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Mar 5, 2007, 8:12:06 AM3/5/07
to Mensagem ao Partido
Companheiros e Companheiras,

Este é o anteprojeto de tese ao III Congresso do PT do movimento que
assinou a "Mensagem ao Partido". Foi elaborado pela comissão nomeada
quando do lançamento do manifesto em Salvador. Sabemos das limitações
existentes no texto mas esperamos superá-las com a contribuição de
cada um apresentando emendas até o dia 9 de março, de maneira a que
possamos apresentá-lo no próximo dia 12, prazo final para a inscrição
de teses. Esperamos também sugestões para o título da tese que, como
vocês podem perceber, ainda não existe. As emendas deverão ser
enviadas a razev...@ig.com.br As adesões ao texto deverão ser
enviadas a carlos...@terra.com.br.

__________________________________________________

1) O Brasil que queremos

I Sobre o caráter do segundo governo do presidente Lula

1- Para que se construa coletivamente uma visão unitária sobre os
desafios do PT nos próximos anos é preciso desenvolver e projetar o
sentido histórico do segundo governo Lula a partir da tradição do
socialismo democrático petista e da experiência concreta de luta do
povo brasileiro e do PT. O que singulariza e diferencia este segundo
governo do primeiro é a sua capacidade potencial de começar a realizar
mais plenamente a revolução democrática no Brasil, isto é, de ser o
primeiro governo pós neoliberal de toda uma época histórica. Este
sentido pode e deve ser pensado solidariamente à dinâmica política
recente da América Latina.

2- Os elementos iniciais e o próprio sentido histórico desta revolução
democrática já estavam parcialmente configurados na primeira gestão do
governo Lula. Isto é, foi graças às suas ações de inclusão social, de
melhorias expressivas na criação de empregos formais, no salário-
mínimo e na agricultura familiar, de democratização educacional e
cultural, de restabelecimento da soberania e de integração latino-
americana, de acolhimento e interlocução com os movimentos sociais, de
inovações históricas na gestão do meio-ambiente, de forte e inédita
sintonia com as identidades do povo brasileiro que o seu mandato foi
democraticamente renovado por larga maioria do eleitorado brasileiro.

3- Mas esta gestão foi profundamente condicionada por cinco grandes
limites que amorteceram, frearam ou até inibiram a sua capacidade de
transformar estruturalmente o país: a grave crise cambial e
inflacionária que levou à renovação dos contratos com o FMI e a um
forte ajuste fiscal, a presença de políticas neoliberais em setores
chaves da área econômica do governo, a potência das oposições
neoliberais no Congresso Nacional, nos governos estaduais e na mídia,
a crise do Estado brasileiro após décadas de regime militar e de
neoliberalismo, as debilidades do PT e dos movimentos sociais após uma
década de pressão neoliberal. Por isto, a primeira gestão Lula pode
ser caracterizada como de início de uma transição - não plenamente
concluída - do paradigma neoliberal de Estado a um outro paradigma
sintonizado com as transformações democráticas e populares.

4- O segundo governo Lula já nasce sem as limitações de uma extrema
vulnerabilidade externa que maximizou as condições de pressão e
chantagem dos capitais financeiros. Houve, sem dúvida, o
aprofundamento de uma consciência popular que não apenas expressou a
repulsa ao retorno do neoliberalismo mas marcou a sua adesão profunda
às identidades mais avançadas do governo e à liderança histórica do
presidente Lula. Após a sua segunda derrota nacional, apesar das
vitórias em estados chaves da federação, a coalizão PSDB/PFL que
nutriu a vontade política do neoliberalismo brasileiro, vive
claramente uma crise de identidade programática e de perspectivas. A
gestão do Estado e a criação de novos programas no primeiro governo
Lula já acumularam capacidades para deslanchar um ciclo historicamente
inédito de forte crescimento com distribuição de renda e
aprofundamento da democracia. Há ampla legitimidade para uma reforma
política que desenvolva as dimensões republicanas e participativas do
Estado brasileiro. A conjuntura latino-americana, mais do que em 2003,
é amplamente favorável à aplicação de programas pós-neoliberais. O
PT,bem como o PSB e o PCdoB, fortalecidos pela votação em 2006, tem
amplas condições de participar, junto com os movimentos sociais, de um
novo ciclo criativo de ascensão. São dimensões amplamente positivas
para a instalação de uma dinâmica plena de revolução democrática capaz
de identificar, isolar, neutralizar e superar, em um contexto de
aprofundamento da democracia, as resistências às transformações
ansiadas historicamente pelos trabalhadores e pelo povo brasileiro.

II O segundo governo Lula e a revolução democrática

1- O conceito de revolução democrática é a expressão no plano
histórico da identidade socialista e democrática do PT. Ele resulta
do nosso aprendizado prático, ainda inacabado, do complexo e amplo
trabalho por mudanças na sociedade e na institucionalidade
democrática, integrando todo um ciclo histórico da resistência à
ditadura militar até a recente reeleição do presidente Lula. Como
tal, ele já faz parte da tradição do PT, da sua cultura, da resolução
dos seus Congressos e Encontros Nacionais. Já aflorado nas resoluções
do 5 Encontro Nacional do PT, de 1987, o tema das relações entre
socialismo e democracia tem um importante aprofundamento na resolução
" Socialismo" do I Congresso Nacional, de 1991. O conceito de
"revolução democrática", em seu sentido amplo e unificador, já
comparece no início da resolução "Por um governo democrático-popular",
de 1993, quando se afirma que "a superação do modelo excludente é
parte de uma revolução democrática, que mude radicalmente as bases do
poder". No 11 Encontro Nacional do PT, realizado em 1997, afirma-se
que "somente uma revolução democrática será capaz de pôr fim à
exclusão, às desigualdades sociais e ao autoritarismo que marcam nossa
história, oferecendo uma alternativa concreta e progressista ao
nacional-desenvolvimentismo, superado historicamente, e ao
conservadorismo neoliberal". No Encontro Nacional Extraordinário, de
1998, após se percorrer os compromissos sociais, nacionais e
democráticos de um futuro governo Lula, se diz de modo conclusivo:
"Para alcançar as mudanças destes três eixos programáticos, o Brasil
deverá experimentar uma revolução democrática, com importante dimensão
cultural."

2- Como partido socialista plural, democrático e sem dogmas, o PT tem
sido capaz, em inúmeras situações, de dialogar criticamente com
tradições políticas, culturais e religiosas e de aprender com a
experiência, de criar novos caminhos a partir de sua relação com os
trabalhadores e o povo brasileiro, além dos movimentos de emancipação
contemporâneos, como aqueles que comparecem no Fórum Social Mundial. É
necessário, agora, em função mesmo da ampla escala histórica e da
complexidade, banhar o conceito de revolução democrática nas águas da
difícil mas promissora experiência vivida de governar o Brasil.

3- A experiência complexa de liderar a coalizão que governa o país
desde 2003 permite enriquecer o conceito de revolução democrática em
cinco dimensões chaves: a de seu sentido nuclear e unificador, a da
sua dinâmica histórica, a construção da coalizão político-social
necessária para viabilizá-la, a sua dinâmica latino-americana e
internacional e, enfim, o sentido da experiência na sua relação com
o socialismo democrático.

II-1 - Novo desenvolvimento e democracia: a construção da esfera
pública

1- As instituições do Estado varguista foram matriz de um
desenvolvimento capitalista nacional assimétrico na formação dos
direitos e na distribuição da renda. O regime militar realizou o seu
processo de construção estatal no sentido de viabilizar um capitalismo
modernizador mas dependente e concentrador. O neoliberalismo operou
amplas reformas regressivas no Estado para viabilizar um frustrado
plano de inserção passiva da economia brasileira no novo mercado
internacional globalizado. Agora, a construção de uma era de
desenvolvimento com distribuição de renda e soberania nacional depende
do processo construtivo de um novo Estado profundamente democratizado
no fundamento e exercício de seu poder político e universalizado nas
suas funções.

2- A criação do que é democraticamente gerido para fins que devem
servir a todos, capaz de ao mesmo tempo avançar a prática da
democracia e a justa distribuição dos bens e serviços, é o que
chamamos de construção da esfera pública. É esta a nossa alternativa
ao autoritarismo estatal e à privatização do Estado, aos que fazem
apologia do Estado não submetido ao controle democrático, ou do
mercado sem regulação social. É este avanço da construção da esfera
pública que permitirá uma aproximação histórica cada vez maior à
universalização da cidadania para os brasileiros, plenos em seus
direitos econômicos, sociais, culturais e políticos. É este avanço que
permitirá ir quebrando a histórica e brutal apropriação do Estado
brasileiro, desde as suas origens, pelas classes dominantes,
transformando-o em instrumento de distribuição de riquezas e de
incentivo à emancipação social, apontando um rumo claramente
anticapitalista.

