Antes de pregar a partir do texto do Gnesis, o pregador deve examinar alguns problemas que enfrentar e como poder resolv-los. Este captulo introdutrio discutir primeiro algumas questes envolvidas em pregar Cristo; depois, as razes para selecionar histrias de Gnesis como textos de pregao; em terceiro lugar, as dificuldades de interpretao de Gnesis; e, finalmente, os problemas enfrentados ao se pregar a partir dessas narrativas.
Este livro sobre a pregao de Cristo a partir das narrativas do Antigo Testamento. Infelizmente, h muita confuso sobre o que significa exatamente pregar Cristo. Com base no testemunho do Novo Testamento, j defini a pregao acerca de Cristo como pregar sermes que integrem autenticamente a mensagem do texto com a culminncia da revelao de Deus na pessoa, obra e/ou ensinamento de Jesus Cristo, conforme revelado no Novo Testamento.
H duas razes principais para essa transio para o Novo Testamento. Primeira, uma regra hermenutica crucial a de que o texto tem de ser sempre entendido no prprio contexto. claro que o contexto das narrativas de Gnesis na Bblia crist no somente o Antigo Testamento, mas inclui tambm o Novo Testamento. Por exemplo, quando a narrativa do pacto de Deus com Abrao (Gn 17.10) ordena: todo macho entre vs ser circuncidado, o pregador percebe instintivamente que hoje no pode aplicar esse mandamento diretamente congregao. Antes, ao contrrio, entende esse texto no contexto do Novo Testamento, no qual o Esprito Santo guiou a igreja para que substitusse a circunciso como sinal do pacto de Deus (At 15.28,29) pelo sinal neotestamentrio do batismo (Cl 2.11-14). Semelhantemente, quando o relato inclui uma promessa da vinda do Messias, como em Gnesis 3.15 acerca da semente da mulher, o pregador no pode estacionar na promessa, mas deve seguir adiante at o seu cumprimento em Jesus Cristo. Ou quando a narrao contm um dos tipos de Cristo, como em Gnesis 22.13 sobre o carneiro oferecido em lugar de Isaque, o pregador no pode se deter no tipo, mas deve prosseguir at o anttipo, Jesus Cristo, que foi oferecido em lugar do povo de Deus.
Quando algum texto d testemunho da ao salvadora de Deus na Histria, achamo-nos num caminho que atravessa consistentemente o Antigo Testamento, leva ao supremo ato salvador de Deus ao enviar seu Filho, Jesus Cristo, e culmina na segunda vinda vitoriosa de Jesus. Por exemplo, ao se pregar sobre a histria do assassinato de Abel por Caim (Gn 4), o fato de Deus ter concedido Sete em lugar de Abel (4.25) para dar continuidade linhagem da semente da mulher se constitui num elo da corrente da progresso histrico-redentora que leva ao nascimento de Jesus Cristo, a semente da mulher (Gl 3.16), e por fim sua segunda vinda vitoriosa.
Um caminho mais direto de um texto do Antigo Testamento at Cristo o da promessa-cumprimento. Se o texto encerra uma promessa da vinda do Messias, o pregador pode se mover para o Novo Testamento para mostrar a consumao absoluta dessa promessa em Jesus Cristo. Por exemplo, no ltimo discurso de Jac a seus filhos, as suas palavras a Jud configuram uma promessa messinica:
Na pregao dessa narrativa possvel se mover facilmente da promessa do Antigo Testamento para o seu cumprimento no Novo Testamento em Jesus Cristo, o Rei dos reis nascido da tribo de Jud e da casa de Davi (Mt 1.1-17).
A analogia o quarto e mais generalizado caminho do texto do Antigo Testamento at Cristo. Ela explicita os paralelos entre aquilo que Deus ensinou a Israel e o que Cristo ensina sua igreja; entre o que Deus prometeu a Israel e o que Cristo promete sua igreja; entre o que Deus exigiu de Israel (a lei) e o que Cristo exige da sua igreja. Por exemplo, se a mensagem de Gnesis 12.1-9 a de que Israel deve tomar posse de Cana para que adore ao Senhor, pode-se usar a analogia para se chegar at o Novo Testamento e mostrar que Jesus ordena sua igreja a reivindicar todas as naes para Deus (Mt 28.18-20).
Um caminho final do Antigo Testamento at Cristo o do contraste. Em razo da vinda de Cristo, a mensagem do texto para a igreja contempornea pode ser bem diferente da mensagem original para Israel. Por exemplo, Deus ordenou que Abrao/Israel circuncidasse todo homem que havia entre eles como sinal de filiao ao pacto (Gn 17.11). Durante dois mil anos a circunciso serviu como sinal de Deus da participao de Israel no pacto, mas para os gentios convertidos o primeiro conclio da igreja rejeitou essa antiga ordenana com o seu derramamento de sangue (At 15.28,29). Em lugar da circunciso, o batismo se tornou gradualmente o sinal da filiao ao pacto (Cl 2.11-14). O contraste entre a circunciso e o batismo existe por causa de Jesus Cristo, que derramou seu sangue de uma vez por todas, pondo fim, dessa maneira, aos ritos e sacrifcios cruentos da antiga aliana.
Selecionei o livro de Gnesis para demonstrar o mtodo cristocntrico de interpretao e pregao. H vrias razes para essa escolha. A razo de maior peso a importncia de Gnesis para a igreja; a segunda a atual inexistncia de pregaes em Gnesis; e a terceira, o desafio que pregar Cristo a partir de Gnesis.
