Contribuições da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial – RENILA, para a 17ª Conferência Nacional de Saúde e suas etapas locais, municipais e estaduais.
A Política de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas implantada no Brasil nos últimos anos por parte dos governos federal e de várias Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, mostra sua face manicomial ao assegurar aumentos nos investimentos financeiros com internações em hospitais psiquiátricos, comunidades terapêuticas e clínicas de reabilitação, além do crescente processo de ambulatorização da rede de Saúde Mental, reduzindo as práticas de cuidado como complementares ao modelo hospitalocêntrico e não substitutiva, como pressupõe uma política pautada no cuidado em liberdade.
Associado a esse cenário, destacamos o processo de privatização do Sistema Único de Saúde (SUS), que se encontra em curso, confrontando os princípios da Reforma Sanitária e do SUS expressos no Relatório Final da 8ª Conferência Nacional de Saúde e na Lei 8080/90 onde assegura que saúde não é mercadoria nem fonte de lucro. Vale lembrar que o desfinanciamento progressivo que atinge a saúde como um todo tem agravado ainda mais a capacidade do SUS em fazer cumprir seus princípios.
Nesse trágico contexto, merece também uma citação especial o retrocesso ocorrido na Atenção Primária à Saúde (APS), com mudanças em seu modelo assistencial como o enfoque no pronto atendimento, centralidade no cuidado individual, cobertura por cadastramento em detrimento da atenção territorializada, ameaças à multiprofissionalidade e desfinanciamento, por parte do governo federal, das equipes de apoio ao Programa Saúde da Família.
A 17ª Conferência Nacional de Saúde tem como tema “Garantir Direitos, defender o SUS, a Vida e a Democracia – Amanhã vai ser outro dia”.
Nessa direção, a Rede Nacional Intenúcleos da Luta Antimanicomial (RENILA) e seus núcleos estaduais também reafirmam a defesa do SUS e da Reforma Psiquiátrica Antimanicomial como fundamental para oferecer um tratamento humanizado, digno e inclusivo para as pessoas em sofrimento mental e do uso prejudicial de álcool e outras drogas e apresenta nos âmbitos locais, regionais, estaduais e nacional, as seguintes propostas para as Conferências de Saúde:
1 - Garantir, em todo o território nacional, o fechamento dos hospitais psiquiátricos restantes, públicos e privados conveniados com o SUS, inclusive os de custódia e tratamento psiquiátrico, e proibição de abertura de novos, assim como a ampliação de leitos nos ainda existentes, assegurando, ao mesmo tempo, o incremento, a implantação e a qualificação da rede de serviços substitutivos, em todos os seus pontos de cuidado, para todas as faixas etárias e com financiamento pelos três níveis de governo;
2 - Proibir, por parte da União, Estados e Municípios, a destinação de recursos financeiros para implantação de novos hospitais psiquiátricos, bem como incremento de recursos para os ainda existentes e o repasse de recursos públicos para comunidades terapêuticas;
3 - Assegurar que a atenção primária à saúde seja fortalecida, com a efetiva inclusão de profissionais de saúde mental em articulação permanente com os serviços da rede substitutiva para realização de matriciamento em saúde mental revogando o Previne Brasil e abolindo definitivamente os ambulatórios de saúde mental;
4 - Garantir o caráter efetivamente público e estatal do SUS e da Política de Saúde Mental, recusando todas as formas de terceirização da gestão, entendendo que a privatização desobriga o poder público da responsabilidade técnico assistencial, aprofunda a alienação do trabalho, reduz a intervenção do estado na área social, causando prejuízo à qualidade do cuidado da população usuária;
5 - Adotar a estratégia da redução de danos como orientador de ações e políticas voltadas às pessoas em uso prejudicial de álcool e outras drogas e o tratamento em liberdade assegurado nos serviços substitutivos da atenção psicossocial, em contraposição às internações em comunidades terapêuticas e hospitais psiquiátricos, convocando a sociedade a um amplo debate sobre a necessária legalização e regulamentação de todas as drogas, tendo em vista os efeitos nefastos que a chamada “guerra às drogas” propiciaram, tais como o aumento da violência urbana e do encarceramento em massa de jovens negros e periféricos;
6 - Retomar a disponibilização de recursos financeiros por parte do Ministério da Saúde para implantação e manutenção dos CAPS, concomitante ao seu credenciamento, regulamentando a descentralização dos recursos por meio de repasse fundo a fundo com rubrica específica, de modo a possibilitar a aquisição de sede e transportes próprios e a melhoria na estrutura física e na alimentação;
7 - Assegurar que os governos municipais, estaduais e federal incluam em suas políticas de habitação as pessoas com sofrimento mental e em uso abusivo de álcool e outras drogas, com ou sem histórico de internações psiquiátricas, que não possuam vínculos familiares ou que estejam com vínculos fragilizados, assim como garantir acesso à educação e políticas de qualificação profissional;
8 - Garantir recursos para implantação de política de educação continuada, visando qualificar e desenvolver novas competências para o cuidado em saúde mental na atenção primária à saúde, fortalecendo seu corpo profissional para realização de ações de saúde mental, bem como para compartilhamento de cuidado com outros pontos da Rede de Atenção Psicossocial;
9 - Fomentar, por parte das gestões, políticas e ações, pesquisas e aprimoramento profissional de trabalhadores do SUS para melhor entendimento sobre os impactos da opressão e violência que sofrem grupos como LGBTQIA+, pessoas negras, quilombolas, mulheres, imigrantes, indígenas, atingidos por barragem/desastres, pessoas com deficiências, pessoas em situação de rua, pessoas privadas de liberdade, trabalhadoras(es) do sexo, propiciando o reconhecimento de determinantes estruturais e um cuidado em saúde mental orientado nas perspectivas antimanicomial e de justiça social;
10 - Implantar, em âmbito nacional, um Plano de Valorização do Trabalho e do(a) Trabalhador(a) do Sistema Único de Saúde, considerando a terceirização, a precarização e o subfinanciamento e objetivando a estabilidade através de concurso público; a construção e planos de cargos e carreiras; a estruturação do espaço de trabalho em nível de ambiência, ergonomia e segurança; formação permanente; supervisão clínico-institucional; espaços democráticos de gestão e garantia de participação no controle social;
11 - Envidar esforços para que o Conselho Nacional de Saúde estabeleça uma periodicidade regular para as Conferências de Saúde Mental, não devendo ultrapassar o prazo de seis (6) anos;
12 - Criar programa de formação para a qualificação e fortalecimento da participação política das pessoas com sofrimento mental e em uso abusivo de álcool e outras drogas, para a efetiva contribuição na construção/reformulação de políticas públicas de saúde;
13 - Garantir que as Comissões de Reforma Psiquiátrica dos Conselhos de Saúde, nos âmbitos municipal, estadual e nacional, tenham a efetiva participação dos movimentos sociais da luta antimanicomial.
Fevereiro/2023
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