3- A construção da esfera pública, mudando pela raiz os padrões das
relações entre Estado e sociedade civil no Brasil, exige a fundação da
ética pública na cultura política brasileira, isto é, aquele conjunto
de valores, regras e procedimentos que significam a superação das
tradições de privatização do Estado, do patrimonialismo, do
clientelismo e do fisiologismo, dos privilégios à sombra do Estado que
estiveram até hoje no centro da prática política brasileira. A perda
de dignidade da vida política, a sua desqualificação como atividade
contrária aos interesses comuns, a condescendência com a corrupção, a
sua autonomização como uma esfera de privilegiados e corrompidos
interessa aos que querem minar a capacidade de transformação da
revolução democrática.

4- Assim definida, a construção da esfera pública e uma das grandes
diretrizes da experiência histórica de transformação do PT. Se coube
historicamente à inteligência do nacional-desenvolvimentismo
demonstrar as conexões entre desenvolvimento e soberania nacional,
entre desenvolvimento e distribuição de renda, cabe à tradição petista
evidenciar e desenvolver as relações entre a democratização do Estado
e a construção de uma nova economia. Sem mais democracia e mais
controle social, a ação estratégica do Estado, necessariamente
revigorada e ampliada, está sujeita a todo tipo de entraves e
distorções, como ficou amplamente demonstrado no primeiro mandato do
governo Lula. A construção desta esfera pública, expressão de um novo
contrato social entre os brasileiros, de uma nova conformação de
direitos e deveres, requer amplas reformas estruturais e revoluções
culturais que reponham os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
dos negros, das mulheres, de uma cultura ecológica.

5- A construção da esfera pública pode ser compreendida em três
frentes combinadas:

- o aprofundamento da democracia e da universalização das funções do
Estado brasileiro que tem sido feito, de modo importante mas inicial,
pelo governo Lula em várias áreas;

- a construção de novas formas de controle e regulação da atividade
mercantil a partir de critérios socialmente universalistas, que
incorporem largamente os direitos dos trabalhadores e do povo
brasileiro, e de desenvolvimento nacional;

- a construção de áreas mistas de atuação entre o Estado e a
sociedade civil organizada, em particular os movimentos sociais, que
têm o potencial de ganhar uma notável e inédita expansão na revolução
democrática.

6- A prioridade concedida pelo PT à reforma do sistema político-
partidário integra esta compreensão do caráter estratégico do
aprofundamento da democracia brasileira, necessário para a
transformação. Ela permitirá conter a ação do poder econômico nas
eleições, tornando a disputa mais democrática para os trabalhadores e
setores populares. Ela permitirá tornar o sistema representativo, em
todos os planos federativos, mais poroso às demandas da sociedade,
menos disponível à corrupção e às práticas fisiológicas, mais em
contato com a cidadania ativa e à opinião pública democrática. Ela
incentivará que o sistema brasileiro de partidos seja mais capaz de
representar e se relacionar com o pluralismo dos interesses e opiniões
dos brasileiros.

7- A construção de um sistema federal de democracia participativa, que
abarque desde a democratização das discussões do orçamento, a
transparência e fóruns de controle social da gestão das empresas
estatais até a consolidação das dinâmicas das conferências nacionais
setoriais na construção das agendas e prioridades dos respectivos
ministérios, é fundamental para que a dinâmica de universalização das
políticas de governo tenha plena vigência. Só a pressão da
participação popular pode quebrar privilégios cristalizados
historicamente no Estado, priorizar agendas de interesse popular nas
políticas públicas, permitir saltos de qualidade na gestão eficiente
dos recursos públicos.

8- A democracia brasileira alcançou já níveis historicamente inéditos
de inclusão social do eleitorado, de pluralismo político, de inovação
em direitos individuais e coletivos em várias áreas fundamentais. Mas
entendendo a democracia como um processo permanente de avanços, de
modo acumulativo e processual, é preciso identificar que o
funcionamento do sistema de partidos e a prática do Congresso
Nacional, bem como a maioria dos legislativos estaduais ou municipais,
ainda está em contradição com vários princípios republicanos e
democráticos. Melhorar a qualidade democrática e republicana dos
parlamentos é fundamental para a democracia participativa. São
necessárias, assim, proposições viáveis que melhorem os padrões de
transparência e prestação de contas, que combatam os privilégios e o
nepotismo, que disciplinem e regulem as ações de lobbies privados, que
evitem a subordinação fisiológica aos poderes executivos, que sejam
capazes de aprimorar as funções da Câmara e do Senado no contexto de
uma democracia avançada, que acolham democraticamente os procedimentos
do plebiscito, do referendum, da iniciativa popular de leis, das
audiências públicas.

9- Um desafio especial para o segundo mandato será o aprofundamento do
combate à corrupção sistêmica que deslegitima a ação do Estado,
reproduz a sua ineficiência e desmoraliza a ética cidadã. Em sua
essência, a corrupção - quase sempre vinculada a grupos e interesses
privatistas - é a própria negação da esfera pública. Por isto, é
preciso criar os procedimentos e controles públicos capazes não apenas
de punir mas de ter uma ação fundamentalmente preventiva. Como
afirmou o programa do PT aprovado em 2006, é preciso também atualizar
as leis que punem o delito da corrupção, tornando-as especialmente
mais severas e.

10- A construção da esfera pública requer uma opinião pública livre,
pluralista e democrática. A crise política vivida pelo governo Lula
mostrou como a concentração do poder dos meios de comunicação de
massa, seu pluralismo limitado e sua concepção de liberdade como mero
sinônimo de ausência de qualquer regulação democrática conspiram
contra o aprofundamento da democracia no país. Ao contrário da
acusação dos liberais, o PT quer é mais liberdade de opinião e mais
pluralismo. Será, pois, estratégico no próximo mandato aprofundar a
dimensão pública da opinião no Brasil, o que implica dar acesso à
vocalização de largos setores da população marginalizados, desenvolver
os meios de expressão democráticos e populares, incentivar o
pluralismo das fontes de informação e opinião, criar fóruns e
movimentos capazes de dar legitimidade a uma regulação democrática das
mídias.

11- A revolução democrática se relaciona também com uma ampla mudança
nos padrões históricos do federalismo brasileiro, formatando critérios
públicos não clientelistas na relação entre os entes federados,
através da transparência e do controle social, favorecendo a
municipalização das políticas públicas, operando em favor de uma
distribuição regional mais justa das riquezas e das rendas, retomando
em novas bases as agências e planejamentos de desenvolvimento
regional, estimulando o cultivo das identidades culturais locais. Em
particular, colocam-se como desafios à revolução democrática a
superação da histórica miséria nordestina e a plena integração, em
bases de sustentabilidade ecológica, da região amazônica.

12- O maior entrave hoje à construção de uma economia do setor público
é o caráter historicamente anti-republicano da gestão do Banco
Central, que tem incidência sobre variáveis chaves da economia como a
gestão da dívida pública, os juros e o câmbio. Este caráter anti-
republicano, acentuado nos anos do neoliberalismo, se revela hoje
ainda na financeirização de sua gestão, isto é, na sua relação íntima
com o capital financeiro, na escolha de seus quadros, em seus
procedimentos, em suas fontes de informação, em suas políticas e
metas. Ao contrário, deve-se defender o princípio de que o Banco
Central é uma instituição republicana e sua ação técnica, capaz de
fazer as mediações devidas, deve se subordinar às metas de
desenvolvimento democraticamente definidas pelo governo e pela
sociedade. A criação de um sistema público de financiamento de longo
prazo da economia brasileira - envolvendo os agentes estatais
democratizados, os fundos dos trabalhadores e uma nova regulação do
sistema financeiro privado - é condição necessária e fundamental para
uma estratégia de desenvolvimento sustentado com distribuição de
renda.

13- A construção de uma nova consciência ecológica, no mundo e no
Brasil, requer a capacidade da esfera pública incorporar na própria
noção de bem comum o patrimônio da natureza. Esta consciência exige a
combinação de fundamentos entre o desenvolvimento, a emancipação
social e novas formas de civilização que, ao invés de destruírem,
componham novas relações de harmonia com a natureza. Um novo contrato
social exige também um novo contrato com a natureza, tornando a visão
humanista empenhada também em uma relação cósmica enriquecida com o
mundo.

14- A revolução democrática significa o despertar e a projeção
histórica do enorme potencial criativo de vastos setores da população
desde sempre marginalizados. É por isso que uma revolução na educação
brasileira - na sua universalização, na sua qualidade, no seu
engajamento na solução dos grandes desafios nacionais - como anteviram
grandes pensadores do Brasil e tem enfatizado o presidente Lula, é um
eixo fundamental. Esta revolução democrática deve ser acompanhada da
construção de um sistema nacional de inovações, que permita uma visão
sistêmica do desenvolvimento científico e tecnológico e sua
apropriação para fins de um desenvolvimento justo.

II-2 - A dinâmica da revolução democrática

1- A revolução democrática é um processo histórico que combina o
aprofundamento da democracia - de seu pluralismo, de sua
institucionalidade, de sua base social, de seus direitos - com as
transformações na vida social do país. Isto significa a determinação
de realizar as mudanças que forem objeto de um claro apoio majoritário
na sociedade, fruto de consensos amplos, respeitando sempre os
direitos políticos das minorias, mas indica também que os caminhos da
transformação passam por uma expansão historicamente inédita da
própria qualidade da democracia brasileira.

