Fontanela ou fontículo?
Ambos dicionarizados, constam no Volp (Acad Bras de Letras, 2009). Fontanela pode ser tomada como um italianismo (fontanella, pequena fonte, do latim fontana, fonte).
Na Nomina Anatomica, consta fonticulus em latim, diminutivo de fons, fontis, fonte, regato. Em conformidade com essa nomenclatura, diz-se em tradução para o português (Terminologia Anatômica, Soc Bras de Anatomia, 2001) fontículo anterior (em lugar de fontanela bregmática ou fontanela anterior), fontículo posterior, fontículo esfenoidal ou ântero-posterior e fontículos mastoideos ou póstero-laterais.
No século XIII, houve cirurgiões que tentaram curar doenças oculares ou cerebrais com aplicação de cautério nessas regiões. Com a drenagem de líquor e ou sangue que saíam pelas feridas durante muito tempo, o que para eles significava a extração do mal, aquelas se assemelhavam a uma pequena fonte ou fontanela ou fontículo (Tubino & Alves, Terminol. em Anat. e Embriol., 2013).
É pleonástica a expressão “fontanela aberta”, encontrável na literatura, já que, essa estrutura se caracteriza por uma abertura natural entre ossos cranianos no recém-nascido ocupada por tecido membranáceo chamado de sutura membranácea e estas são invadidas posteriormente por tecido ósseo e assim desaparecem ou, em lingua geral, se fecham, como está descrito em livros de Anatomia Humana.
Nota-se que os termos fontana ou fontículo são impróprios, por metonímicos, sem representação morfoanatômica que designe tecnicamente essas estruturas que, no âmbito da anatomia, são denominadas suturas membranáceas. Essa nominação é também imperfeita, mas é legítima por existir na língua e, assim, pode também ser usada em situações formais.
A lexia sutura nomina o tipo de estrutura fibrosa, com várias camadas de tecido conjuntivo denso, típica entre os ossos do crânio e que os mantém juntos. Do latim sutura, costura; de suere, coser, costurar.
Observa-se que nas junções entre esses ossos, suas bordas apresentam sinuosidades muito acentuadas ou partes denteadas que juntas se assemelham grosseiramente a uma costura alinhavada. O Diccionario Contemporaneo da Lingua Portuguesa, com elaboração e editoração coordenada por A. Valente, em 1884, dá registro de sutura como denominação de articulação entre dois ossos que engranzam um no outro à semelhança de dentes que encavam uns nos vãos dos outros entre os lados opostos de forma que ficam os dois ossos parecendo cosidos um ao outro.
Há bons dicionários que dão sutura como sinônimos de juntura, junção. O Dicionário Escolar das Dificuldades da Língua Portuguesa, elaborado por Cândido Jucá (filho), editado em 1963 sob a chancela do Ministério da Educação e Cultura, dá sutura como sinônimo de costura, juntura, junção.
O termo sutura membranácea pode se referir à junção entre a membrana e os ossos ou à própria membrana como estrutura que representa as junções interósseas do crânio, mas de forma extensa, em forma de membrana. Membranáceo significa que tem consistência ou natureza de membrana como está nos dicionários.
Tais comentários não são são completos, nem representam críticas corrosivas a quem usa o nome que quiser, mesmo porque a língua é formada de conteúdo convencional, cujo objetivo é, de fato, a comunicação. Contudo, não poderia ser insana a busca do aperfeiçoamento. Com essa orientação "podemos até ser sonhadores, mas não seríamos os únicos", como se percebe nas frases em sequência.
Nos trabalhos científicos, emprega-se a linguagem denotativa, isto é, cada palavra deve apresentar seu sentido próprio, referencial e não dar margem a outras interpretações (Maria Margarida de Andrade, Introdução à Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo: Atlas; 2003, p. 101).
A maior parte de nossas dissenções e antagonismos provém da interpretação que damos às palavras (A. Einstein).
A exploração do valor conotativo das palavras não é apropriado ao enunciado científico. Nele, os vocábulos devem ser definidos e ter um só significado. Num texto de astronomia, lua significa satélite da Terra, não o astro dos enamorados (Clair Alves, especialista em Linguística Aplicada, pela PUC, professora de Semiótica, Universidade da Região de Campanha, Rio Grande do Sul, A Arte de Escrever Bem, p. 61, 2008).
O uso próprio é particularmente importante na linguagem técnica e científica. António Matoso. Dicionário de gramática da língua portuguesa. Coimbra, Portugal: Quarteto; 2003. p. 281.
Seja rigoroso na escolha das palavras no texto. Desconfie dos sinônimos perfeitos ou de termos que sirvam para todas as ocasiões, Em geral, há uma palavra para definir uma situação (E. Martins Filho, Manual de Redação e Estilo – Estado de São Paulo, 1996, p. 17).
Não há sinonímia perfeita, sabemos todos (Josué Machado, Língua sem Vergonha, p 21, 2011).
Para o homem de ciência, para o homem de laboratório, tão exato e preciso deve ser o raciocínio quanto exata e precisa a expressão falada ou escrita em que ele se exterioriza; o descuidado, o confuso e o impróprio significam certamente o desconcerto e a confusão do pensamento (Clifford Allbutt, apud Plácido Barbosa, Dic de terminologia médica portugueza, p. 6, 1917).
A representação científica de um trabalho deve ser o mais didática possível e ter estilo simples, claro, preciso e objetivo (Marina de Andrade Marconi e Eva Maria Lakatos. Técnica de Pesquisas, 7.a ed., São Paulo: Atlas, 2009, p. 222).
A leitura torna um homem pleno, o diálogo, um homem preparado, a escrta, um homem exato (Francis Bacon, 1561-1626).
Defina sempre um termo ao introduzi-lo pela primeira vez. Não sabendo defini-lo, evite-o. Se for um dos termos principais de sua tese e não consegue defini-lo, abandone tudo. Enganou-se de tese ou de profissão (Umberto Eco. Como se Faz uma Tese. São Paulo: Editora perspectiva, 1998, p. 119).
Acredito que as qualidades básicas da boa redação científica são a exatidão e a clareza. Não se deve usar termos técnicos sem conceituá-los ou palavras difíceis em vez de palavras fáceis com o mesmo sentido (Mirian Goldenberg, A Arte de Pesquisar, Rio de Janeiro: Record, 1997, p 98).
O texto deve ser redigido de maneira clara e concisa, seguindo a ortografia vigente, evitando o uso de jargões ou modismos considerados inadequados ou errados (Unesp, Normas para Publicações, 1994).
Uma palavra bem escolhida pode economizar não só cem palavras, mas cem pensamentos (Jules Henri Poincaré, 1854-1912, matemático, físico e filósofo francês da ciência).
Simônides Bacelar Brasília, DF
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