O príncipe e o plebeu
Por Mino Carta
Um amealhou fortuna e poder sem correr riscos, o outro, culpado ser favorito da próxima eleição, está preso sem crime
"Há dois conjuntos distintos de princípios. Os princípios do poder e do privilégio de um lado, os princípios da verdade e da justiça do outro. Buscar verdade e justiça implica diminuição do poder e do privilégio, buscar poder e privilégio sempre se dará às expensas da verdade e da justiça", Chris Hedges – Jornalista estadunidense que se apresenta como cristão anarquista.
Às vésperas da eleição de 1994, entrevistei Fernando Henrique Cardoso. O propósito era ir às bancas logo após o pleito, o que de fato se deu. Foi a terceira capa de CartaCapitalmensal.
No início da entrevista, evoquei a visita de Jean-Paul Sartre a São Paulo, em 1963, quando FHC, aos 31 anos, foi um dos cicerones do autor de A Idade da Razão. Comentei: “Então você era bem vermelhinho”. Respondeu de bate-pronto: “Não, não, eu já misturava Marx com Weber”.
Observei que no prefácio do seu primeiro livro, tese de doutorado em Sociologia, Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional, ele mesmo escrevera ter empregado o “método dialético marxista”. Agradeceu pela lembrança e admitiu: “Sim, é verdade, mas tirei a referência do prefácio da segunda edição”.
Era “vermelhinho” havia muito tempo. Em 1953, foi para a calçada para torcer por Emil Zátopek, vencedor da São Silvestre com folga, porque o “Locomotiva Humana” tcheco era atleta comunista. Já naquele tempo, Fernando Henrique segredava aos amigos o projeto de ser algum dia presidente da República, ou, como alternativa viável, cardeal.
Denodado esquerdista, fugiu para o Chile depois do golpe de 1964 sem que a tanto o forçassem os militares, e lá, em parceria com Enzo Falletto, escreveu A Teoria da Dependência, destinada a afirmar sua irremediável descrença em relação ao empresariado brasileiro.
Para tornar-se presidente, ele cuidou de abjurar, e o fez com gosto. “Esqueçam o que eu disse”, recomendou. De todo modo, Antonio Carlos Magalhães já alertara na segunda edição de CartaCapital mensal: ele não é tão de esquerda assim...
Na Presidência, o projeto inicial ganhou consistência. Conseguiu, em oito anos, comandar a maior bandalheira-roubalheira da história pátria com a privatização das Comunicações, comprar votos para conseguir a alteração constitucional que permitiu a reeleição e quebrar o País três vezes.
Ao chegar ao poder, Lula encontrou uma dívida monumental e as burras vazias. Atenção: durante o governo de FHC, a Petrobras passou, como sempre, por variados episódios de corrupção.
Na reportagem de capa desta edição, Alceu Luís Castilho, há tempos dedicado à tarefa, conta como o nosso herói se tornou o príncipe da casa-grande, com todos os benefícios devidos a personagem tão imponente no centro de um enredo sobre a conquista do poder na sua acepção mais ampla e, se quisermos, estarrecedora.
Os protagonistas ocupam, no mínimo, uma ala conspícua da mansão senhorial graças a manobras ardilosas de origem nem tão antiga, embora, para dizer pouco, muito além de suspeita. A família de um professor universitário aposentado, como será provado, e seus apaniguados e comparsas, empenham-se com extrema eficácia e total falta de escrúpulos em busca de privilégio e riqueza. Leiam e pasmem.
Link da matéria:
https://www.cartacapital.com.br/revista/1012/o-principe-e-o-plebeu
O príncipe canavieiro e sua corte
Como FHC e seus filhos tornaram-se prósperos investidores do agronegócio, amparados pelo pecuarista jovelino mineiro e outros hóspedes da casa grande
Por Alceu Luís Castilho*
Cinco reais. Esse foi o preço pago pela prefeitura de Botucatu pelos 36,54 hectares de uma das duas fazendas da família de Fernando Henrique Cardoso no município do centro-sul paulista, em 29 de maio. Uma empresa em nome dos três filhos do ex-presidente tem no local duas propriedades rurais: a rigor, um canavial localizado em região de mananciais, numa Área de Proteção Ambiental. Repetindo o preço pago pelas terras: 5 reais.
Houve um acordo amigável: a Fazenda Rio Pardo já tinha sido expropriada, em março, para a construção de uma represa. A cifra investida em 2012 pela empresa Goytacazes Participações, na época administrada por FHC, foi de 643 mil reais. A filha Luciana Cardoso esteve com o prefeito Mário Pardini, do PSDB, em abril, para selar o acordo. O bem já estava somente nos nomes dela, da irmã Beatriz e do irmão Paulo Henrique.
Os dados do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Botucatu, no interior paulista, mostram que a outra fazenda da família, a Três Sinos, manteve-se até agora intacta. O processo de desapropriação (40 hectares do total de 204,77 hectares) está correndo. Com isso, os filhos de FHC receberão mais 5 reais. Assim como a Rio Pardo, contígua, a Três Sinos foi comprada em 2012 dos mesmos donos, parentes do industrial Ivan Zarif (eles mantiveram propriedades homônimas na mesma região), falecido no ano anterior. Preço: 3,6 milhões de reais. Total pago pelas duas propriedades: 4,23 milhões.
As duas fazendas, com números de matrícula 28.850 e 28.854, formam um vasto canavial, numa área de proteção de mananciais na Área de Proteção Ambiental Corumbataí, Botucatu e Tejupá, que protege as cuestas, o Aquífero Guarani e a biodiversidade única da região, entre Mata Atlântica e Cerrado. Todas as pessoas ouvidas, moradores e trabalhadores, referem-se ao canavial como “a fazenda do Fernando Henrique”, mas nunca o viram por lá.