2- Para que seja ritmado com o processo de autodeterminação dos
trabalhadores e do povo brasileiro, a imaginação da revolução
democrática deve ser capaz de construir toda uma era de mudanças. Este
tempo próprio da revolução democrática não deve ser concebido como
linear: a alternância de governos, mesmo de forças políticas externas
à coalizão que sustenta a revolução democrática, pode ensejar recuos e
descontinuidades; a períodos de aceleração das mudanças, de reformas
estruturais podem se suceder períodos de mais lenta acumulação de
forças e de novos aprendizados democráticos. A era da revolução
democrática necessariamente deve ser capaz de combinar a solução de
problemas históricos, como as heranças da escravidão, da concentração
fundiária, da opressão das mulheres, da marginalização social. Para
tanto, ela deve mobilizar, ao mesmo tempo, as tradições de luta do
povo brasileiro e inscrevê-las nas novas culturas libertárias, na
consciência ecológica e nos desafios científicos e tecnológicos do
século XXI.

3- A revolução democrática significa um processo permanente de
alterações da correlação de forças em favor dos trabalhadores e do
povo brasileiro. Esta mudança se revela nas posições crescentemente
conquistadas na institucionalidade democrática, no aumento da
organização e da capacidade de mobilização dos movimentos sociais e na
evolução da própria cultura política do país, tornando-a cada vez
mais receptiva aos valores do socialismo democrático. A construção da
esfera pública é o modo de combinar estas três dimensões, reconhecendo
que o dinamismo da mudança está fundamentalmente centrado na
capacidade de mobilização social e na disputa de valores na opinião
pública. É esta mudança na correlação de forças que permitirá alargar
a cada conjuntura o horizonte do possível, no caminho das grandes
reformas estruturais democráticas e populares.

4- A conquista das reformas estruturais ou democráticas populares - a
reforma agrária plena, a reforma tributária progressiva, a reforma
urbana, a nacionalização de setores que a democracia brasileira
considerar estratégicos para o desenvolvimento nacional - só ocorrerá
com a combinação entre o avanço da correlação de forças na
institucionalidade democrática e a conquista de legitimidade na
opinião pública. A realização de campanhas nacionais em prol destas
reformas, esclarecendo a sua função histórica, deve ser uma prioridade
dos movimentos sociais e das forças políticas e sociais comprometidas
com a revolução democrática.

5- Como demonstra a experiência do primeiro governo Lula, há uma
relação profunda entre os avanços possíveis da democracia brasileira e
a mudança das relações entre as classes sociais e setores de classe. O
Estado brasileiro formou-se desde o início em bases anti-populares: o
primeiro experimento, limitado e restrito, de democracia de massas
ocorreu apenas no período 1946-1964, interrompido em seguida por mais
de 21 anos. A opressão econômica foi sempre e é reproduzida
implacavelmente pelo poder político. Apesar das conquistas
democráticas decisivas de direitos e políticas sociais ao longo da
história, as instituições e a hierarquia de direitos e deveres do
Estado brasileiro ainda mantêm uma forte relação com privilégios dos
grandes detentores de capital, terra e renda.

6- A liderança pública do presidente Lula deve ser valorizada como uma
grande expressão política e cultural deste novo protagonismo das
classes trabalhadoras e populares. Ela alcançou uma dimensão
histórica: já é, e tem a potencialidade nestes próximos anos de vir a
se consolidar, como a grande referência histórica da passagem para
novos padrões de democracia e república. Ela tem certamente uma
dimensão internacional: o presidente Lula pode se tornar símbolo
mundial da luta contra a fome e a miséria e protagonista central na
unificação política da América Latina. Ao contrário dos que
preconceituosamente a acusam de "populista, messiânica, autoritária",
esta liderança se fez na luta pela democracia, firmou-se na relação
com coletivos de partidos e movimentos sociais autônomos,
nacionalizou-se com o amadurecimento da democracia brasileira e só
pode se expandir em meio ao mais amplo pluralismo e direitos
políticos.

7- A revolução democrática implica o combate à subordinação dos
poderes do capital financeiro e rentista nos marcos do Estado e da
economia nacional. Significa de outro lado o fortalecimento
qualitativo da força e dos direitos das classes trabalhadoras frente
aos grandes capitais que hoje dominam a economia nacional. Implica
ainda uma expansão qualitativamente nova dos micro-emprendimentos, da
economia solidária, da agricultura familiar, do cooperativismo e,
fundamentalmente, das formas de economia solidária. A incorporação
plena aos direitos da cidadania e a diminuição das dezenas de milhões
de trabalhadores desempregados ou de emprego precário resultarão em um
imenso fortalecimento social das classes trabalhadoras e modificarão o
próprio estatuto das chamadas classes médias brasileiras. Mudanças na
distribuição estrutural da renda elevarão dezenas de milhões de
pauperizados a condições de consumo, qualidade de vida e acesso à
educação hoje assimiláveis aos padrões médios da população brasileira.
As classes médias ganharão novas perspectivas de emprego, de qualidade
de serviços públicos, de segurança e de vida cultural, quebrando-se as
linhas perversas da criação de dinâmicas de apartheid social que
marcaram a vida brasileira nas décadas recentes. Mudanças estruturais
na democratização do acesso à propriedade rural, o fortalecimento das
políticas públicas voltadas para a agricultura familiar, o
cooperativismo e a economia solidária alterarão os padrões históricos
da concentração de renda, violência e despotismo que marcam a vida
social no campo brasileiro.

8- A distribuição de renda, o reconhecimento simbólico dos que foram
quase sempre desprezados e humilhados, o acesso à educação e à
cultura, a conquista do emprego e dos direitos do trabalho, a reforma
agrária são, por excelência, o chão de um novo protagonismo das
classes populares na democracia brasileira. E é este novo protagonismo
que permitirá o aprofundamento das mudanças. As fortes - e inéditas em
seu alcance - políticas de inclusão social iniciadas no primeiro
mandato do governo Lula já combinam, em proporção ainda insuficiente,
o reforço dos direitos do trabalho (do nível de emprego, do salário
mínimo, da formalização do mercado de trabalho) com a expansão das
políticas sociais e de assistência. A dinâmica da revolução
democrática exigirá cada vez mais que as políticas do emprego, do
crédito, do acesso à educação, da reforma agrária, da qualificação
profissional propiciem a oportunidade histórica para que dezenas de
milhões de brasileiros hoje dependentes da assistência emergencial do
Estado assumam a sua condição de cidadãos produtivos e autônomos. Este
ciclo permitirá, por sua vez, pensar novos padrões de qualidade e
universalidade das políticas sociais no Brasil.

9- Esta relação entre o protagonismo das classes populares e a
institucionalidade do Estado é essencial para o sucesso da revolução
democrática. Daí a importância da ampliação das formas da democracia
participativa, em todos os níveis, com seus efeitos dinâmicos e
inovadores permanentes sobre a institucionalidade e a criação de novos
direitos.

10- Há igualmente uma relação profunda entre as mudanças sociais e a
revolução nos valores, nos costumes, nos hábitos, nos sensos comuns no
curso da revolução democrática. Além da violenta concentração da renda
e da riqueza, do acesso aos meios de produção, a desigualdade
intolerável da sociedade brasileira se alimenta da força de
preconceitos históricos herdados da escravidão e de uma sociedade
patriarcal. Uma era de revolução democrática no Brasil terá
necessariamente que expandir a auto-estima, a valorização social, o
potencial criativo dos negros e das mulheres. Esta expansão histórica
de direitos e reconhecimento simbólico - verdadeiras revoluções
culturais - são parte essencial do processo de autodeterminação do
povo brasileiro.

11- O cultivo de um individualismo egótico, que prevê a realização do
indivíduo em contradição com a comunidade na qual se insere, de um
sentido de vida preso apenas à acumulação material e à diferença de
status são contraditórios com grandes matrizes também formadoras da
cultura brasileira, como o comunitarismo, a disponibilidade para o
prazer, o lúdico, a felicidade comum. Uma era de revolução democrática
buscará compor o direito à igualdade e o direito à diferença, uma
expansão inaudita das liberdades individuais em uma cultura de
fraternidade e solidariedade.

II-3 - Construir a coalizão da revolução democrática

1- O PT concebe as tarefas de direção da revolução democrática de modo
plural através da formação de uma grande coalizão histórica político-
social. Como a revolução democrática envolve a realização de reformas
de caráter nacional, democrático e popular, esta coalizão é
necessariamente mais ampla que a unidade entre as forças políticas que
se reivindicam do socialismo democrático. Porque as tradições sociais
e culturais do povo brasileiro estão longe de se expressarem
plenamente no sistema de partidos, esta coalizão deve ser definida
como político-social, isto é, ela deve se expressar mais além de
alianças partidárias, em sua raiz social, em suas identidade
religiosas e na sua expressão cultural.

