Oi Marcel, sou ex-bolsista MEXT. Material de anos passados eu nao tenho, mas vou te falar um pouco sobre a minha experiencia. Mais especificamente, sobre tudo que eu gostaria de ter sabido antes de ter ido pra la.
Como o Claudio ja comentou, a palestra ajuda bastante a entender os varios aspectos da bolsa. Apesar deles (ao que eu me lembre -- fui a uma palestra em 2006) terem um foco maior na vida no Japao, a palestra e até mesmo conversar com os funcionarios do setor cultural do consulado da sua regiao também ajuda. Voce mora em Sao Paulo?
Na minha época a prova de japones nao era eliminatoria. Nao sei se isso mudou desde entao. Na verdade, quando participei do processo seletivo, muito mais relevante do que a prova de linguas foi o projeto e a entrevista em si. Aprender todo o japones possivel antes do embarque é muito bem-vindo, e nao importa quao perfeito seja o seu 1-kyu, tenha a certeza de que sera insuficiente :-)
A prova, sempre de acordo com a minha visao pessoal, tem também a funçao nao declarada de ser uma peneira inicial para reduzir a quantidade de projetos a serem lidos e candidatos a serem entrevistados. Como exemplo, minha ex-namorada fala o japones muito melhor do que eu mas nunca sequer foi chamada à entrevista no consulado. Ela é biologa (USP), eu sou formado em relaçoes internacionais pela PUC-SP.
Rapidamente sobre sobre o perfil dos candidatos: 2 dos 14 aprovados em 2006 pelo consulado de SP eram oriundos de faculdades particulares (uma veterana minha da PUC-SP, outro formado em administraçao na FGV-SP); em 2007, meu ano, eu era o unico formado em faculdade particular. USP, Unesp e Unicamp sao a vasta maioria entre os aprovados; eu diria que 50% sao candidatos de exatas (engenharia principalmente, ciencias da computaçao com algumas pessoas), 40% sao de biologicas (principalmente biologos, com alguns poucos medicos) e 10% de humanas (a maioria de advogados, alguns economistas).
O que o Claudio ja falou sobre o projeto é isso mesmo: perfil academico é o aspecto principal. No meu ano (seleçao em 2006, embarque em 2007), me lembro que eram as famigeradas 6 paginas sendo que o consulado também definia tamanho e tipo de letra, bem como as margens da pagina. Eu sugeriria voce escrever alguma coisa maior a principio, e enxugar depois o desnecessario porque é mais facil e o seu projeto vai ficar mais robusto. E a sugestao do Claudio de escreve-lo como se fosse um paper é muito concisa e elegante -- é bem por ai mesmo.
Sobre a escolha do tema, o ideal/desejavel é voce encontrar algum tema que faça algum tipo de intersecçao entre seus interesses pessoais, o Brasil e o Japao. Uma vez escolhido o tema, procure na internet por nomes de professores japoneses e suas publicaçoes; leia o que voce conseguir encontrar e faça citaçoes desses papers no seu projeto. Essa é a forma mais eficaz nao apenas de aumentar suas chances de ser aprovado na entrevista mas também de encontrar algum orientador japones cuja pesquisa se aproxime dos seus interesses pessoais e de se inserir de forma genuina na pesquisa dele.
A entrevista no consulado é dura. Eu passei por uma banca de 4 ex-bolsistas, mais a vice-consul cultural em SP. E so na saida da entrevista eu percebi que ainda tinha mais uma funcionaria do setor cultural sentada às minhas costas durante toda a entrevista!
Seu orientador no Japao é Pai, Filho e Espirito Santo. Ele é o responsavel pela sua estadia no Japao, ele é quem autoriza eventuais idas a congressos, ele é quem abre portas e te apresenta contatos, ele é quem assina todos os papéis teus na faculdade (te autorizando a assistir determinadas aulas, morar em certos lugares, uma miriade de coisas). Ele pode fazer a tua vida mais facil ou mais dificil, e é obrigaçao sua zelar pelo bom relacionamento com ele, respeitar a hierarquia (professor-aluno, pessoa mais velha-mais nova), nao gerar trabalho e/ou burocracia extra para ele, e principalmente ser um bom aluno para contribuir com uma imagem positiva do seu professor perante ao staff e aos demais professores da sua faculdade.