O príncipe e os herdeiros: Beatriz, Luciana e Paulo Henrique
A reportagem percorreu o local de carro e a pé e gravou imagens aéreas com drone. Não há mais nada além de cana. Nenhuma placa, casa, lago, pedalinho. A única cerca é a que separa a Fazenda da Cachoeira Véu da Noiva, ponto turístico administrado pela prefeitura. Não há nenhuma casa a ser reformada, pois não há nenhuma construção. O canavial torna o lugar aparentemente inóspito, mas não está destinado a permanecer como tal.
O projeto da Secretaria de Planejamento é de que todo o entorno da represa se torne uma atração turística. Com a construção de “chácaras de recreio” ao redor. A reportagem teve acesso a um e-mail de uma autoridade da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo, a Cetesb, que confirma a meta de fatiamento e posterior loteamento das fazendas.
Em outras palavras, todas as propriedades sobreviventes à desapropriação serão valorizadas. “Pela descrição, é um lugar que ele não deveria estar ocupando”, diz João Batista de Oliveira, da ONG Nascentes e um dos membros do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Comdema). “Ele não pode mexer nessa parte que foi doada, não está fazendo isso porque é bonzinho.”
Pelo menos desde 2015 em pauta, o projeto da represa foi concebido na gestão tucana anterior, de João Cury (2009-2016). O governador tucano Geraldo Alckmin, agora presidenciável, avalizou o projeto, a cargo da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), empresa mista ligada ao governo estadual.
O prefeito Pardini era superintendente regional da Sabesp durante a gestão de Cury. Para efetivar a licença ambiental foi acionada a Cetesb de São Paulo, capital. A Cetesb concedeu, no dia 7 de junho, a licença prévia para a barragem. Foi aberto um período de 30 dias para manifestação, por escrito, de qualquer interessado. A validade é de cinco anos.
Os ambientalistas reclamam da falta de negociação com a sociedade civil, embora as obras afetem uma área de preservação importante de nascentes, nas bordas do Rio Pardo, um dos principais afluentes do Rio Paranapanema, e na região das cuestas basálticas, que separam planalto de planície – uma das mais bonitas do estado de São Paulo.
O Plano Diretor, aprovado em outubro na Câmara Municipal, fala em vários pontos da previsão de chácaras de recreio na região. Mas isso nas zonas de proteção ambiental. Nas zonas de mananciais, não. Uma das previsões para esses trechos é esta: “Estimular a instituição de área de recreação, lazer, educação ambiental e pesquisa científica, desde que não tragam prejuízo à conservação dos mananciais”.
O amigo das terras
Fernando Henrique Cardoso não chegou por acaso em Botucatu. Ao lado do canavial da família fica a Central Bela Vista, uma empresa de genética bovina que pertencia ao pecuarista Jovelino Carvalho Mineiro Filho. Chamado por FHC de “Nê”, ele é o segundo principal personagem desta história, atrás apenas do próprio ex-presidente.
“Desapropriação amigável”: a prefeitura de Botucatu pagou 5 reais por 36 hectares que pertenciam à empresa de FHC
Jovelino Mineiro é sócio de Emílio Odebrecht, o terceiro personagem. Foi por iniciativa do pecuarista que, em 2002, organizou-se no Palácio da Alvorada um jantar voltado à arrecadação dos fundos para a criação do Instituto Fernando Henrique Cardoso, hoje Fundação FHC. O empreiteiro, atualmente em prisão domiciliar, era um dos 12 empresários presentes. E, portanto, foi um dos financiadores do projeto.
Ele e outros comensais continuaram tendo relações próximas com Fernando Henrique e com Jovelino Mineiro. A empresas do português Ricardo Espírito Santo, por exemplo, foram sócias do pecuarista na Fazenda Morrinhos, um latifúndio de 12 mil hectares a alguns quilômetros do canavial dos Cardoso, em Botucatu. O Grupo Espírito Santo foi um dos principais acionistas do Bradesco e manteve um império de telecomunicações (a partir da Portugal Telecom), até falir em 2014.
Naquele jantar de 4 de dezembro de 2002, cada empresário decidiu doar 500 mil reais para a fundação. Entre eles estava Luiz Roberto Ortiz Nascimento, da Camargo Corrêa. Anos depois, tornou-se delator da Lava-Jato. No início do primeiro governo de FHC, em 1995, a revista IstoÉ contou que a empreiteira construíra um aeroporto em fazenda vizinha à de FHC, em Minas. E quem o utilizava era, principalmente, a família do ex-presidente.
Os comensais do jantar provaram foie gras e beberam vinho francês Château Pavie. Os empresários já haviam doado 1,2 milhão de reais para a sede do instituto, sem ter levantado discussão ética ou jurídica. “O problema seria se o presidente tivesse chamado empresários ao Palácio da Alvorada para pedir doações em troca de favores e benefícios concedidos pelo atual governo”, dissertou na época o então procurador Rodrigo Janot, anos depois chefe da Procuradoria-Geral da República.
Jovelino, o advogado e a Odebrecht
As conexões políticas e empresariais são institucionalizadas e transmitidas como herança política. Os filhos de Jovelino Mineiro, Bento, e de Pedro Novis, ex-presidente do Grupo Odebrecht e mais um delator da Lava Jato, fazem parte da direção da Sociedade Rural Brasileira, uma organização quase centenária em São Paulo, articuladora do golpe de 1964 e pioneira na costura do impeachment de Dilma Rousseff. O próprio Jovelino Mineiro já foi um dos diretores.