2- Pela sua história, pela sua raiz social, pela força de seu
protagonismo na história brasileira recente o PT almeja legitimamente
a condição de estar no centro do esforço da construção desta coalizão.
Deve buscar igualmente fortalecer o pólo socialista democrático desta
coalizão. Este protagonismo central do PT, no entanto, pelo pluralismo
de suas concepções e por sua perspectiva histórica, pode contribuir
para criar o espaço histórico de desenvolvimento político de um
conjunto de tradições vinculadas ao povo brasileiro que tiveram seu
florescimento travado pela ditadura militar e pelo domínio neoliberal.
Os diversos trabalhismos, as tradições comunistas, os socialismos de
várias matrizes, os comunitarismos cristãos,os social-democratas
autênticos, todos os setores vinculados à defesa dos direitos e de
mais justiça social, poderão encontrar no terreno da revolução
democrática amplo espaço de crescimento.

3- Do ponto de vista do sistema partidário brasileiro, o
aprofundamento da revolução democrática visa a fortalecer o pólo de
esquerda, ponderar mais o peso das posições de centro- esquerda e
diminuir a força dos partidos neoliberais e conservadores. Estas
mudanças serão decisivas para diminuir a resistência institucional às
mudanças de prioridade de gestão.

4- Os movimentos sociais no Brasil, que viveram um grande ascenso nos
anos oitenta, conseguiram resistir aos anos do neoliberalismo e
mantiveram uma decisiva agenda de mobilizações, em particular no
movimento que se expressou na chamada "Carta aos brasileiros" ( de
2005), no primeiro mandato do governo Lula. Apesar da diminuição das
mobilizações, em particular do ciclo grevista do movimento sindical,
os movimentos sociais se nacionalizaram, enriqueceram a sua agenda de
direitos (em particular com a ascensão do movimento gay e dos
movimentos ecológicos), incorporaram novas formas de luta e
organização, criaram a Central de Movimentos Populares, se
internacionalizaram com a experiência dos Fóruns Sociais Mundiais. As
comunidades eclesiais de base, apesar de todas as restrições que
sofreram, mantém uma importante rede nacional, renovando as dimensões
da Teologia da Libertação. O terreno histórico da revolução
democrática é, por excelência, o espaço de um novo ascenso dos
movimentos sociais,mais amplo e mais profundo que os já vividos.

5- A CUT, que conseguiu resistir heroicamente aos mais duros anos do
neoliberalismo, é hoje a grande instituição representativa dos
trabalhadores brasileiros. Mais do que apenas um canal de
reivindicações nacionais, ela é um símbolo maior da dignidade das
classes trabalhadoras, em seu pluralismo de visões políticas, de
regiões, de sexos, de raças, de interesses e perspectivas. Vista
assim, ela é uma das principais conquistas da democracia brasileira e
a superação de seus atuais problemas políticos e organizativos vincula-
se a uma nova época histórica de retomada dos direitos do trabalho no
Brasil, do direito de se organizar livremente no local de trabalho a
um salário-mínimo digno.

6- A revolução democrática põe aos movimentos sociais o desafio de
renovar a sua agenda, as suas formas de organização, a sua capacidade
de mobilização e a sua unidade. Sem perder as suas dimensões
específicas e corporativas legítimas, eles devem, em uma dinâmica de
um governo democrático-popular, se reconhecerem como co-governo, isto
é, como parte decisiva do processo de construção da esfera pública.
Mantendo a sua autonomia e a sua capacidade crítica, eles podem e
devem participar da definição das agendas de governo, assumir tarefas
comunitárias e cooperativas de gestão pública e, principalmente,
contribuir de modo decisivo através de campanhas nacionais na criação
da legitimidade das grandes reformas estruturais que o país precisa.

7- A construção de fóruns nacionais ou setoriais em que estejam
representadas as classes fundamentais do país é uma necessidade da
revolução democrática, no sentido de civilizar e institucionalizar os
conflitos de classe, estabelecer pontes de diálogo e acordos com os
setores produtivos nacionais, ir criando novos parâmetros de regulação
da economia.

8- A disputa para que a cultura brasileira desenvolva valores afins ao
socialismo democrático é essencial para a legitimidade da revolução
democrática. Este processo não deve ser pensado como prioritariamente
doutrinário ou externo aos valores contidos na cultura brasileira, nas
suas expressões erudito-populares, como sintetizada pelo grande
Movimento Modernista de 1922. Os grandes artistas do povo brasileiro
souberam ir às fontes da vida popular, de seus sentimentos, de suas
dores e perdas, de suas esperanças, de suas criações espontâneas e
refinadas, para ir criando a identidade comum - plural, étnica e
regionalmente, mestiça, comunitarista e universalista de raiz - dos
brasileiros. Esta identidade nacional assim criada é resistente e
antagônica, em dimensões fundamentais, ao liberalismo mercantil e pode
se desenvolver, no curso de uma revolução democrática, no sentido de
uma consciência socialista democrática de massas.

9- É preciso reconhecer que os movimentos políticos da esquerda
brasileira, que predominantemente acentuaram no pós-64 sua identidade
classista em um certo detrimento da identidade nacional, desenvolveram
pouco ainda as suas relações com esta vertente cultural e
civilizatória da emancipação. Em grande medida, o desafio hoje é o de
fecundar as culturas da dignidade do trabalho com o sentido
incontornavelmente popular da identidade da cultura brasileira. Há
uma grande teia que une Mário de Andrade a Chico Mendes, Chiquinha
Gonzaga a Pagu, Carlos Drummond de Andrade a Antonio Candido, Bertha
Lutz a Cecília Meireles, Aleijadinho a Niemeyer, Lula a Luiz Gonzaga,
Florestan Fernandes a Darcy Ribeiro, Antonio Conselheiro a Prestes,
Dom Hélder Câmara a Cartola, Zumbi dos Palmares a Pedro Casaldáliga e
esta teia deve se tornar um patrimônio comum dos brasileiros, sinal do
que soubemos criar e podemos sonhar.

10- Houve uma grave depreciação dos valores ligados à cultura do
trabalho nos anos de domínio neoliberal. Uma cultura do socialismo
democrático não pode se constituir sem uma reposição e uma reparação
histórica dos valores contidos na vida oprimida e explorada dos
trabalhadores brasileiros. O Estado nacional que se formou tardiamente
com base no trabalho escravo deve ser capaz de elevar os direitos dos
trabalhadores ao centro da vida nacional, matriz de todos os outros
direitos.

11- A revolução democrática é também, por excelência, o momento
histórico dos negros, que já tiveram reconhecida a sua presença
central na formação da identidade do país, terem pleno acesso aos seus
direitos políticos, econômicos e sociais. A revolução democrática
poderá criar o campo de resolução do grande impasse que marcou desde
sempre a luta pela dignidade dos negros do Brasil - a afirmação de sua
auto-identidade e a conquista das promessas não cumpridas da
mestiçagem e da democracia racial - afirmando uma cultura
multicultural, que respeita as diferenças.

II-4 - A revolução democrática, a política externa e a unificação
latino-americana

1- Não é possível se pensar a história do Brasil desligada do
continente latino-americano. Unidos desde a colonização, passamos ao
longo dos séculos por processos comuns de opressão e luta. Das guerras
de independência à eclosão dos processos guerrilheiros na década de
60, do período das ditaduras militares à década de predominio quase
absoluto das concepções e políticas neoliberais nos anos 90. As elites
latino-americanas no entanto sempre buscaram se afirmar de costas umas
para as outras, mirando primeiramente a Europa e posteriormente os
Estados Unidos. Hoje, vivemos um novo momento em nossa história, em
que o surgimento de uma ampla onda antineoliberal no continente
possibilitou a vitória de diversos governos progressistas. Nos quase
duzentos anos em que nosso continente tem vida enquanto nações
independentes, esta conjuntura é a mais promissora em termos de seu
potencial emancipadr. A revolução democrática pressupõe o entendimento
de que não é possível a construção soberana do país sem que haja um
forte processo de integração regional em todos os níveis: econômico,
político, social e cultural. A integração regional pode somar as
capacidades técnicas e científicas dos setores de trabalhadore mais
especializados, a base tecnológica e industrial construída em períodos
anteriores, a enorme disponibilidade recursos naturais e energéticos,
criando um bloco econômico e político em condições de afirmar uma
política própria. Nesse sentido, fortalecer o Mercosul, a Comunidade
Sul-americana de Nações e outros mecanismos de integração, como vêm
fazendo de forma decisiva o governo Lula, é parte essencial da
revolução democrática. Para tanto, é indispensável combinar-se a busca
de unidade entre os governos progressistas da região, com a necessária
compreensão das assimetrias existentes e das particularidades dos
distintos processos políticos e sociais que se desenvolvem em cada
país. Para tanto, é necessária a construção de um amplo movimento de
caráter político e social que, combinado com a ação dos governos
progressistas, impulsione na sociedade este processo.

