por Francis Juliano
Representante e coordenador do “Movimento Vozes de Salvador”, formado por pessoas e entidades, e que integra também o fórum “A Cidade também é Nossa”, o doutor em antropologia e professor da universidade Federal da Bahia Ordep Serra é um dos que cobram melhorias na mobilidade urbana do município. Atento ao que acontece nas últimas semanas nas ruas de todo o país, e principalmente nas soteropolitanas, Ordep vê como aliada a potência que vem delas. “Sem essa pressão, a coisa poderia ser cozinhada por mais um longo tempo e o prejuízo ser muito grande”, disse ao mesmo tempo em que implica a responsabilidade de outros atores. “Mas para se resolver isso, é preciso competência técnica e decisão política, coisa que vem faltando”, declarou em entrevista ao Bahia Notícias. Para Serpa, o metrô, desejado há 13 anos pela população e que já consumiu mais de R$ 1 bi, é mais um dos itens que a cidade necessita para oferecer melhor locomoção para seus moradores, o que inclui também qualificação do transporte coletivo com a abertura da“caixa-preta” das empresas de ônibus, implantação de ciclovias, melhoramento das praças e calçadas, e preservação das áreas verdes, entre outros pontos. “Se você pensar o espaço apenas para o carro individual é uma loucura completa”, avaliou. Veja abaixo a entrevista na íntegra:
Fotos: Regina Serra
Bahia Notícias: Qual a expectativa do “Movimento Vozes de Salvador” sobre os desdobramentos das manifestações que ocorrem na cidade em termos de encaminhamentos para a resolução de problemas de mobilidade urbana? Vocês elencaram 21 propostas que foram divulgadas via Facebook. Quais delas estão mais próximas de serem contempladas?
Ordep Serra: Nós estamos ainda em pleno debate sobre esse assunto e não o fechamos ainda. Temos, sim, uma série de propostas, mas precisamos definir bem aquelas que elegeremos como pauta principal. E nós estamos trabalhando com esse tema não é de agora. Antes das últimas eleições, nós promovemos vários debates com os prefeituráveis, entre eles, o prefeito atual. Entregamos a todos uma espécie de programa da sociedade civil, que nasceu de dois grandes seminários, reunindo técnicos de várias especialidades, entre elas a mobilidade urbana e público geral. Isso é só para dizer que o assunto é antigo no Vozes e no Fórum. A gente vai discutindo problemas da cidade de Salvador de um modo geral, mas ainda a gente vai fechar um pacote para continuar essa negociação.
BN: Mas há alguma expectativa de vocês serem ouvidos logo, com algum encaminhamento da prefeitura?
OS: Nós temos algumas posições e princípios. Elas já estão firmadas. O problema da mobilidade precisa ser enfrentado com mais seriedade. A situação é absolutamente caótica. Nós estamos preocupados com a indefinição do metrô, a ausência de uma auditoria, ou de uma comissão de inquérito para apurar essa situação sinistra que já tem 13 anos, R$ 1 bilhão e seis quilômetros.
BN: Esse assunto do metrô poderia entrar como prioridade entre todas as propostas do movimento?
OS: Sim, mas o governo do Estado agora tem que trabalhar isso. O metrô é realmente necessário como está sendo feito? Mas também a gente não quer que se esqueça o prejuízo que já aconteceu. Isso tem que ser apurado. Outra coisa é a irracionalidade do fluxo de trânsito dos ônibus de Salvador que todo mundo conhece. O propósito parece ser de maximizar os lucros das empresas de ônibus. Não há estudos convincentes da prefeitura, por exemplo, de origem-destino. Isso a gente consultou especialistas em mobilidade urbana e eles disseram que faltam estudos pertinentes. Parece que existe uma caixa-preta aí que é preciso abrir. Tem o problema também das ciclovias. Nós temos 30% da população que anda a pé. Quer dizer, cobre distâncias extraordinárias. E o descaso com a mobilidade urbana atinge um direito fundamental que é ela mesma, a mobilidade, e toca em muitos outros direitos. Como é que você vai ter acesso a equipamentos de saúde, de educação, de Justiça e serviços públicos, de modo geral, se você não consegue se mover na cidade?
BN: Será que o movimento, do que jeito que ele está fortalecido nas ruas, pode fazer com que a obra do metrô não só aconteça na Paralela, mas também vá até Pirajá, como estava previsto no projeto inicial?
OS: Acho que sim. Existe uma pressão e sem essa pressão a coisa pode ser cozinhada por longo tempo e o prejuízo ser muito grande. Temos esperanças agora, mas para resolver isso é preciso ter competência técnica e decisão política, coisa que vem faltando. Repare. Isso está conectado com outras áreas problemáticas. Por isso é que a gente diz que é preciso de mais discussão. Você não pode resolver o problema da mobilidade sem tratar do uso do solo na cidade. Isso é impossível. E nós temos um impasse aí do PDDU [Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano] remendado, fajuto, questionado na Justiça, uma liminar pendente, uma negociação ainda por se encerrar. Temos uma Louos [Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo do Município] questionada, ou seja, nós temos um caos aí. E também não temos um plano diretor metropolitano. O problema da mobilidade de Salvador não se resolve só em Salvador. A Região Metropolitana de Salvador (RMS) está entregue às baratas.
BN: Seria necessário então um PDDU e uma Louos da Região Metropolitana de Salvador (RMS)?