(Momento televisivo: um dos tesoureiros da Rural, o bolsonarista Frederico D?Ávila, apareceu em junho no Roda Viva, inquirindo a candidata do PCdoB, Manuela D?Avila, em defesa da castração química de estupradores. Ele é irmão de um dos 12 membros não vitalícios da Fundação FHC, Luiz Felipe D?Ávila.)
Fiel escudeiro, Jovelino Mineiro tornou-se conselheiro agrário e também um “laranja”, segundo Mirian Dutra
O jovem Bento Mineiro era quem assoprava as velinhas dos bolos durante os aniversários de Fernando Henrique no Palácio da Alvorada. Em Botucatu, frequentava uma escola próxima do atual canavial da família FHC, a Waldorf Aitiara. No início da vida adulta, foi o fundador do movimento Endireita Brasil e da Rural Jovem. Desde então frequenta o Edifício CBI Esplanada, na Rua Formosa, em São Paulo, ao lado do Theatro Municipal, onde ficam a Sociedade Rural Brasileira, no 19º andar, e a Fundação FHC, no 6º andar.
A escolha do local para o think tank em São Paulo, como confirma o próprio ex-presidente, foi de Jovelino Mineiro. Não apenas um conselheiro para assuntos de genética bovina, portanto, e sim alguém com influência em outros temas. Da Fundação FHC, onde figura como um dos 12 membros não vitalícios, ao Palácio do Planalto. Um prestígio crescente desde que conheceu o sociólogo, em Paris, a partir de uma amizade com Paulo Henrique Cardoso.
O pecuarista e Emílio Odebrecht são sócios na empresa de genética Recepta Biopharma, a ReceptaBio, que desenvolve em São Paulo pesquisas sobre o câncer. Outro sócio é a BNDESPar, do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em uma das assembleias, em 2015, eles foram representados por José de Oliveira Costa, advogado de Jovelino Mineiro e de Fernando Henrique Cardoso. Costa foi diretor da Fundação FHC até abril passado, segundo o diretor-executivo Sérgio Fausto. Seu nome ainda consta no site e nos registros empresariais, ao lado de Beatriz Cardoso, a filha caçula de Fernando Henrique.
A exuberante fazenda de FHC foi projetada pelo arquiteto Luiz Gaudenzi
Foi Oliveira Costa quem pediu ao jurista Ives Gandra da Silva Martins, em 2015 (o mesmo ano em que representava a Odebrecht em assembleia), um parecer sobre o impeachment de Dilma. O advogado também já utilizou seu e-mail numa troca de mensagens, como informou a revista Época em 2008, sobre um saldo bancário da instituição com o Banco Opportunity, de Daniel Dantas. O e-mail era do Instituto FHC.
O mundo das telecomunicações aparece, aqui e ali, na rede de conexões do príncipe dos sociólogos. Outro sócio da ReceptaBio, José Barbosa Mello, foi diretor-superintendente do consórcio Stelar Telecom, nos anos 1990, durante a corrida das teles promovida pelo governo Fernando Henrique. Esse consórcio era formado, entre outros, pela Camargo Corrêa, sob o controle da Odebrecht. Mas não conseguiu fisgar nenhuma região privatizada. Emílio Odebrecht também frequentava o gabinete de outro dublê de fazendeiro, Sérgio Motta, ex-ministro das Comunicações e grande conselheiro de FHC.
As conexões de Jovelino Mineiro com a Odebrecht não param por aí. Uma das fazendas dele, em Teodoro Sampaio (SP), está arrendada para a Atvos, antiga Odebrecht Agro, o braço canavieiro da família baiana, com cerca de 450 mil hectares arrendados em São Paulo, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Ela também tem seus tentáculos agropecuários com pelo menos outros 24 mil hectares, em fazendas de gado na Bahia, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Minas Gerais.
De Buritis a Paris
Fernando Henrique nunca foi alheio a essa movimentação. A série de livros Diários da Presidência mostra a relação próxima com o pecuarista. São incontáveis as vezes em que o ex-presidente fala de “Nê” e de “Carmo”, a mulher de Jovelino, Maria do Carmo de Abreu Sodré Mineiro. O casal era frequentador assíduo do Palácio da Alvorada, na conexão entre Botucatu/Pardinho e Brasília.
Em maio de 1996, quando FHC recebeu Emílio Odebrecht no palácio – o da Alvorada, note-se, não o do Planalto –, o pecuarista estava presente. Como amigo ou como assessor político? Fernando Henrique não contou. Vejamos as impressões registradas nos diários do príncipe:
– Também à noite, recebi aqui, com o Nê, o Emílio Odebrecht. Curioso, a firma Odebrecht ficou tão marcada pela CPI dos Anões do Orçamento, com o negócio da corrupção e, no entanto, o Emílio é um dos homens mais competentes do Brasil em termos empresariais. Ele veio discutir comigo uma espécie de radiografia dos grupos empresariais brasileiros. Eu queria conversar sobre isso com ele, acho que temos que organizar o capitalismo brasileiro, e o BNDES é o grande instrumento para essa organização.