2- Não é possível tampouco se pensar a afirmação do Brasil enquanto
nação sem uma forte presença no cenário político internacional, como
vem sendo desenvolvida pelo governo Lula. O incremento das relações
Sul-Sul, a formação do G-20 e outras iniciativas são fundamentais para
o enfrentamento do Império e da hegemonia neoliberal, na luta pela paz
e na busca de um mundo multipolar, com instituições internacionais
democratizadas.

II-5 - A revolução democrática e o socialismo democrático

1- Há amplas linhas de ligação entre a revolução democrática e a
construção do socialismo. No plano social, trata-se de aumentar a
coesão, a consciência dos direitos, a força política dos trabalhadores
e dos oprimidos. No plano político, trata-se de aprofundar a
qualidade, a extensão e a a profundidade da democracia para além dos
marcos elitistas do liberalismo. No plano econômico, trata-se de não
apenas submeter o capital a uma nova ordem de regulação, como de ir
criando, no plano macro e micro-econômico, através da ação
democratizada do Estado e de fundos públicos, a economia do setor
público. No plano cultural, trata-se de alentar os valores afins ao
socialismo democrático, da liberdade, da justiça social, da
fraternidade, da emancipação das mulheres, da superação do racismo. No
plano internacional, apoiar todos os movimentos emancipatórios em
favor de uma nova ordem mundial, a construção de organismos
internacionais democráticos frente ao poder das potências imperiais e,
em particular, desenvolver a comunidade latino-americana.

2- Uma experiência de transição democrática ao socialismo é inédita na
história da humanidade. Contra os argumentos de que ela é impossível
frente à resistência violenta e ao poder econômico, é preciso confiar
na força da vontade democrática das grandes maiorias, na capacidade da
democracia de vencer opressões históricas, nas dimensões criativas que
só um pluralismo autêntico pode gerar, na legitimidade que a
democracia confere ao uso circunscrito e controlado da força contra
atos que firam a legalidade democrática. No contexto latino-americano,
devemos reconhecer a especificidade dos caminhos da emancipação a
percorrer, democrática e soberanamente decididos pelos povos,
recusando erros historicamente já cometidos de estreitar a pluralidade
de caminhos e ritmos em modelos e padrões únicos. Contra o ceticismo e
o enfraquecimento das utopias que assola a cultura contemporânea, é
preciso resgatar a dignidade dos sonhos generosos de emancipação
contidos na tradição do socialismo e das lutas populares, reorganizar
as pontes entre a política e a cultura, entre política e ética, entre
a busca da felicidade pessoal e a felicidade coletiva.

3- A experiência da revolução democrática do povo brasileiro insere-se
na crise de civilização da humanidade, motivada por uma ordem mundial
capitalista que é incapaz de resolver segundo seus próprios valores os
problemas fundamentais que gerou. A noção de uma transição
democrática, na qual não apenas os caminhos mas os destinos estão em
permanente construção, impede que se trace uma estratégia definida a
priori para o socialismo. O socialismo democrático requer a plena
superação dos domínios do capital e como tal se insere nos grandes
desafios históricos da humanidade. Como conquista democrática do povo
brasileiro, como auto-construção da civilização brasileira ela se
comunica com o imprevisto e o indeterminado que são a própria
expressão da liberdade na história.

2) Socialismo democrático e republicano

1- As resoluções "O socialismo petista" e "Socialismo", aprovadas no 7
Encontro Nacional e no I Congresso do PT, devem ser justamente
valorizadas como marcos centrais da história e da cultura petistas.
Elas foram fundamentais para garantir a sobrevivência da identidade e
a unidade do PT em anos marcados pela forte pressão conservadora e
neoliberal. Afirmaram a legitimidade democrática do PT em seu caminho
para o governo central do país, projetando as suas contradições e
tensões com a ordem política brasileira para um caminho histórico
construtivo de aprofundamento qualitativo da democracia. Mas,
principalmente, enriqueceram a cultura do socialismo democrático com
princípios e formulações alternativos às grandes linhas das
experiências autocráticas de construção do socialismo ou adaptativas à
ordem capitalista da social-democracia.

Entre estes princípios e formulações, podem se destacar:

- a crítica à noção de "ditadura do proletariado", com a afirmação de
um pluralismo estratégico e não restrito aos partidos operários, a
defesa da necessidade de um Estado de Direito, da legitimação
majoritária do poder político bem como o respeito às minorias e à
alternância de poder, do direito à diversidade política, cultural,
étnica, sexual e religiosa;

- a crítica da social-democracia que "acredita na neutralidade do
Estado e adota como horizonte máximo a luta por reformas no interior
do próprio capitalismo";

- a defesa da combinação entre formas da democracia direta, de gestão
política e econômica, com os mecanismos de democracia representativa e
com mecanismos ágeis de consulta popular;

- a postulação de um planejamento estratégico e democrático do
desenvolvimento, diversificando as formas de propriedade ( estatal,
coletiva, social, pública, particular, mista), gestão e controle
social, privilegiando as formas de propriedade social e estabelecendo
limites para a propriedade individual. Uma nova economia exigiria
"fortalecer o controle da sociedade civil sobre o Estado também no
terreno econômico, impulsionando a socialização e a democratização do
Estado, e o desenvolvimento das esferas públicas no âmbito da própria
sociedade civil";

- a recuperação "da dimensão ética da política como condição
essencial para o restabelecimento da unidade entre socialismo e
humanismo";

- a visão de que o PT se nutre de diferentes correntes do pensamento
democrático e transformador como "o cristianismo social, marxismos
vários, socialismos não-marxistas, democratismos radicais, doutrinas
laicas de revolução comportamental etc" e que o socialismo que
queremos construir deve "se inspirar concretamente na rica tradição
das lutas populares da história brasileira", devendo ser capaz
inclusive de integrar em seu centro a língua e "a canção secularmente
contida (mas também sempre cantada) da resistência negra";

- a defesa de um "novo internacionalismo, fundado em novos valores, em
novos sujeitos e agentes políticos, que estejam empenhados em
construir uma nova civilização" e um compromisso especial com a luta
pela emancipação na América Latina;

- a incorporação inicial mas de fundamentos das relações entre a luta
pelo socialismo e a ecologia, com o ponto de vista de que "os recursos
naturais não podem ser apropriados sob regime de propriedade privada,
mas sim de forma coletiva e democrática, em sintonia com o meio
ambiente e solidária com as futuras gerações".

Todas estas conquistas programáticas devem inspirar o PT no momento de
atualização de sua visão sobre o socialismo.

2- Após dezessseis anos de novas e decisivas experiências, o avanço na
elaboração sobre o socialismo responde a necessidades resultantes da
construção de sua identidade pública, em alguma medida afetada pela
crise vivida e pela campanha acusatória movida por grandes órgãos de
mídia. A condição de governar o Brasil, elevando ao mais alto grau as
tensões entre a cultura petista e as tradições do Estado brasileiro, o
processo recente e potencial de forte e inédita expansão da
consciência popular, as pautas colocadas pelos novos movimentos
sociais altermundistas e as novas experiências na América Latina, o
aprofundamento da consciência ecológica permitem enriquecer e projetar
o socialismo petista em dimensões fundamentais. Uma retomada do
socialismo na cultura do PT responde também às carências suscitadas
por todo um período marcado pela pressão neoliberal e pelo esforço
pragmático de chegar ao governo do país e exercer a função de governo
em condições desfavoráveis de correlação de forças. Esta retomada não
é apenas importante, do ponto de vista dos valores e das perspectivas,
mas para inspirar a própria prática contemporânea do PT, concebida
como um criativo esforço histórico de inovar no diagnóstico e na
superação dos grandes problemas nacionais e internacionais.

Socialismo democrático e republicanismo

3- Assim como qualificou a sua perspectiva socialista com os valores
da democracia, o PT tem hoje diante de si o desafio de renovar e
aprofundar a sua projeção socialista com os valores do republicanismo.
O socialismo é um princípio de civilização alternativa ao capitalismo,
requer não apenas a construção de outro modo de produção e
distribuição e de outro paradigma de Estado mas a organização de um
outro modo de vida social. A cultura do PT já construiu a noção de que
o socialismo pelo qual luta é democrático, isto é, não pode ser
imposto pelo despotismo, pelo autoritarismo. É fundamental que ele
responda de modo mais claro ao desafio de esclarecer que este
socialismo democrático não é estatista, como acabou predominando nas
várias culturas da social-democracia e das vertentes dominantes que
resultaram da revolução russa, mas também não abraça a apologia do
mercado como faz o liberalismo. A resposta a este desafio passa pelos
valores republicanos e pela noção central de esfera pública. Este
desafio ficou mais evidente com a experiência de governar o país: a
necessidade de formular de forma mais profunda a distinção entre
partido e Estado, de construir uma ética da política ou uma ética
pública, de construir as mediações institucionais e de gestão capazes
de permitir o avanço das transformações e, enfim, compreender a sua
experiência no interior e à luz dos impasses fundantes e históricos da
república brasileira.