OS: A gente vem cobrando isso. A gente já foi até o governador há dois anos para pedir um plano diretor metropolitano. Porque é o óbvio ululante que nós precisamos disso, mas não tivemos resposta positiva. Quer dizer, o governando concordou com tudo, parecia até uma lagartixa profissional, mas nada fez. Tomou outra direção. A Conder [Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia] continua sendo um órgão destinado a execução de obras em todo o estado, nunca fez um plano para a região metropolitana, então, é uma das razões desse caos. Eu acho que a gente deve bater muito para que o governo assuma sua responsabilidade. E quanto ao PDDU e a Louos municipais de Salvador, a luta continua, como se diz. Vamos ter que ficar o tempo inteiro cobrando. É preciso instalar conselhos da cidade, é preciso realizar consultas públicas, é preciso estabelecer regras de controle social.
BN: Mas é possível acompanhar, fazer parte desse debate, e dar respostas em um tempo em que a população deseja, ou seja, discutir e realizar quase que simultaneamente?
OS: Acho que sim. Se houver um esforço grande, sério, vontade política por parte da prefeitura, pode se ter um novo PDDU democraticamente construído e que tires as aberrações anteriores. É possível, mas é preciso se ouvir a comunidade técnica e a população. Imagine você, um PDDU é algo que se considera a cidade nos próximos 50 anos por aí. Ele tem que ser sistêmico e de longo alcance.
BN: A suspensão dos Transcons [Transmissões do Direito de Construir] recentemente pelo prefeito ACM Neto representa um avanço nessa discussão de mobilidade?
OS: É um avanço. Ele parece decidido a resolver esse problema. Enfim, tudo isso está em discussão. Nossas posições são conhecidas porque têm documentos do passado, mas em termos de propostas e metas, eu acredito no seguinte, é a posição que eu pessoalmente defendo no Movimento Vozes de Salvador, a gente tem que estabelecer metas com um cronograma, de modo que a gente possa fazer o controle social, para saber o que foi e o que não foi cumprido. Metas bem estabelecidas e concatenadas e também com definições temporais. Todas as campanhas do Movimento Vozes de Salvador são em favor da participação democrática. E a gente vem insistindo, batendo, nisso o tempo inteiro que não é mais possível continuar com essa história do voto cheque em branco, com que a autoridade nunca mais lhe ouça, não mais lhe consulte, e vá fazendo o que ela quer. Com isso, se verificou no Brasil uma explosão popular de descontentamento com essa crise de representação que a gente está vivendo e com esse hiato, essa irrealização da participação democrática. O resultado está aí nas ruas.
BN: Outra reclamação freqüente de moradores de Salvador é sobre o problema das praças. Há uma constatação de que esses locais estão abandonados?
OS: Salvador, praticamente, está proibida para o pedestre. Você vai andar em Salvador, não tem nem passeio. Está tudo arrebentado, esburacado, ou indevidamente ocupado, distorcido. Quem for cadeirante tem que ficar em casa o tempo inteiro.
BN: Existem pessoas favoráveis ao metrô que questionam a construção desse modal de transporte na Paralela. Segundo eles, não há público suficiente para custear o transporte, apesar de que ali existem bairros populosos como Bairro da Paz, São Rafael, São Cristóvão.
OS: O traçado ali parece que não beneficia a população, é um traçado meio segregacionista, isso é uma opinião pessoal. Nós ainda não definimos a nossa posição do metrô porque a gente tem o hábito do fórum de criar grupos de trabalho onde a gente coloca técnicos especializados na área, ou seja, engenheiros, especialistas em mobilidade, o pessoal que compreende esse assunto. Eles amadurecem e trazem as propostas técnicas para discutir no pleno. Agora, minha opinião, que é compartilhada por muitos do movimento, é que todos os grandes projetos que aparecem para a mobilidade urbana são meio segregacionistas. A população mais pobre da cidade terá dificuldade de acesso ao metrô.
BN: O senhor considera que dentre as reivindicações sobre a mobilidade urbana, o metrô é a mais urgente para a cidade?
OS: Não digo isso. Tem questões mais urgentes. É preciso repensar todo o sistema de mobilidade urbana de Salvador. É preciso pensar em ciclovias, é preciso pensar no redesenho, é preciso fazer licitação do transporte público urbano. Mas o que é mais urgente mesmo é uma aposta no transporte público coletivo porque não é levado a sério. Se você pensar o espaço apenas para o carro individual é uma loucura completa. Nós temos o pior transporte público de todo o Brasil. A verdade é essa. O trabalhador, as pessoas perdem muitas horas em um transporte de péssima qualidade. Eu não sei como essa coisa não explodiu antes. Aliás, já explodiu, você lembra a Revolta do Buzu?
BN: Lembro sim. Agora, outra questão que está sendo verificada é o problema das áreas verdes. Em condomínios da Paralela têm sido comum o aparecimento de animais silvestres em apartamentos. Neste aspecto, existe legislação que limite o uso dessas áreas?
OS: É uma devastação sinistra que está ocorrendo em Salvador. Os crimes ambientais que se acumulam são outra coisa. Você sabe que o município de Salvador não tem código ambiental? Todas as licenças dadas pelo município são todas arbitrárias. São baseadas em quê? Em código que não existe.
BN: Mas o PDDU e a Louos não dariam conta disso?
OS: Não dão conta. É preciso especificamente de um código ambiental.