Em 2002, o governo chegou a destacar tropas federais para despejar os sem-terra
A simpática Maria do Carmo Mineiro é filha do ex-governador biônico de São Paulo Roberto de Abreu Sodré (1966-1971), que deixou como legado econômico várias fazendas, administradas pelo genro, e um famoso apartamento de 100 metros quadrados em Paris, na Avenue Foch. É lá que, segundo a jornalista Mirian Dutra, mora hoje o filho que ela teve com FHC, em alternância com um apartamento em Nova York. Em 2009, após a morte da mulher, Ruth Cardoso, com quem foi casado por 55 anos, Fernando Henrique reconheceu formalmente Tomás como filho em um cartório em Madri. Dois anos depois, os dois fizeram dois exames de DNA, a pedido dos três filhos do ex-presidente. O primeiro teste, feito em São Paulo, deu negativo. O segundo, realizado em Nova York, também indica que Tomás não é filho biológico de FHC.
FHC teve um filho fora do casamento com Miriam Dutra. Mais tarde, descobriu que não era o pai biológico de Tomás
Mirian diz que as propriedades são de Fernando Henrique. Jovelino, segundo ela, é apenas um laranja. Como teria sido em Buritis (MG), durante os governos do sociólogo. O ex-presidente argumentou, em 2015, que o apartamento em Paris pertencia à mãe homônima de Carmo, Maria do Carmo Mellão de Abreu Sodré, que morreu quase 15 anos após o ex-governador.
Após a morte da matriarca, em 2012, o espólio da família foi herdado por Maria do Carmo Mineiro e sua irmã, Anna Maria Mellão de Abreu Sodré Civita, casada com Richard Civita, um dos filhos de Victor Civita, o fundador do Grupo Abril. A causa jurídica foi abraçada pelo escritório de José de Oliveira Costa, o advogado da família de Mineiro e de FHC.
Jovelino Mineiro, que não atendeu aos pedidos de entrevista, tem múltiplas atividades. Está longe de ter um perfil passivo. Sua amizade próxima com FHC é inquestionável. Foi em uma das fazendas do pecuarista, a Bela Vista, que Fernando Henrique decidiu esperar o resultado das eleições presidenciais, em 1994.
Bela vista e belas arquiteturas
A Fazenda Bela Vista fica em Pardinho (SP), a poucos quilômetros do canavial dos Cardoso em Botucatu e da Central Bela Vista, empresa de genética bovina contígua às duas fazendas da Goytacazes. A Central Bela Vista foi vendida por Jovelino Mineiro a um grupo belga-holandês, o CRV. O pecuarista estava lá, em Botucatu, na inauguração da nova sede, em maio do ano passado, ao lado de Mário Pardini e João Cury, prefeito e ex-prefeito do município.
O nome da Fazenda Bela Vista decorre de uma vista mais do que privilegiada do alto da cuesta para os morros da planície. Deslumbrados com o horizonte, Fernando Henrique e Ruth Cardoso voltaram lá para passar o réveillon de 2002. A imprensa registrou quase como uma curiosidade: iniciava-se o último ano do sociólogo em outro planalto, a mil quilômetros de distância, em Brasília.
A fazenda de Jovelino Mineiro em Pardinho possui uma sede luxuosa, com um projeto arquitetônico premiado, concebido pelo arquiteto Luiz Gaudenzi. O próprio arquiteto divulga em sua página na internet, com destaque, as imagens suntuosas da mansão. Ainda que não tão rico como o amigo (em 1998, ele declarou à Justiça Eleitoral possuir 1,2 milhão de reais), Fernando Henrique decidiu não ficar completamente para trás.
Entre uma estada e outra, animado, o sociólogo contratou Gaudenzi para projetar a sede da Fazenda Buritis, em Minas, onde passava fins de semana com a mulher e os filhos, “Nê e Carmo”, Bento Mineiro ou o séquito de ministros e políticos mais próximos. O arquiteto também divulga as fotos da fazenda de FHC, igualmente luxuosa, mas também desprovida de pedalinhos.
Conhecida pelas sucessivas ocupações feitas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Fazenda Córrego da Ponte, em Buritis, foi comprada por Fernando Henrique e Sérgio Motta, em 1989, quando FHC era senador. A aventura de FHC como pecuarista, amparado por Motta e pelos conhecimentos de genética bovina de Jovelino Mineiro, durou até 2003, primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Definido até por biógrafos amigos como “trator”, era o ministro Motta, um dos personagens mais impactantes dos anos 1990, quem administrava a fazenda de 1.046 hectares. Após sua morte, em 1998, a propriedade foi transferida para Jovelino e os filhos do presidente, Paulo Henrique, Luciana e Beatriz Cardoso, atuais donos do canavial em Botucatu.
Fernando Henrique vivia às turras com o MST. Considerava, e considera, o universo camponês um “atraso”, em contraponto ao agronegócio, que ele associa à “modernidade”. O movimento ocupou a Córrego da Ponte algumas vezes, entre 1999 e 2002. Em uma das ocasiões, o governo mobilizou o Exército para o despejo.
Na ressaca de seus oito anos de presidência, FHC passou alguns meses em Paris, no portentoso prédio da Avenue Foch.
A Fundação FHC costuma promover eventos simpáticos ao agronegócio, com a presença de representantes do setor. Entre eles, representantes de empresas financiadoras dos próprios eventos, como a Cosan e a Raízen. “Isso nunca condicionou o debate aqui dentro”, diz o principal executivo da organização, o sociólogo Sérgio Fausto. Ele cita como contrapontos críticas feitas por Fernando Henrique ao agronegócio – por ser um modelo concentrador – e políticas de reforma agrária realizadas por seu governo. “Nos últimos anos, o diálogo com os movimentos sociais ficou muito difícil”, afirma, para justificar a ausência de camponeses nos debates. “Mas não tem nenhum problema receber movimento social. O presidente recebia o MST no Palácio do Planalto.”