4- A crítica à confusão entre as instâncias do partido único e o
Estado já faz parte das resoluções do socialismo petista. Esta
dimensão de recusa a uma prática incompatível com os valores
pluralistas da democracia precisa agora ganhar um sentido histórico
positivo e preciso. Em seus primeiros anos, o PT, para marcar a sua
identidade, em seu período de primeira inserção na institucionalidade
do Estado brasileiro, concebeu um modo petista de governar, uma ética
petista diferenciada dos outros partidos tradicionais e, de modo
geral, um modo petista de fazer política, recusando a separação
elitista entre a ordem da política e os movimentos sociais. Pelas
inovações que trouxeram à democracia brasileira, pelo aprendizado que
permitiram, pelo potencial crítico à transição negociada e, depois,
aos anos de domínio neoliberal, este modo de formular a questão da
relação entre o PT e o Estado brasileiro cumpriu um papel histórico
decisivo. Mas à medida em que se aumentava a inserção do PT no Estado
brasileiro, ela revelou-se insuficiente.

5- O impasse se revelava assim: se os valores e as práticas que
apresentávamos à democracia brasileira em construção eram típicos e
exclusivos do partido, como pretendíamos que eles fossem
institucionalizados como universais em um quadro de multipartidarismo
e pluralismo? Esta contradição não resolvida tinha, na verdade, duas
portas de saída, que acabaram se cruzando na prática do partido à
medida em que mais aumentava a sua inserção no Estado: as tendências
de adaptação ao próprio Estado, dissolvendo-se as diferenças entre a
cultura e a prática petistas em relação aos outros partidos; as
tentações de utilização instrumental da institucionalidade do Estado
para fins estratégicos do PT ou de grupos e projetos pessoais dentro
do PT.

6- A construção de instituições e procedimentos republicanos, a partir
dos valores do socialismo democrático, é parte fundamental do esforço
tanto para superar a adaptação do PT ao Estado brasileiro quanto a sua
instrumentalização para fins partidários ou particularistas. Estas
instituições são republicanas, constituem uma nova esfera pública em
formação, exatamente na medida que são governadas por critérios
avançados de democracia participativa (portanto, pluralistas) e são
regidas e servem a interesses universalistas, isto é, para todos, como
apontou já o principal slogan do primeiro governo Lula. Se a
democracia participativa avançada é insubstituível para quebrar o
controle dos grandes grupos econômicos sobre o Estado, para destronar
privilégios, para combater a corrupção sistêmica, a dinâmica de
interesses universalistas indica o caminho de uma larga integração dos
direitos dos trabalhadores e populares às suas funções.

7- As teorias mais recentes da democracia têm enfatizado as suas
dimensões comunicativas, discursivas, deliberativas recolocando em um
plano central a construção de uma esfera pública de opinião. Os
desenvolvimentos recentes da tecnologia da informação criam novos
desafios e potencialidades. Temas como os da veracidade, da
credibilidade, do direito ao pluralismo da informação, da construção e
renovação das agendas públicas através do diálogo democrático exigem
integrar cada vez mais os meios de comunicação de massa aos princípios
normativos da democracia. Assim, o tema da construção da esfera
pública de opinião deve ocupar um lugar central nas formulações do
socialismo democrático, através da legitimidade da ação democrática e
pluralista do Estado, da regulação democrática da mídia privada e de
uma expansão qualitativa da capacidade de vocalização, debate e
informação dos setores populares e dos trabalhadores.

8- Como partido socialista democrático, o PT tem no interior da
democracia brasileira o seu programa, a sua cultura, sua base social e
seus interesses partidários legítimos. Seria um erro, no entanto,
defender que as instituições da democracia brasileira devam aderir ou
se conformar a um código ético de sentido particular ou exclusivista
do PT. Como principal partido interessado na construção da esfera
pública, o PT deve lutar pela fundação de uma ética pública, de
sentido democrático e universal, para as instituições do Estado
brasileiro. A sua crítica ética das instituições do sistema político e
do Estado brasileiro, a sua cobrança forte dos desvios
patrimonialistas e das práticas de clientelismo, corrupção e
privatização dos partidos neoliberais e conservadores, deve ser
critério fundamental também para a avaliação democrática de sua
própria prática e posicionamentos.

9- A experiência de governar o Brasil sob a pressão da dinâmica
econômica neoliberal - forte pressão financeira em uma situação de
grande vulnerabilidade externa - e com instituições ainda marcadas por
regras e procedimentos advindos ou do período do regime militar ou do
período neoliberal, evidenciou quanto é importante o PT desenvolver
uma estratégia que fortaleça a economia do setor público, controlado e
gerido com procedimentos democráticos. Sem o desenvolvimento desta
economia do setor público, com a macro-economia do país ainda regida
sob o império das grandes corporações nacionais e internacionais, não
é possível avançar em uma estratégia de desenvolvimento acelerado com
distribuição de renda. Por definição, a economia do setor público é o
caminho histórico da transição democrática para o socialismo.

10- A construção da economia do setor público envolve a expansão da
ação econômica do Estado, sob controle social e democrático, um nova
regulação da ação mercantil com critérios universalistas e a
constituição de dinâmicas expandidas de economia solidária,
cooperativas, de agricultura familiar. É fundamental que um sistema
público de financiamento de longo prazo se institucionalize e que se
crie um forte sistema nacional de inovações, pois o controle
democrático das finanças e das inovações constituem elos
imprescindíveis da dinâmica econômica contemporânea. Toda uma economia
do bem estar social, voltada para prover os bens básicos de
civilização para todos os brasileiros, pode e deve se desenvolver sob
a direção do setor público. Uma reforma agrária, capaz de corrigir as
históricas distorções da concentração fundiária brasileira, será
fundamental para renovar as perspectivas ecológicas, produtivas, de
emprego e distributivas da economia brasileira. Nesse sentido. é
fundamental a ampliação do Conselho Monetário Nacional, como defendem
a CUT e o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, e o controle
da entrada e saída do capital de curto prazo, que é apenas
especulativo e instável. A consecução vitoriosa do Programa de
Aceleração do Crescimento, parte fundamental da consecução de um
projeto nacional que a um só tempo integra os estados e potencializa
as suas economias, contribuirá decisivamente para alcançarmos um novo
patamar de desenvolvimento, colocando o Estado como indutor do
crescimento econômico e como realizador de novas conquistas sociais
aos trabalhadores e a toda a população.

11- Uma cultura de separação e até de oposição entre democracia direta
e democracia representativa, entre movimentos sociais e participação
eleitoral tem levado a um duplo impasse: de um lado, a dificuldade de
superar os limites locais ou municipais das experiências de democracia
direta na base e, de outro, uma adaptação da cultura partidária e
eleitoral aos parâmetros vigentes no sistema político brasileiro. A
superação desta separação paralisante implica a construção de um
conceito de democracia participativa na qual as experiências de
democracia na base têm a sua comunicação com as formas mais
institucionais de democracia representativa, no contexto em que uma
cultura de partidos renovada se nutre de novos espaços de movimentos
sociais não apenas reivindicativos, mas também propositivos e até co-
governativos. Os avanços e a qualidade desta democracia participativa
nucleiam o caminho da construção histórica do socialismo democrático.

12- O sentido republicano transcendente da experiência do governo Lula
fica evidenciado quando compreendido à luz da história da república
brasileira desde a sua fundação. A república entre nós nasceu sem
povo, e por isso mesmo, incapaz de realizar atos históricos de
reparação em relação aos ex-escravos, de democratizar o acesso à
propriedade fundiária e de incorporar os direitos dos trabalhadores. A
revolução de 30 e o primeiro período varguista, se avançou nas
dimensões nacionais, do desenvolvimento econômico e de uma inclusão
parcial dos direitos sociais, atentou gravemente contra os direitos
políticos e as liberdades democráticas, inclusive sindicais. O
experimento da democracia pós-46, já cerceado quase na origem pela
cassação dos direitos políticos do PCB, foi marcado por uma grande
expansão da cultura nacional, da eclosão da questão nordestina e da
reforma agrária mas teve a sua dinâmica popular e redistributiva
travada pela ascensão do regime militar. O nascimento da chamada "Nova
República" não conseguiu realizar os grandes pleitos de justiça social
e de democracia acumulados durante o regime militar, parcialmente
contemplados pelo Congresso Constituinte de 1988. O período
neoliberal, com suas dinâmicas antinacionais, antidemocráticas, anti-
sociais e privatistas operou historicamente contra a própria noção de
construção republicana do país.

13- A construção de uma verdadeira república no país, que consiga
criar, de modo articulado, a soberania nacional, o aprofundamento da
democracia e uma dinâmica irresistível de universalização da
cidadania, que tenha como centro o reconhecimento dos direitos e da
dignidade do trabalho, que enfrente de forma inovadora os problemas
históricos da concentração fundiária, das heranças da escravidão,da
opressão secular das mulheres, da concentração regional da renda, da
ocupação desde sempre predatória da natureza, faz parte assim da
construção do socialismo democrático. É o modo do socialismo
democrático se enraizar na história brasileira cumprindo as tarefas
históricas que nem as classes dominantes nem as forças políticas
liberais tiveram interesse e capacidade para cumprir.

