, fazem sexo com todas as
mulheres e não com uma em especial, repetindo no seu inconsciente o tempo da
horda primitiva, em que todas as mulheres pertenciam a um único Pai mítico, dono
do falo.
A mulher
como individualidade lhe escapa sempre.
Na
verdade, ela, como todo objeto de desejo, pertence à esfera desse "objeto a",
parcial, metonímico por definição, mas que consegue ancorar a pulsão do desejo
por algum tempo. A mulher real e individual presente no ato sexual
representa, portanto, apenas uma possibilidade nessa série infinita que alucina
o masculino.
O filme
Closer, do diretor Mike Nichols (do roteiro baseado na peça
teatral homônima dePatrick Marber) pode ser utilizado como exemplo. Este texto
parece ter um segundo roteirista oculto, o próprio Lacan. O título na versão
brasileira recebeu um acréscimo, tornou-se Closer -Perto demais. Lacan concordaria com o
acréscimo. Perto demais, a mulher torna-se ainda mais inexistente para o
masculino.
Visível e
oculto
Perto demais-Closer
Inicialmente, o roteiro cria profissões emblemáticas
que já definem o que acontecerá com o relacionamento dos amantes. Dan é um
jornalista encarregado da seção de obituários. Ele mesmo conta como os
obituários são redigidos para esconderem sempre a pessoa real.
O que de fato as pessoas foram na vida não importa
nos obituários. Mas sim, a visão edulcorada e elegante em que
todos se transformam em pais amantíssimos, esposos fiéis e profissionais
competentes, mesmo que tenham sido sempre o oposto disso tudo.
Ou seja, nem mesmo na morte, revelamos o que somos de
fato.
O falso obituário dos jornais incumbe-se de manter o
distanciamento necessário da pessoa real. O obituário, que
deveria revelar finalmente a pessoa, a mantém, agora, definitivamente
distante.
Anna, por sua vez, é
fotógrafa especializada em retratos de desconhecidos que ela fotografa em
grandes closes. Rostos anônimos, mas ela os exibe em grande proximidade, em
grandes ampliações. Mesmo com tal exposição ampliada, eles continuam
desconhecidos.
É uma falsa
aproximação. Rostos próximos demais. Tão desconhecidos quanto os das mulheres
quando elas se apresentam para os homens que pensam que as vêm por inteiro e
acreditam saber o que elas são e o que estão vendo.
Larry é médico dermatologista. Perto demais do corpo das
pessoas. Próximo da pele. Mas nunca além. O dermatologista se detém na epiderme
das pessoas, nunca ultrapassando esse limite externo do corpo. Nunca penetrando realmente no âmago do
paciente. Sempre na epiderme, nesta exterioridade que nos
delimita do exterior. Assim será também em seus relacionamentos com o feminino.
Nunca indo além da sexualidade explícita.
Não é à toa que será ele quem exigirá
tudo da stripper. Visão total. Mesmo assim, ele não conseguirá ir além
da epiderme ginecológica da mulher.
Jane, por sua vez, é a stripper que se dá totalmente ao
olhar do masculino. Olhar que nunca consegue ir além do seu corpo em exibição,
da sua epiderme. Pertos demais do seu corpo nu,os
olhares masculinos estão sempre longe demais dela como mulher.
Ela é a que encerra, em sua
profissão, o paradoxo dessas relações íntimas que estão sempre à distância.
Ela é um"objeto a" por excelência, pois oferece seu corpo como objeto
parcial de um desejo nuncarealizado.Neste jogo de espelhos falsos, de miradas
falsas, ela é um equívoco desde o início do filme.Jane, desde seu primeiro
encontro com Dan, usa um nome falso - Alice.
O relacionamento dos dois já inicia com uma
Alice que não existe. É emblemático que a primeira frase que Alice dirigea Dan,
logo no início do filme, seja "Olá
estranho!".
O filme será justamente sobre esse eterno
estranhamento entre homens e mulheres dentro da cultura.
A relação deles será,
portanto, um labirinto de aproximações falsas. Eles estão obcecados em fazer
sexo com elas e saber dos detalhes eróticos quando elas os traem. Claro,tudo
temperado com o pretexto de que as amam acima de tudo. Isso não impede que eles
a traiam.E vice-versa.
Mas o que seria do erotismo deles se não fossem as traições
que eles pressentem e de certa forma, inconscientemente, estimulam?