Outra fazenda ocupada pelo MST nos estertores do governo FHC, em Teodoro Sampaio (SP), pertencia a Jovelino Mineiro, herança de Abreu Sodré. Não podia, porém, ser associada à modernidade. É aquela fazenda hoje arrendada para a Odebrecht. Para os sem-terra, tratava-se de terra pública. O pesquisador Bernardo Mançano Fernandes, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), declarou à época que ela era fruto de grilagem.
Quem comprou os touros de FHC?
A família Cardoso circulou por essa região, no Pontal do Paranapanema, uma região do estado de São Paulo devastada pelos fazendeiros. Em Rancharia, município vizinho, a Fazenda Córrego da Ponte participou, em 1999, de um leilão de touros promovido por Jovelino Mineiro e o próprio ex-governador Abreu Sodré, falecido naquele ano. “E agora, minha gente, um dos melhores bois do dia”, anunciou o leiloeiro, conforme descrição da Veja. “É o boi do presidente Fernaaando Henriiiiqueee Cardoooosoooo!!!”
FHC estava no início de seu segundo mandato, e em seu segundo leilão de touros Brangus. O sociólogo não estava lá. Foi representado por Luciana Cardoso. No primeiro leilão, em 1998, o lote de 33 touros criados em Buritis foi arrematado, de uma só vez, por 69 mil reais. A imprensa noticiou de passagem quem era o comprador: o sul-mato-grossense Waldemar Bittencourt de Carvalho, então com 88 anos (faleceu em 2000), apresentado como “muito amigo” de FHC.
Waldemar era pai de Eduardo Bittencourt de Carvalho, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP) exonerado em 2012, sob a suspeita de enriquecimento ilícito. Deputado estadual entre 1983 e 1991 pelo PL, Eduardo recebia 21 mil reais por mês, em 2009. Mas tinha, no Brasil e nos Estados Unidos, um patrimônio de 50 milhões de dólares. Entre os bens estava a Agropecuária Pedra do Sol, dona de uma fazenda em Corumbá (MS), a compradora dos touros.
Dez anos depois, em 2009, o então conselheiro do TCE foi mencionado no relatório da Operação Castelo de Areia, da Polícia Federal, como um dos supostos beneficiários de repasses ilegais, para políticos, pela construtora Camargo Corrêa. A operação foi anulada pela Justiça dois anos depois, sob a alegação de que as denúncias eram anônimas. No ano passado o ex-ministro Antonio Palocci, da Fazenda, acusou Cesar Asfor Rocha, ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de receber 5 milhões de reais para barrar a operação.
Sergio Motta, companheiro inseparável, e Abreu Sodré, influente conselheiro
Fernando Henrique não fala
Em abril de 2017, Emílio Odebrecht apareceu no Jornal Nacional contando que tinha financiado as campanhas de FHC, para a Presidência da República e para o Senado, com caixas 1 e 2. Era um depoimento ao juiz Sergio Moro, em Curitiba, em meio às investigações da Operação Lava Jato. “Com certeza, teve a ajuda de caixa oficial e não oficial”, declarou o empreiteiro.
O ex-presidente ganhou espaço para responder: “Não tenho nada a esconder, nada a temer e vou ver com calma do que se trata. Por enquanto, não há nada específico, é tudo muito vago”. O Ministério Público do Estado de São Paulo abriu, dois meses depois, em junho, um inquérito civil para investigar a delação. Cerca de 20 dias depois, no dia 5 de julho, o caso foi arquivado. FHC tem mais de 80 anos, e o crime estava prescrito.
O MPF não pôde investigar as doações de Emílio Odebrecht. FHC tem mais de 80 anos e o crime estaria prescrito
Fernando Henrique Cardoso foi procurado, em maio, pelo observatório De Olho nos Ruralistas, na série de 27 notícias que deu origem a esta reportagem especial de CartaCapital. Entre os assuntos, as duas fazendas em São Paulo, a fazenda em Minas, as relações com Jovelino Mineiro e Emílio Odebrecht. Ele recusou a entrevista. Limitou-se Sérgio Fausto, diretor-executivo da Fundação FHC, de liquidar a questão à base de informações sucintas.
Fernando Henrique contou que cada um dos filhos recebeu 500 mil reais pela venda da Fazenda Buritis, em 2003. O ex-presidente também informou que as fazendas em Botucatu tinham sido compradas, nove anos depois, por 4 milhões de reais. O Brasil vivia o segundo ano de governo de Dilma Rousseff. Diante da recusa de uma entrevista, não foi possível saber mais sobre a relação do ex-presidente com a Odebrecht. A não ser que ele a nega. Sempre por meio de Sérgio Fausto, ele escreveu que não possui relação com a empreiteira nem com qualquer outra empresa. E informa que o canavial era uma terra nua: – Não tenho qualquer propriedade rural. A que tinha, comprada poucos anos atrás, custou cerca de 4 milhões de reais. Era uma terra nua de 260 hectares e hoje pertence a meus três filhos, os quais doaram cerca de 70 hectares à Prefeitura de Botucatu. A outra, que tive em sociedade com Sérgio Motta, em Minas Gerais, quase na fronteira com Goiás, foi comprada nos anos 80 e quando a vendi, há mais de dez anos, a propriedade já era de meus filhos, que devem ter recebido, cada um, em torno de 500 mil reais. Não tenho relações comerciais ou econômico-financeiras com qualquer pecuarista ou outros empresários.