Teu professor recebera um pequeno estipendio mensal para te receber como orientando dele, entao nao é que os professores japoneses recebam alunos estrangeiros apenas pela boa vontade. A boa vontade é so 99% dos elementos necessarios para um professor ter que aceitar um aluno estrangeiro sob a tutela dele e lidar com mais burocracia, mais papelada e mais preocupaçoes do que o ja existente na vida dele.
Observaçao: sempre falo de professor, e nao de professora, porque a maioria deles é homem mesmo.
Sobre locais no Japao, segue uma analise também muito pessoal. Eu morei em SP a maior parte da minha vida, até o embarque para o Japao. Eu sempre detestei Tokyo e nunca vi o menor sentido em alguém escolher morar num buraco daqueles de livre e espontanea vontade. Tendo dito claramente que Tokyo é um lugar horrivel pra se viver, que a comida é carissima, que os aluguéis sao obscenos, que a cidade é cheia demais com gente demais e confusao demais, é onde estao as universidades mais famosas do Japao (Toudai, Sophia, Hitotsubashi, Keio) e, dependendo da tua area, pode ser a melhor escolha pra voce. Também é o melhor lugar do Japao para se trabalhar (seja com baitos/part time, seja com empregos em empresas japonesas apos a formatura), lembrando que voce embarcara para estudar...
E isso sem contar o acidente nuclear, o fornecimento de energia ainda comprometido na regiao, a produçao de hortifruti abalada... Pessoalmente eu aproveitaria Tokyo como turista, e nao como habitante.
Duas alternativas que sao pouco mencionadas sao Nagoya e Fukuoka. Também ha boas universidades nessas cidades (Meidai e Kyudai) e se voce quiser trabalhar com carros (Toyota/Nagoya) ou design, sao lugares que voce deveria ter em mente ao buscar orientadores.
Eu deixei o melhor para o final: Kansai. Morei em Kobe e Kyoto. Kobe é um lugar muito bom pra se morar, e que pode ser muito bom para a sua pesquisa. Minha universidade, Shindai, é a melhor do Japao em economia. A Kyodai é a segunda melhor universidade do Japao e é referencia em muitas areas de pesquisa, mas morar em Kyoto nao é aquela coisa toda (mais caro, clima pior, muitos turistas, mais provinciana). O lado bom de morar em Kyoto é que se faz tudo de bicicleta, enquanto Kobe é uma cidade mais montanhosa.
So pra nao passar em branco, para mim Osaka é um equivalente piorado de Tokyo com as coisas ruins, e sem suas coisas boas. O unico (e principal) diferencial positivo é que as pessoas sao bem mais amigaveis, o que ajuda bastante a vida cotidiana na chegada e alivia a pressao cultural conforme passa o tempo. O lado bom é que todos os japoneses de Kansai, os Kansai-jin, sao conhecidos por serem mais abertos, mais bem humorados, e por estarem de bem com a vida. Muitos comediantes japoneses sao oriundos de Osaka. Entao da pra curtir o lado bom de Osaka sem necessariamente ter que viver em uma cidade grande e bagunçada.
Lembrando novamente que essa é a minha opiniao pessoal, de uma pessoa que sempre morou longe de escola e trabalho em SP, e que ficou muito mal acostumado depois que morou a primeira vez a 5 quadras da faculdade. Se eu puder escolher, nao troco MESMO!
Voltando ao que te interessa mais, uma amiga minha fez uma simplificaçao bem interessante sobre as Universidades de Tokyo e Kyoto: estudar na Kyodai é pra quem tem perfil de cientista maluco; estudar na Toudai é pra quem quer ser o futuro primeiro-ministro do Japao, ou parte da elite burocratica do pais. Sao estereotipos interessantes e que traduzem o espirito geral das duas universidades.
Seja onde voce for estudar, contudo, faça o possivel para estudar em uma das universidades nacionais. Isso vai te abrir uma quantidade imensuravel de portas pelo simples fato de voce ja ter passado por uma peneira muito importante na vida dos japoneses.
No mais, fico aberto a responder outras perguntas suas ou de algum/a outro/a interessado/a, dentro das minhas possibilidades. O Japao foi um pais que me abraçou com generosidade durante 4 anos da minha vida e me fez repensar varios aspectos dela. Seria um prazer ajudar a outros que estejam interessados em ter experiencia semelhante.
Grande abraço,
Diogo
Estou planejando participar dos testes para as bolsas da MEXT para