Como Lacan nos observou, há
sempre um terceiro envolvido em toda relação sexual, que pertence ao imaginário
masculino e que é justamente essa fantasmagoria da mulher e sua
sexualidade inesgotável.
Elas sabem que eles são assim mesmo e respondem suas
intermináveis perguntas com todos os detalhes eróticos que eles exigem. Eles,
entretanto, nunca sabem exatamente o que elas são e se o que dizem é
verdadeiro.
Como Lacan dissera, elas não existem para eles como
individualidade
O
homem está preso à fantasia original de desejo por todas as mulheres e por
aquela mãe interditada que pertenceu ao Pai mítico
Nesse sentido, é
lapidar a cena em que os dois homens acessam a internet, numa dessas salas de
encontros, e um deles finge que é uma mulher. O namoro virtual logo descamba
para uma espécie de sexo virtual. O que prova que para o homem basta que ele
tenha uma projeção de mulher em sua mente para que tudo funcione e a relação
sexual se faça (daí essa relação, no fundo, ser inexistente).
Afinal, tudo não passa mesmo de uma
fantasmagoria masculina. Portanto, tanto faz ser uma falsa mulher
virtual com quem ele conversa na internet ou uma mulher real que ele
fantasia. Amulher real não existe nunca para o homem. Está para
além de suas possibilidades, uma vez que ele está preso à fantasia original de
desejo por todas as mulheres e por aquela mãe interditada que pertenceu ao Pai
mítico. Relaciona-se, então, com sucedâneos simbólicos incompletos desse poder
do pai. Há, portanto, uma impossibilidade ontológica de que esses dois
gêneros possam se encontrar realmente.Daí a necessidade de uma retórica amorosa
para que eles criem um simulacro de relacionamento. Mas quando esses diálogos se
dão no filme, surgem numa chave cínico-irônico-amorosa paradoxal que corta
cirurgicamente a velha retórica amorosa com que os filmes românticos costumam
anestesiar suas plateias.
Revelam magistralmente o que realmente está por
debaixo dos arrulhos amorosos dos casais enamorados.
O masculino estará sempre atrás de um
fantasma idealizado de mulher. Do feminino que só existe em sua carência e
vazio. Elas jamais poderão preencher isso
Talvez, a
cena em que mais se revele essa fissura entre homem e mulher seja a do clube
noturno onde Alice/Jane faz strip-tease. A figura da stripper é simbolicamente
carregada.Essa mulher que se despe completamente para os olhares masculinos
estaria, portanto, tão próxima fisicamente dele que, finalmente, ele poderia
dela se apropriar inteiramente.
Entretanto, nesse momento de aproximação máxima é,
justamente, quando ela fica mais distante, constituindo-se em simulacro
inatingível de desejo e de fantasia.
No clube, Larry, um dos lados desse quarteto improvável,
pede para vê-la totalmente nua e ainda paga para que ela exiba suas partes
íntimas, da maneira mais crua. Aproximação visual máxima do corpo feminino que,
entretanto, não preenche as frustrações e desejos do homem.Ele também paga alto
para que ela lhe diga seu nome verdadeiro. Ela o diz. Mas ele pensa que ela
mente. E ela não esclarece a confusão dele. Não é preciso.
Ele nunca saberá
mesmo o que as mulheres são, qual o nome certo que elas têm. Tanto faz,
portanto, seu nome verdadeiro que ele pensa ser
falso.
O
seu corpo perfeito de stripper, apesar de cruamente nu e real, também é um
velamento, uma alegoria de todas as mulheres possíveis. E não adianta que ele a
veja assim tão de perto e despida. Para ele, a
mulher como individualidade, como outro sujeito também ferido pela castração
narcisística, sempre estará para longe de suas possibilidades. Aqui a
visibilidade totalda mulher é índice do seu total ocultamento, o que nos remete
novamente à símile da "cartaroubada" do conto de Poe, que também está oculta
justamente por estar totalmente visívelsobre a lareira da
sala
Nuas e perto demais, elas,
paradoxalmente, são sempre invisíveis. O masculino estará sempre atrás de um
fantasma idealizado de mulher. Do feminino que só existe em sua carência e
vazio.Elas jamais poderão preencher isso. Só poderiam fazê-lo se concordassem em
ser o objeto fantasmal deles, encarnando para o homem a significação da
castração e, assim,transformarem-se num falo compensatório.