A razo fundamental da escolha do livro de Gnesis para demonstrar o mtodo cristocntrico a importncia desse livro para a igreja. Gnesis d aos cristos uma cosmoviso que assumida, mas no necessariamente ensinada posteriormente pelas Escrituras. Se no pregamos o livro de Gnesis, privamos em grande parte as nossas congregaes dessa cosmoviso fundamental. Uma cosmoviso uma concepo consistente de toda a existncia (Webster), ou melhor, o modelo de compreenso das crenas bsicas de algum acerca das coisas. uma viso fundamental de tudo aquilo da realidade que nos capacita a ver os elementos e os eventos individuais luz de um todo. Basicamente, uma cosmoviso consiste do conhecimento de trs entidades e do relacionamento entre elas: Deus, o cosmos e os seres humanos.
Gnesis ensina que Deus soberano (contra o atesmo) e totalmente distinto do universo (contra o pantesmo), o nico Deus verdadeiro (contra o politesmo), o Criador deste universo (contra o secularismo e a evoluo naturalista), e fez os seres humanos sua imagem para governarem o mundo a seu favor (contra o hedonismo). Gnesis ainda ensina que Deus no a fonte do mal, mas criou todas as coisas boas para que as suas criaturas desfrutem o mundo fsico (contra o gnosticismo). A fonte do mal e da falncia que vemos hoje no mundo a desobedincia humana ao mandamento de Deus, conseqncia da sua maldio sobre a criao. Mas Deus prometeu imediatamente restaurar a sua criao no lindo reino que ele planejara, e, assim, Gnesis esboa os princpios da histria redentora: Deus, ao buscar a restaurao da sua criao e criaturas, fez, por fim, uma aliana com Abrao, o qual deveria ser uma bno para todas as famlias da terra (Gn 12.3).
Uma terceira razo para se escolher Gnesis o desafio que pregar Cristo a partir desse livro. Afirma-se que Gnesis contm apenas sete textos messinicos, para os quais se pode empregar o esquema promessa-cumprimento. Os textos messinicos tradicionais listados para Gnesis so:
Alguns exemplos de tentativas frustradas podem ser teis para expor as dificuldades que os pregadores enfrentam quando pregam Cristo a partir das narrativas de Gnesis. Um conhecido pregador radiofnico apresentou a seguinte interpretao alegrica de Gnesis 2.18-25:
Outros se movem da marca de proteo que Deus ps no assassino Caim (Gn 4.15) para a cruz de Cristo, especulando que a marca de Caim era em forma de cruz. De modo semelhante, em Melquisedeque trazendo po e vinho [Gn 14] temos uma clara aluso ao sacramento da Nova Aliana que Jesus instituiu para a realizao e dissoluo da Antiga Aliana. Muitos tm pregado acerca de Isaque carregando a lenha para o alto da montanha (Gn 22.6) como um tipo de Cristo carregando a sua cruz. Certo dicionrio moderno de tipos se move alegoricamente at Cristo a partir da narrativa em que Abrao envia o servo para encontrar uma esposa para Isaque (Gn 24):
Antes de prosseguir para os estudos expositivos, precisamos examinar algumas questes cruciais sobre a interpretao do livro de Gnesis. Devemos discutir em primeiro lugar as questes de interpretao literria e ento avanar para as questes de interpretao histrica.
Embora o chamado de Deus a Abrao inicie claramente uma nova seo em Gnesis, para os propsitos de uma interpretao e pregao apropriadas crucial tambm enxergar a estrutura literria total do livro. A conscincia da unidade de Gnesis nos capacitar a interpretar cada narrativa luz do livro como um todo.
A stima tldt a de Ismael (25.12-18). Com apenas sete versculos, a menor lista. Uma vez que Ismael filho de Abrao, o autor inclui essa tldt, mas mal pode esperar para retornar linhagem da semente da mulher.
Terceira, as genealogias, algumas individualmente e na totalidade, marcam o processo de afunilamento do canal da redeno de Deus. A primeira tldt, do cu e da terra, inicia-se universalmente e termina com Sete, com quem Deus dar continuidade semente da mulher. A segunda tldt, de Ado, estreita ainda mais o campo por causa dos tantos que foram destrudos no dilvio, at No, o descendente de Sete que Deus escolhe para que sobreviva devastao. A terceira tldt comea com No e seus trs filhos, Sem, Cam e Jaf, mas termina com a bno de Sem. Embora a quarta tldt seja a de Sem, Cam e Jaf, a quinta restringe a linhagem da semente da mulher a Sem. A sexta tldt comea com Ter e seus trs filhos, Abro, Naor e Har, mas centra-se em Abro como o recipiente das promessas da aliana de Deus. Abrao tem dois filhos, Ismael e Isaque, mas Isaque o instrumento escolhido por Deus. A stima tldt sobre os descendentes de Ismael breve, para colocar todo o peso nos descendentes de Isaque na oitava tldt. Isaque tambm tem dois filhos, Esa e Jac e, novamente, o autor perde pouco tempo com os descendentes de Esa na nona tldt, para se concentrar no descendente de Jac, Jos, na ltima tldt.
H tambm muitos temas bblico-teolgicos que fazem da tecedura de Gnesis uma composio unificada. Podemos perceber seis linhas entrelaadas: o reino de Deus, a bno e a maldio de Deus, a aliana de Deus, as promessas da aliana, a promessa da semente e o comeo da histria da redeno.
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