Lugares, nomes e cifras
Em nome dos três filhos, a empresa Goytacazes Participações, dona das fazendas, tem um capital social de 5,7 milhões de reais. O sócio administrador era o próprio FHC, mas, com sua saída, há dois anos, o posto foi assumido por Luciana Cardoso. Bióloga de formação, ela tornou-se notícia em 2009, acusada de ser funcionária fantasma no gabinete do ex-senador e ex-deputado Heráclito Fortes (PSB-PI), à época no DEM, um dos principais articuladores do impeachment de Dilma Rousseff na Câmara.
Sergio Fausto é sempre escalado para responder por FHC, a negar relação com as empresas de Odebrecht
Face jurídica do canavial inóspito em Botucatu, a Goytacazes foi fundada em fevereiro de 2012, quatro meses antes da compra das fazendas. Sua sede contábil fica em Osasco, na Região Metropolitana de São Paulo. Um município sem atividade agropecuária, como observou em 2015 a Rede Brasil Atual. De fato, a empresa funciona (até hoje, ao contrário do que a fundação informou há três anos) na Rua Emílio Carlos, no endereço da Contadata.
É o e-mail do advogado José de Oliveira Costa, outra eminência subestimada de Fernando Henrique, que aparece nos registros da Goytacazes. O endereço na Rua Emílio Carlos é ou foi o mesmo de várias empresas em nome do trio Jovelino, Maria do Carmo e Bento Mineiro, como a Fazendas Sant?Anna, a Agrícola Ribeirão do Atalho (antiga sócia dos portugueses do Grupo Espírito Santo) e a Ouro Preto Participações. Boa parte dessas empresas tem conexão direta com Botucatu – em tupi, Ybytu katu, “bons ares”.
Mas que o leitor não se impressione com a origem indígena do nome da empresa, Goytacazes. Pode não ser uma homenagem do sociólogo, com pé num canavial, aos bravos guerreiros. E, sim, referência ao nome de uma rua em Santa Cecília, próxima de Higienópolis, um dos bairros preferidos da aristocracia paulistana. Essa rua fica a 800 metros da Rua Rio de Janeiro, onde vive Fernando Henrique, desde 2003, em um apartamento de 450 metros quadrados.
O imóvel foi comprado por 1,1 milhão de reais, logo após ele retornar de Paris (ele passou alguns meses no apartamento da Avenue Foch), ainda na ressaca de seus oito anos na Presidência da República. Hoje vale ao menos 4,3 milhões de reais, se levar em conta o preço médio do metro quadrado na região: 9,6 mil. No mesmo ano de 2003 era vendida a Fazenda Buritis, em Minas. O apartamento que pertencia ao banqueiro Edmond Safdié ocupa um andar inteiro do edifício e, conforme reparou o ex-presidente na ocasião, muito bem impressionado, possui cinco vagas na garagem. ?
*Editor do De Olho nos Ruralistas. Colaborou Igor Carvalho
O GOSTO PELA BELEZA
Fernando Henrique, Jovelino Mineiro, integrantes e financiadores da Fundação FHC encontram-se nos conselhos de algumas das mais famosas instituições culturais de SP
Por Alceu Luís Castilho*
A dolce vita também é tucana
A expressão dolce vita propagou-se diante do sucesso de um dos principais filmes de Federico Fellini. Costuma ser utilizada ao se descrever a vida descontraída, fútil e endinheirada de celebridades, entre elas políticos e empresários. No caso de Fernando Henrique Cardoso, outro título de filme italiano, A Grande Beleza, de Paolo Sorrentino, Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2014, pode ser invocado para traduzir o interesse peculiar do ex-presidente e de seus amigos pelo universo (nem sempre charmoso) da arte.
Presidente de honra da Fundação Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Fundação Osesp), FHC tornou-se um frequentador assíduo das rodas empresariais da alta sociedade. Foi lá, na Sala São Paulo, sede da Osesp, que ele comemorou seus 80 anos. Entre os presentes estavam Marcelo Odebrecht e Luiz Roberto Ortiz Nascimento, da Camargo Corrêa. “Essa é uma noite para os meus amigos”, discursou, em 2011, o acadêmico Fernando Henrique, antes de cumprimentar cada um deles. “E, na minha idade, a gente dá muito valor às amizades.”
Esses e outros personagens ligados à Fundação FHC ou à face agropecuária do ex-presidente se sucedem nos conselhos de algumas das principais instituições culturais de São Paulo. Um exemplo: o pecuarista Jovelino Mineiro e o empreiteiro Emílio Odebrecht, além de sócios na empresa ReceptaBio, estão entre os 42 associados do Museu de Arte de São Paulo (Masp), ao lado de Luiz Roberto Ortiz Nascimento e do ex-prefeito paulistano João Doria Junior.
Entre os 76 membros do Conselho Deliberativo do Masp está o patrono José de Oliveira Costa, o advogado de Jovelino Mineiro e de FHC, que já representou o pecuarista e Emílio Odebrecht em uma assembleia da ReceptaBio. Também fazem parte desse conselho os presidenciáveis Flávio Rocha (PRB), Henrique Meirelles (MDB) e o empresário Ricardo Steinbruch, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). O irmão de Ricardo, Benjamin, foi um dos 12 empresários presentes no jantar que criou o Instituto FHC, em 2002. Assim como Nascimento e Emílio Odebrecht.
Dos conselhos às organizações sociais
Observemos o protagonismo cultural e filantrópico desses e de outros amigos de Fernando Henrique.