Raiz nacional do socialismo petista

14- A construção do socialismo democrático deve ser entendida como a
experiência de auto-emancipação do povo e dos trabalhadores
brasileiros na história. Como tal, ela se nutre das tradições da luta
democrática, nacional, social e emancipatória deste povo desde a sua
origem, mantém um diálogo crítico e amoroso com as dimensões
culturais, sociais e religiosas deste processo de civilização e deve
ser capaz de projetar as utopias e aspirações de felicidade comum.

15- A tradição das lutas emancipatórias do povo brasileiro, pela força
mesmo das opressões e da violência, não se apresenta hoje incorporada
como patrimônio ao cotidiano da vida cultural do país. No entanto, ela
permanece no substrato da memória coletiva da Nação. Para os que lutam
pelo socialismo democrático, é preciso generalizar a compreensão e a
postura de que nenhum manifesto ou sonho de emancipação, nenhuma vida
sacrificada ou expandida pela dignidade de todos, nenhum movimento
social generoso deve se perder no esquecimento e na desvalia. Em
particular, é preciso fazer dialogar as várias línguas, os
regionalismos, as utopias religiosas e os sonhos laicos que compõem
esta pluralidade de etnias que desde sempre constitui o povo
brasileiro. Uma imaginação comum de vida social mais feliz também é um
bem comum.

16- Faz parte da grande contribuição das lideranças modernistas, em
particular da figura histórica de Mário de Andrade, a noção de que a
civilização brasileira é originalmente universalista porque capaz de
dialogar com outras culturas e experiências, de incorporar e
fraternizar-se com o diferente e o outro. Nesta perspectiva histórica,
a cultura do socialismo democrático deve se propor ser tão brasileira
como o samba e o choro, o carnaval e o futebol, o frevo e o baião, o
gosto disposto ao lúdico e ao erótico.

17- Faz parte também da consciência crítica desta experiência
civilizatória original compreender que a dignidade do trabalho, de
seus valores e perspectivas classistas foram fundamentalmente
oprimidas ao longo do tempo. Aqui se realizou, em maior escala e por
mais tempo, a maior experiência da escravidão moderna. Às classes
trabalhadoras, na maior parte do tempo, foram negados os direitos
básicos, permanecendo hoje ainda um contingente expressivo submetido
às situações degradantes do desemprego, subemprego ou emprego
precário. No campo, a estrutura fundiária concentrada e a violência do
latifúndio impediram a expansão nacional e a estabilidade de um
campesinato e produziram milhões de trabalhadores sem terra.

18- Daí porque valorizar na revolução democrática a formação da
cultura classista, anticapitalista, comunista, trabalhista e
socialista dos trabalhadores brasileiros. Da dura luta pioneira dos
anarco-sindicalistas, dos comunistas, dos trabalhistas, dos
socialistas, do chamado novo sindicalismo que esteve no centro da
origem do PT à construção da CUT, da Ultab, das Ligas Camponesas ao
atual Movimento dos Sem Terra, houve um processo histórico de
construção de tradições, de instituições autônomas, que se relacionam
com a eleição de um primeiro presidente operário metalúrgico do país.
A situação histórica é, pois, propícia á retomada e a expansão das
instituições e da cultura socialista dos trabalhadores brasileiros.

19- A cultura brasileira, em seus momentos maiores de criação
estética, soube romper a divisão entre elite e massa, compondo o
diálogo entre o erudito e o popular. Soube vencer a barreira das
raças, das regiões, dos sexos, das classes compondo um patrimônio
comum de identidade que convida à fraternidade dos brasileiros, em
novas harmonias com a natureza. Excluído desde sempre da comunidade
política, não encontrando dignidade no trabalho, foi no campo da
cultura brasileira que o povo brasileiro,em seu pluralismo, recompôs-
se, expandiu-se e projetou-se. A casa comum dos brasileiros, na
temporalidade própria das grandes criações da cultura, já está
imaginada em nossa identidade. Ao socialismo democrático cabe construí-
la.

O socialismo democrático e o novo internacionalismo ( a desenvolver)

O socialismo democrático e um novo contrato com a natureza ( a
desenvolver)


3) Um partido para a revolução democrática

1- A resposta aos imensos, complexos e promissores desafios da
revolução democrática deve orientar as profundas mudanças necessárias
no PT. O PT está se consolidando como partido central na democracia
brasileira e sua evolução nos próximos anos condicionará, de modo
estrutural, as possibilidades de avanço na revolução democrática.

2- A evolução do PT condicionará, em um sentido fundamental, a
evolução da revolução democrática em cinco dimensões fundamentais:

- a sua capacidade de criar os espaços do protagonismo político e da
cidadania ativa de centenas de milhares dos novos personagens na cena
brasileira, dos trabalhadores e do povo que constituem a base social
fundamental e em ampliação do governo Lula;

- a construção de um novo ascenso nacional dos movimentos sociais, que
tem dificuldade de se produzir em contextos de separação entre as
lutas políticas eleitorais e as ações reivindicatórias;

- a construção e estabilização de uma coalizão político-social, que
permita alterações crescentes na correlação de forças na
institucionalidade democrática;

- a superação dos impasses de fundamentos éticos na prática do sistema
de partidos, que incentive um deslanche democrático na construção da
esfera pública;

- a constituição de uma cultura socialista, democrática e popular no
Brasil.

Esta renovação da capacidade do PT liderar a revolução democrática se
relaciona, de modo decisivo, com a formação das novas vanguardas e
partidos latino-americanos.

3- Para que o PT seja capaz de realizar a sua capacidade potencial de
liderar a revolução democrática, é preciso superar impasses políticos,
éticos e organizativos estruturais, que se vinculam às raízes da
recente e profunda crise. Nos anos 90, o PT foi capaz de manter a
presença nacional e a unidade do partido em anos difíceis, conduzir
com outras forças políticas e os movimentos sociais a resistência ao
neoliberalismo, ganhar uma presença importante na institucionalidade,
desenvolver experiências inovadoras de gestão e políticas públicas e,
mais importante, projetar as condições da vitória de Lula em 2002.
Estes feitos históricos e decisivos do PT, que não podem de modo algum
ser relativizados, deram-se, no entanto, em um contexto de crescente
estreitamento institucional da vida do partido, de acento em seu
pragmatismo eleitoral, de enfraquecimento da cultura socialista na
vida partidária e, de forma crescente, de um forte estreitamento da
democracia partidária e da organização de base. De forma gradativa e
mais acentuada em alguns estados, o partido sofreu um fenômeno de
burocratização, de substituição da militância por cabos eleitorais,
das instâncias partidárias pelos gabinetes, de secundarização da
formação política e de crescente falta de transparência em suas
finanças. As instâncias partidárias foram sendo substituídas por
grupos paralelos dentro do partido e por projetos pessoais. Estas
carências manifestar-se-iam de forma dramática na experiência do
primeiro governo do presidente Lula. O PT não soube articular seu
papel como principal força de sustentação ao governo com a necessária
autonomia como guardião de um programa, distanciou-se dos movimentos
sociais, não apresentou alternativas concretas de políticas ao governo
e, de certa forma, a própria discussão dos rumos do governo foi
interditada em sua direção. E mais ainda, setores do partido adotaram
práticas e condutas incompatíveis com a ética republicana, e que
atingiram duramente a imagem do PT e sua vida partidária. Até certo
ponto, repetiu-se aquilo que sempre criticamos historicamente nas
experiências do socialismo real: a transformação do partido numa
correia de transmissão do Estado. Apesar de todos esses fenômenos,
sofrendo todos os ataques de nossos adversários e no bojo da maior
crise de sua história, o PED marca um momento de reação, em que a
militância partidária mostrou que aqueles processos negativos em curso
não estavam cristalizados e que há forças no interior do partido para,
com base no melhor de suas tradições, superar os impasses e recuperar
sua trajetória como partido de massas, democrático e socialista.

4- Passar de um paradigma de organização partidária pragmaticamente
adaptado a um período de resistência ao neoliberalismo a um outro
paradigma de construção partidária sintonizado com as potencialidades
da revolução democrática é, pois, o desafio norteador. Esta
necessidade imperiosa de mudança não pode ser relativizada pelo apego
sectário e inercial às polarizações do período passado mas, em sua
própria lógica, ela deve ser capaz de preservar a dignidade das
tradições e militâncias que são inseparáveis das conquistas históricas
do PT. O reconhecimento de que nenhuma tendência ou tradição petista
isolada tem respostas aos desafios vividos, nem força e legitimidade
exclusiva para encaminhá-las, deve levar ao entendimento de que este
novo período de construção do PT demanda um novo campo de elaboração
comum, capaz de novos pactos partidários, novos campos de unidade,
novos consensos necessariamente pluralistas e democráticos.

