No dia-a-dia dos presos, está se tornando comum a adoção, por parte dos criminosos, de uma linguagem própria, para se comunicarem. Ao invés de usarem a língua portuguesa comum para se expressarem, falam por meio de um novo vocabulário. A estatística, embora não oficial, é dos próprios policiais.
Frases como "o Steve (policial) me levou pro porão (cadeia), mas agora estou na Disney (condicional)", ou "arrumei uma farinha (cocaína) e a pus no cafofo (esconderijo), mas deu uma zica (encrenca)" são comuns de se ouvir nos corredores e celas das delegacias e das cadeias. Segundo policiais, o preso de hoje se expressa por meio de gírias e palavras que ele resignifica – dá um significado novo.
A linguagem do crime se proliferou, de uma certa forma que, no Rio, um agente de polícia elaborou um dicionário só de palavras colhidas no meio da bandidagem. O autor do glossário é o delegado federal Lorenzo Pompílio da Hora. Ele é professor de Direito Penal e prepara uma tese de doutorado sobre o tema para a cadeira de Educação da UFRJ. Para entender a linguagem do crime, o policial tem que conversar com o bandido na mesma língua, pois caso contrário será muito difícil para ele entender o que a pessoa quer falar.
É interessante observar que só usa gíria o bandido que está acostumado com o crime. Aquele conhecido por pé de china (que comete pequenos delitos) não tem esse costume. Além disso, no meio da bandidagem, o uso do vocabulário é sinônimo de poder e experiência por parte de quem comanda quadrilhas ou gangues.
No meio policial, aprender gíria e compreender o que o bandido contumaz está falando é tão importante quanto saber investigar. Mesmo assim, tem investigadores que precisam do auxílio de colegas mais experientes para traduzir o que o criminoso quer expressar. É que sempre surgem palavras novas, trazidas por pessoas de fora.
Normalmente, quem usa mais gíria são os assaltantes. No tráfico há também um vocabulário próprio, assim como no meio dos estelionatários. Neste, por exemplo, ‘‘chiquita’’ quer dizer cheque; ‘‘banho’’ significa deu golpe em alguém, e ‘‘prego’’ - palavra que, aos poucos está ganhando também as ruas - quer dizer aquele que não conhece gíria.
Os escrivães de polícia são os que mais sofrem quando deparam com um bandido que só fala a linguagem do crime. São eles que têm de digitar o inter-rogatório feito pelos delegados e, muitas vezes, sentem dificuldade em traduzir para o vernáculo o que os autuados dizem.
Há uma gíria nacional, aquela que é conhecida em todo o País, e há também a regional, difundida num determinado estado ou numa região. Uma conversa em gíria entre bandidos, se não for bem entabulada, pode trazer problemas no cárcere. Por exemplo: se um ladrão ou traficante que acaba de ser preso, chegar na cela e saudar os futuros colegas com a ex-pressão: "E aí, Moçada!", está caçando encrenca. A palavra "moçada" é proibida. Significa veado, homossexual, geralmente rejeitado na prisão.
Apesar de expressões do tráfico como "já é" (é para já) terem se tornado de uso corrente, até mesmo entre jovens da classe média, o delegado diz que a linguagem acirra a divisão de classes e gerações, tendo como consequência o esvaziamento do espaço destinado à educação. Por outro lado, propicia o desenvolvimento de novas construções linguísticas e sua assimilação.
Conheça algumas palavras
Aderência – confusão
Tá ligado - estar por dentro
Zica – encrenca
Farinha, cristal, pó – cocaína
Fumo ou feijão – maconha
Talarico - preso que se torna amante da mulher de outro preso
Cafofo – esconderijo
Steve – policial
Porão – cadeia
Chiquita - cheque furtado
Tô na galera - na prisão
Tô na Disney - condicional
Paco, montado – dinheiro
Fita – assalto
A chapa tá quente - Corra que a polícia vem aí
Bocuda – radiopatrulha
Fura latão, macaca - metralhadora
Quadrada - pistola
Passar o cerol - matar, executar
Por pano - dá colher de chá, dar uma chance
Tranca dura - sem direito a sol
Moçada, boy - homossexual
Banho - dar golpe em alguém, passar alguém para trás
Intrujão - receptador
Truta - comparsa, colega de crime, amigo na prisão
Prego - aquele que não sabe gíria; bobo
Mixa - chave falsa