JOVELINO MINEIRO: Patrono da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, assim como o filho Bento Mineiro e a mulher Maria do Carmo. Associado do Masp, ele também coleciona obras de arte. Entre os artistas com obras em seu acervo está José Roberto Aguilar, diretor da Casa das Rosas entre 1995 e 2003. O pecuarista aparece na Justiça como interessado em um processo que envolve um quadro atribuído a Pablo Picasso. O comprador acusou Anna Maria de Abreu Sodré Civita, cunhada de Mineiro, de ter vendido um quadro errado. Ela é defendida por José de Oliveira Costa, o advogado de FHC.
José Ermirio de Moraes Neto e Celso Lafer são conselheiros da Fundação Osesp, que tem FHC como presidente de honra
CELSO LAFER: Colega de FHC na Academia Brasileira de Letras. Ele é dono da cadeira 14. O ex-presidente, da 36, vaga que já foi do liberal José Guilherme Merquior. Sócio da Klabin, Lafer é um dos 12 conselheiros não vitalícios da Fundação FHC. Ministro do Desenvolvimento e chanceler durante os governos Fernando Henrique, ele estava no jantar dos 80 anos. Membro do Conselho de Orientação da Fundação Osesp, ele preside o Conselho Deliberativo do Museu Lasar Segall, órgão federal ligado ao Ministério da Cultura.
HORÁCIO LAFER PIVA: Um dos donos da Klabin, também faz parte do Conselho de Orientação da Fundação Osesp. Seu pai, o ex-senador Pedro Piva (PSDB-SP), falecido em 2017, participou em 2002 do jantar de arrecadação para o Instituto FHC, no Palácio da Alvorada. Ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Lafer Piva estava no aniversário de 80 anos de Fernando Henrique.
JOSÉ ERMÍRIO DE MORAES NETO: O dono da Votorantim é outro membro do Conselho de Orientação da Fundação Osesp, que tem Fernando Henrique como presidente de honra. Seu tio Antonio Ermírio de Moraes foi um dos 12 empresários que participaram do jantar que criou o iFHC, hoje Fundação FHC, em 2002.
EDUARDO GRAEFF E PÉRSIO ARIDA: Membros do Conselho da Fundação Osesp. Graeff foi secretário-geral da Presidência e assessor especial de Fernando Henrique. Já esteve na Fundação FHC para falar de questão agrária. Um dos idealizadores do Plano Real, Arida presidiu o Banco Central e o BNDES.
HENRIQUE PHILIPPE REICHSTUL: Mais um entre os 12 membros não vitalícios da Fundação FHC, o ex-presidente da Petrobras faz parte do Conselho de Administração da Sociedade de Cultura Artística, que gere o teatro na Rua Nestor Pestana, centro de São Paulo. Assim como Henrique Meirelles e Pedro Parente, migrado da Petrobras para a BRF (sem quarentena), em junho, ministro de várias pastas nos governos FHC – entre elas a Casa Civil. Mecenas da Cultura Artística, José Roberto Mendonça de Barros e, sempre ele, Jovelino Mineiro.
Reichstul é um dos 12 membros não-vitalícios da Fundação FHC. Ex-assessor, Persio Arida já esteve por lá para falar da questão agrária
JOSÉ FERNANDO PEREZ: Sócio de Emílio Odebrecht e Jovelino Mineiro na ReceptaBio, o cientista preside a Associação Pró-Dança, Organização Social que administra a Companhia de Dança, em São Paulo. “Sem remuneração nenhuma”, observa Perez. A vice-presidente é a mulher de Jovelino, Maria do Carmo Mineiro. José de Oliveira Costa: Patrono do Masp, o advogado de FHC e de Jovelino Mineiro foi diretor, nos últimos anos, da Fundação FHC. Em 2014, presidiu o Conselho de Administração da Associação Pró-Dança, hoje presidida por José Fernando Perez. Ele, Perez e Maria do Carmo Mineiro estão entre os 23 sócios da Organização Social (OS).
MARIA DO CARMO DE ABREU SODRÉ MINEIRO: A mulher de Jovelino Mineiro – frequentadora do Palácio da Alvorada durante os anos FHC, conhecida pelo ex-presidente como Carmo – é uma entre os vice-presidentes da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). Jovelino Mineiro e seu primo Carlos Roberto de Abreu Sodré já fizeram parte do Conselho – do qual também participaram Gustavo Krause, ministro do Desenvolvimento Urbano de FHC, e Horácio Lafer Piva.
Em alguns desses casos, as ações beneméritas somam-se à prestação de serviços a gestões tucanas, como ocorreu durante os governos de José Serra e Geraldo Alckmin em São Paulo. Muitas Organizações Sociais de Cultura são geridas por tucanos de bicos longos. Entre elas destaca-se a Poiesis, Instituto de Apoio à Cultura, à Língua e à Literatura. Ela administra a Casa das Rosas, na Avenida Paulista, e o Museu Casa Guilherme de Almeida. Seu diretor é Clóvis Carvalho, ministro-chefe da Casa Civil durante o governo FHC. A presidente do Conselho de Administração, a professora universitária Mary Macedo Lafer, é casada com o sucessor de Carvalho no Ministério do Desenvolvimento, Celso Lafer.
A Poiesis executa políticas públicas para o governo paulista. Entre 2011 e 2016, contou o coletivo Jornalistas Livres, a organização recebeu 66 milhões de reais da Secretaria de Estado da Cultura, durante os governos de Alckmin. O Tribunal de Contas do Estado considerou irregular a dispensa de licitação em contrato para as Fábricas de Cultura, quando a secretaria era comandada por Andrea Matarazzo, outro ministro da era Fernando Henrique.