5- Este novo paradigma comum de construção partidária demanda seis
mudanças estruturais: uma nova inserção social do PT; a renovação
do pacto ético do PT em um quadro de transparência pública de suas
finanças; avanços conceituais e práticos na cultura do socialismo
democrático; reformas na inserção nacional de seu sistema de direção e
na democracia partidária; nova ênfase ao papel das bases partidárias;
nova ênfase no seu sistema de relações internacionais e um novo
incentivo à participação das mulheres e negros na vida partidária.

Nova vida à prática social do PT

6- O estreitamento do PT na vida institucional, em grande parte
decorrente da pressão das tarefas centrais de governo do país, de
estados, no Congresso Nacional, tem neutralizado em forte medida a
rica dialética que deve existir entre a sua vida e as dinâmicas mais
criativas da sociedade brasileira, a expansão da consciência política
entre as populações mais pauperizadas, a imensa rede de organismos,
entidades, movimentos sociais, culturais, feministas, ecológicos, de
economia solidária, de novos direitos libertários. Dar nova vida à
prática social do PT é não apenas buscar um novo equilíbrio, mas
principalmente dar um novo sentido e função à relação entre prática
institucional e prática social do PT.

7- Além da participação nas eleições, a vida do PT, de seus filiados e
de sua militância, deve se orientar para um protagonismo permanente em
campanhas nacionais por novos direitos e reformas estruturais, em
atividades político-culturais e em ações de voluntariado que
contribuam para a imensa rede de solidarismo e comunitarismo tecidos
pelo povo brasileiro.

8- Um novo alento da prática social do PT envolve centralmente uma
nova relação com os movimentos sociais constituídos. Se o PT fez a
opção histórica correta de não pretender transformar os movimentos
sociais em correias de transmissão do partido, acabou prevalecendo na
prática a tendência a separar a sua atuação institucional dos ciclos
organizativos e reivindicativos dos movimentos sociais. Afastando-se
dos modelos típicos do estalinismo e da social-democracia, o PT deve
apostar em um novo sentido e formato das relações entre partido e
movimentos sociais que contemple centralmente o processo de construção
da esfera pública. Ao invés de replicar corporativamente, em cada
segmento, em cada localidade, uma estrutura orgânica voltada para a
especificidade de cada movimento, o PT deve estabelecer com as
dinâmicas autônomas dos movimentos sociais uma relação político-
cultural. Isto é, ele deve contribuir para que estes movimentos sejam
capazes de transcender a esfera corporativa legítima de suas ações
para funções de co-governo, de criação e ativação de novas agendas de
direitos, e também para avançar em sua consciência do socialismo
democrático.

9- O PT nasceu para quebrar a separação entre a atividade política
elitista, especializada e profissional e a cidadania ativa dos
trabalhadores e do cidadão comum. Os núcleos do PT eram na imaginação
original do partido o lugar por excelência da socialização política. A
revolução democrática cobra o espaço para a expansão da cidadania
ativa dos socialistas. Os núcleos, em uma democracia renovada da vida
do PT, tendo participação inclusive em seu sistema de decisões,
organizados de modo flexível e adaptados às diferentes regiões e
culturas do país, poderiam ser nesta nova fase da vida do PT a
verdadeira raiz de sua energia transformadora.

Por uma prática de transformação competitiva do sistema político

10- Não podem ser subestimados os efeitos sobre o PT do financiamento
privado das campanhas eleitorais, do sistema partidário e eleitoral
brasileiros, das regras de funcionamento nos parlamentos.

11- A dinâmica de transformação do sistema político brasileiro exige a
combinação da centralidade da luta permanente pela reforma política,
pensada historicamente de forma processual e acumulativa nos
procedimentos e instituições da democracia, com a adoção de
procedimentos, regras e códigos de ética que sinalizem claramente para
a sociedade o compromisso prático do PT com as reformas democráticas e
republicanas pelas quais luta. Entre estes procedimentos, deve ter um
lugar central a dimensão mais coletiva das campanhas e dos mandatos
parlamentares, a transparência das contas partidárias e a recusa em
incentivar, partilhar ou usufruir de privilégios corporativos
resultantes da maior inserção do PT na institucionalidade do Estado
brasileiro.

Compromisso com a ética republicana

12- Nenhum partido, por mais compromissos que tenha com a ética
republicana, está livre da ocorrência de casos de corrupção. O que
diferencia os partidos em seu compromisso com a ética republicana é a
postura pública assumida quando se descobrem casos de corrupção em
suas fileiras. A conivência, a desresponsabilização, a condescendência
são inaceitáveis: a honestidade no trato do patrimônio público do povo
brasileiro deve ser sagrado para o PT. Se não aceitamos em geral a
máxima que o número de votos conferido a um político acusado de
corrupção o anistia dos erros cometidos, não podemos aplicar este
preceito dentro do PT. O partido deve à sociedade democrática
brasileira a renovação, prática e de princípios, de seus compromissos
com a ética republicana.

Formação política

13- O trabalho de formação política é essencial para que o PT se
capacite para liderar a revolução democrática. Num partido plural, que
não tem ideologia oficial, o trabalho de formação deve necessariamente
contemplar a diversidade de opiniões existente no interior do PT. Num
país com as dimensões continentais do Brasil, em um partido com quase
um milhão de filiados, o trabalho de formação política não pode se
reduzir à realização de atividades e cursos centralizados a nível
nacional ou estadual, por mais importantes que estes sejam. Para
alcançar o conjunto dos filiados, e particularmente os dirigentes
partidários de base espalhados por todo o país, é necessário que seja
incentivada a produção de materiais, como cartilhas e DVDs, que possam
ser amplamente distribuídos à base partidária, bem como que se utilize
as novas tecnologias, como a internet, para a realização de atividades
a distância.

14- A Fundação Perseu Abramo vem realizando um importante trabalho de
investigação da realidade brasileira, de produção de materiais que
subsidiam o trabalho de formação política do PT e de articulação dos
intelectuais do campo progressista. No entanto, cabe a ela, em
conjunto com a direção partidária, desenvolver esforços no sentido de
ampliar o alcance de sua atuação, seja no que toca à sociedade em
geral seja no que toca às bases partidárias.

Atualizar e aprofundar o socialismo democrático na cultura do PT

15- Após um período de grande pressão do neoliberalismo e de intenso
pragmatismo, é preciso dar um novo impulso de raiz à presença do
socialismo democrático na cultura petista. Isto implica centralmente
em recriar os espaços de contribuições da esquerda intelectual do país
na cultura do PT, de relação do partido com as culturas universitárias
comprometidas com a transformação social, com os artistas e,
principalmente, com a cultura popular brasileira. Cabe à Fundação
Perseu Abramo um papel central no desenvolvimento desta tarefa. Um dos
pontos chaves desta renovação da cultura socialista do PT está na
relação entre a reflexão sobre as tradições socialistas, o cultivo
crítico da sua dignidade, e a abertura para as inovações do socialismo
promovidos no interior da revolução democrática.

Renovar as instituições e a cultura da democracia petista

17- Desde o seu nascimento, o PT constituiu-se como um partido de
raízes nacionais, mas tendo o seu eixo central de articulação em São
Paulo. Com seu desenvolvimento histórico, ampliou-se a geografia do
PT, com um crescimento forte em regiões como o Nordeste e a Amazônia,
que não estão devidamente representadas nas esferas de poder do
partido. Reconhecendo-se a importância da contribuição de São Paulo
na construção do PT, é imprescindível hoje o compartilhamento mais
nacional das tarefas de direção do partido.

18- A nova realidade política e regional do partido exige que seja
superada a visão de um campo majoritário que impõe às instâncias
nacionais as decisões tomadas a priori e em grupo, para um sistema
plural e democrático de direção, de construção de consensos
progressivos e de acolhimento pleno da dignidade das correntes
minoritárias.

19- É necessário que concomitantemente à luta pelo financiamento
público de campanha se desenvolva uma nova política de finanças no
interior do partido, mais transparente com relação à prestação de
contas e mais democrática na aprovação e na gestão orçamentárias.

20- Os compromissos com a ética republicana devem ser aplicados no
interior do partido. Para tanto, é necessário uma revisão estatutária
e a aprovação de um código de ética do PT.

21- O PT inovou na política brasileira ao aprovar em seu I Congresso a
política de cotas para a participação das mulheres em suas instâncias.
Cabe um processo de avaliação desta experiência que permita que novas
medidas sejam tomadas para impulsionar a participação das mulheres na
vida política partidária.

Artur Scavone

unread,
Mar 7, 2007, 4:23:43 PM3/7/07
to mensagem...@googlegroups.com
Espero que todos tenham recebido as preliminares das Teses.
 
Por este link é possível entrar na discussão dentro do Grupo.
 
 
Artur

joelson.miranda

unread,
Mar 8, 2007, 7:12:48 AM3/8/07
to mensagemaopartido
 
Cópia:
Data: Wed, 7 Mar 2007 18:23:43 -0300
Assunto: [MPT 13] TESES
> Espero que todos tenham recebido as preliminares das Teses.
>  
> Por este link é possível entrar na discussão dentro do Grupo.
 
OK ESTUO RECEBENDO SIM, UM ABRAÇO E UM BÔM DIA.
>  
>  
> Artur

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