E elas sabem disso.Por
isso mesmo, fingem que são as mulheres que eles pensam que vêm e amam. Que uma
delas, Anna, introjete essa culpa e impossibilidade de relacionamento real,
apenas a faz prisioneira total dessa carência masculina que na verdade não
concerne às mulheres. De certo modo, ela é infeliz porque eles são infelizes com
elas e estão a se relacionar sempre com mulheres
inexistentes.
Portanto, a frase de Lacan, aparentemente
absurda, encontra em Closer sua ilustração.
A
mulher realmente não existe.
É a demonstração dessa frase que pareceu insultuosa
às feministas, mas que, na verdade, revelava o jogo de espelhos falsos na
relação do masculino com o feminino. Ambos preenchem momentaneamente e por pouco
tempo o vago fantasma que o "objeto a" tenta
compensar.
Desses fantasmas é que cada um - homem e mulher - estão
enamorados por algum tempo. Não é à toa, portanto, que o filme comece e termine
com uma mulher nas ruas envolvida pelos olhares masculinos que passam. Esses
olhares fugazes e oblíquos as reconstroem muito longe do que elas realmente
são.Perto demais do feminino é sempre muito longe para o
masculino.
Eros nunca preencherá essa carência, seus objetos de desejo
sempre lhe escaparão por algum furo, por algum vazio, por mais astúcia que
utilize em sua captura.
Somos seres desejantes
destinados a incompletude, e éisso que nos faz caminhar. Lacan já sabia dessa
carência do pequeno deus Eros pela voz de Sócrates quando retomou o tema do amor
nos seus seminários.
Perto demais do desejo é sempre
longe demais.
REFERÊNCIAS
DOR, Joel - Introdução à leitura
de Lacan: o inconsciente estruturado como linguagem. PortoAlegre: Artes Médicas,
1989JAKOBSON, Roman - Linguística e comunicação. São Paulo: Cultrix, s/dLACAN,
Jacques - Seminário 8: A transferência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1992IDEM - Seminário 18: De um discurso que não fosse semblante. Rio de Janeiro:
Jorge ZaharEditor, 2009IDEM - Seminário 20: Mais, ainda. Rio de Janeiro: Zahar
Editor, 1982IDEM - Escritos. São Paulo: Editora Perspectiva, 1978MILLOT,
Catherine - Nobodaddy, A histeria no século. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1988PLATÃO - "O Banquete" in Obras completas, Aguilar, 1972ROUDINESCO, Elisabeth
- Jacques Lacan: esboço de uma vida, história de um sistema depensamento. São
Paulo: Cia. das Letras, 1994Fonte: Portal Ciência e Vida -
*Ainda faltam estudos sobre o desejo feminino.. O que
buscam as mulheres com o amor?A derrradeira pergunta de Freud não foi
respondida:
"Afinal, o
que querem as
mulheres?"
Arrisco um
palpite com base em evidências do quadro atual. Talvez a mulher goste
do jogo de 'bancar' a mulher- objeto para depois desfazer-se da
máscara mostrando -se
integralmente sujeito ou a "sujeita"( fazendo um chiste com o termo
"presidenta" da Dilma.) Ela é sujeito quando mostra-se
única, a sua singularidade com todos os limites e
idiossincrasias , (não cópia de outra
mulher - objeto ,
ideal masculino ),
torna-se pessoal ,
e sim transferível, mas sempre única a cada amor.
Talvez passear entre estes
dois extremos até atingir o extremo ideal, mulher
totalmente independente do olhar masculino, totalmente dona dos seus
desejos, ao invés de mulher-objeto
do desejo masculino , talvez esta dinâmica, esta
alternância, seja o grande prazer
e desafio das mulheres atuais.
O problema é que são poucos os homens que
conseguem amar de verdade a mulher-sujeito, aquela que se mostra quando
caem as máscaras da sedução inicial. É mais fácil para os
homens buscar sempre a mulher idealizada, a mulher-objeto ireal e
inatingível que preenche a falta da castração masculina inicial
edipiana... a interdição. Temos aí um problema difícil de
equacionar.
Leila Diniz,
embora iniciando sua aparição como mais uma mulher-objeto da sua época , superou a
condição quando assumiu como seus os próprios desejos,
revolucionários para a época. Assumiu também a enorme barriga de grávida,
tirando uma foto que foi capa de revista. Com seu gesto simples ela
transformou o imaginário popular, quebrando o tabu que existia com a
exposição da gravidez, como se gravidez fosse algo profano que devesse ser
escondido.
Ana Maria 