Foi Clóvis Carvalho quem organizou a festa dos 80 anos de FHC, a dos “amigos”, na Sala São Paulo. Onde boa parte dos listados acima se encontraram. O imortal Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, professor universitário, pecuarista, é celebrado pelos amigos na mesma medida em que celebra as obras de arte.
Elegância pouco discreta
Falávamos no início do filme A Grande Beleza. Ele ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 2014, diante de sua suntuosidade, em diálogo com monumentos da cinematografia italiana, obras de Fellini, Michelangelo Antonioni, Luchino Visconti. Talvez tenha escapado aos acadêmicos uma sutileza no título: a provável referência ao filme La Grande Abbuffata, no Brasil A Comilança, de Marco Ferreri.
Talvez a melhor representação da turma seja a fusão dos filmes A Grande Beleza, de Sorrentino, e La Grande Abbuffata, de Ferreri
Nesse clássico de 1973 os protagonistas, interpretados por Marcelo Mastroianni, Philippe Noiret e Ugo Tognazzi, decidem passar os últimos dias de suas vidas empanturrando-se. Sorrentino enxerga enfastiamento na relação atual das elites, filosoficamente corrompidas, com a arte. Uma doce vida voraz e envernizada, para o público ver, mas nem por isso menos mundana. De Roma a São Paulo, de Paris a Botucatu. Decadence avec elegance. ?
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FHC, o Fazendeiro – tudo sobre as terras da família, os amigos pecuaristas e a Odebrecht
Conheça as fazendas dos filhos de Fernando Henrique em Botucatu (SP) e o império agropecuário de Jovelino Mineiro, amigo próximo do ex-presidente e sócio de Emílio Odebrecht
Por De Olho nos Ruralistas
Esta é a história de um sociólogo que descobriu o gado, de um ex-presidente que se aventurou pelo universo agropecuário. Com a ajuda de um fiel escudeiro, chamado Jovelino Mineiro, Fernando Henrique Cardoso manteve-se na cena pública após deixar a presidência – com a Fundação FHC, articulada pelo pecuarista – e foi erigindo um domínio privado. Esta é uma reportagem sobre Jovelino e FHC, antigos parceiros de Sérgio Motta em uma fazenda em Buritis (MG), e das sociedades ou conexões recentes entre esses e outros personagens – como Emílio, Marcelo e Maurício Odebrecht.
Vamos contar com detalhes: o advogado do ex-presidente, José de Oliveira Costa, sócio da Fundação FHC, chega a assinar documento em nome de Emílio Odebrecht. Este e Jovelino Mineiro são amigos e sócios em uma empresa de genética. Ambos são criadores de gado. O empreiteiro era um dos presentes no jantar, ainda no governo Fernando Henrique, em que foi criado o Instituto FHC. Costa foi o primeiro a pedir um parecer sobre o impeachment de Dilma Rousseff, para o jurista Ives Gandra Martins. O filho de Jovelino é membro do Movimento Endireita Brasil e diretor da Sociedade Rural Brasileira – que funciona no mesmo prédio que a Fundação FHC.
É a história de um príncipe. Com dois amigos pecuaristas (Jovelino Mineiro e Jonas Barcellos), apontados pela jornalista Mirian Dutra – mãe de um filho que Fernando Henrique assumiu – como financiadores de sua residência na Europa. Uma narrativa sobre jantares e festas com a fina flor da elite brasileira, e sobre complicadas teias empresariais. Sobre as empresas dos Cardoso e de Jovelino em Osasco e Botucatu, e as ligações do pecuarista com o grupo português Espírito Santo. Sobre réveillons em fazendas, sobre a face cultural dessa elite política e agropecuária. Sobre coincidências e conexões, em boa parte ainda ignoradas pela imprensa brasileira.
E tem mais: parte das terras da família FHC em Botucatu está sendo desapropriada pela prefeitura local. Segundo Fernando Henrique Cardoso, essas propriedades custaram R$ 4 milhões. O que diz – ou não dizem – os principais personagens da série sobre tudo isso? Em nome da Fundação FHC quem falou foi o superintendente Sérgio Fausto – que fez questão de abrir espaço para o debate, em entrevista ao observatório. O espaço está aberto a todos os mencionados. Inclusive os que não quiseram falar, como o próprio FHC e seus filhos Beatriz, Luciana e Paulo – os três empresários, donos de um canavial em Botucatu (SP).
A reportagem e os textos são do editor do De Olho nos Ruralistas, Alceu Luís Castilho, que mergulhou nos dados em busca de documentos. Um dos resultados foi a descoberta do local das fazendas no interior paulista. Exatamente para a reportagem no interior paulista – uma das principais da série – o observatório fez uma parceria com a Pavio, especializada em videoreportagens. O repórter Igor Carvalho participou da apuração em Botucatu e ajudou a produzir um vídeo – com imagens aéreas e tudo. Ainda no interior paulista, as fotos do canavial foram feitas por Vanessa Nicolav. O vídeo de 4 minutos pode ser assistido aqui.
Um aviso ao leitor: isto não é uma investigação. Não traz “denúncias”. E sim uma reportagem. Baseada em dados, em pesquisa jornalística. Amadurecida durante um ano e feita a partir, principalmente, de documentos. Aos julgadores cabe julgar. Aos jornalistas, reportar. Relatar informações. Associá-las, costurá-las. Por isso o observatório dividiu esta história em mais de vinte capítulos – ou conjuntos de fatos. De Brasília a São Paulo, de Rancharia (SP) a Paris, de Buritis a Botucatu. Alguns deles ainda serão divulgados nos próximos dias, em uma série especial do De Olho nos Ruralistas. A maioria desses capítulos já está no ar.
A eles:
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