Drika
unread,Dec 4, 2009, 1:58:08 PM12/4/09Sign in to reply to author
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to LPIV - Sociolinguística
Fichamento dos textos de Tarallo e Calvet sobre a Sociolingüística
A lingüística moderna nasceu da vontade de Ferdinand de Saussure de
elaborar um modelo abstrato, a língua, a partir dos atos de fala. Seu
ensinamento, que foi compilado por seus alunos e publicado após sua
morte, constitui o ponto de partida do Estruturalismo em lingüística.
Para Saussure “ a lingüística tem por único e verdadeiro objeto a
língua considerada em si mesma e por si mesma ”. Enquanto Saussure
estuda a estrutura da língua, somente a língua como seu objeto de
estudo, surgiu outro lingüista que vai mais além: Antoine Meillet. Ele
estuda a língua levando em consideração o seu caráter social, afinal,
o que seria da língua sem as pessoas que as falam? As línguas não
existem sem as pessoas que a falam e a história de uma língua é a
história de seus falantes. O estruturalismo na lingüística recusa em
levar em consideração o que existe de social na língua. As duas
correntes vão se desenvolver de modo independente. De um lado,
insistia-se na organização dos fonemas de uma língua, em sua sintaxe;
de outro lado, na estratificação social das línguas ou nos diferentes
parâmetros que na língua variam, de acordo com as classes sociais.
Meillet não descarta a teoria de Saussure, porém pretende uni-la a sua
concepção de língua como fato social. Para ele não se chega a
compreender os fatos da língua sem fazer referência à diacronia, à
história. Por ser a língua um fato social resulta que a lingüística é
uma ciência social, e o único elemento variável ao qual se pode
recorrer para dar conta da variação lingüística é a mudança social.
Surgia outra abordagem social da língua, aquela que nasce na corrente
marxista. Em 1824, Paul Lafargue, genro de Marx, publicara um estudo
sobre o vocabulário francês “ antes e depois da Revolução ”, mostrando
que a língua mudara consideravelmente nesse período e vinculando essa
mudança aos fatos políticos. A língua foi, portanto, desde a origem, o
instrumento do poder e é sempre marcada pela divisão da sociedade em
classes sociais.
Marr pensava que o advento mundial do socialismo deveria provocar a
aparição de uma única língua, o que estava em conformidade com a idéia
de que as línguas refletem a luta de classes. Mas por pensar, sem
dúvida, que ninguém é mais bem servido do que por si mesmo, ele
militava pela criação de uma língua internacional artificial, o que
explica por que, durante cerca de quinze anos, o esperanto será bem
visto pelo poder e relativamente difundido na URSS. Primado da luta de
classes sobre a idéia de nação, língua como superestrutura, tudo isso
entrava perfeitamente em uma visão internacionalista, sem contar que
respondia perfeitamente aos problemas da URSS em face das minorias
nacionais, mostrando em particular que a organização social estava
acima da divisão em nações. Oficializada com o nome de Nova teoria
lingüística, o pensamento de Marr vai ser imposto na URSS até bem
depois de sua morte, até bem entrados os anos 1950.
Basil Bernstein, especialista inglês em sociologia da educação, será o
primeiro a levar em consideração, ao mesmo tempo, as produções
lingüísticas reais e a situação sociológica dos falantes. Ele partirá
da constatação de que as crianças das classes operárias apresentam uma
taxa de fracasso escolar muito maior que as crianças de classes
abastadas. Ele passa então a analisar as produções lingüísticas das
crianças e a definir dois códigos: o código restrito, o único que as
crianças dos meios desfavorecidos dominam, e o código elaborado,
dominado pelas crianças das classes favorecidas, que dominam também o
código restrito. Bernstein está especialmente preocupado com problemas
de lógica e de semântica. Sua tese principal é de que o aprendizado e
a socialização são marcados pela família em que as crianças são
criadas, que a estrutura social determina, entre outras coisas, os
comportamentos lingüísticos. Bernstein foi uma espécie de catalisador,
de acelerador na lenta progressão rumo a uma concepção social da
língua, e o fato de suas teses terem sido depois rejeitadas em nada
diminui o papel que ele desempenhou. De 11 a 13 de maio de 1964, por
iniciativa de William Bright, 25 pesquisadores se uniram em Los
Angeles para uma conferência sobre a sociolingüística. William Bright,
que se encarregará de publicação das atas, tenta em sua introdução
sintetizar essas diferentes contribuições. Ele nota, já de princípio,
que a sociolingüística “ não é fácil de definir com precisão ”. Ele
acrescenta que: “uma das maiores tarefas da sociolingüística é mostrar
que a variação ou a diversidade não é livre, mas que é correlata às
diferenças sociais sistemáticas”. Ele se propõe então elaborar uma
lista das “dimensões” da sociolingüística, afirmando que em cada
interseção de duas ou mais dessas dimensões se encontra um objeto de
estudo para a sociolingüística. As três primeiras dessas dimensões
aparecem em resposta a uma pergunta: quais são os fatores que
condicionam a diversidade lingüística? E ele distingue três fatores
principais: a identidade social do falante, a identidade social do
destinatário e o contexto, situando-se assim no marco de uma análise
lingüística que tomou emprestadas noções-chave da teoria da
comunicação (emissor, receptor, contexto).
Para William Labov o objeto de estudo é a estrutura e evolução da
linguagem no seio do contexto social formado pela comunidade
lingüística. Os assuntos considerados provêm do campo normalmente
chamado “lingüística geral”: fonologia, morfologia, sintaxe e
semântica [...]. Se não fosse necessário destacar o contraste entre
este trabalho e o estudo da linguagem fora de todo contexto social, eu
diria de bom grado que se trata simplesmente de lingüística. Não é
possível distinguir entre uma lingüística geral que estudaria as
línguas e uma sociolingüística que levaria em conta o aspecto social
dessas línguas: em outros termos, a sociolingüística é a lingüística.
Labov trabalha continuamente com situações contemporâneas concretas,
enfrenta problemas de metodologia da pesquisa, em suma, constrói um
instrumento de descrição que tenta ultrapassar, integrando-os, os
métodos heurísticos da lingüística estrutural. De suas pesquisas
nascerá a corrente conhecida pelo nome de “lingüística variacionista”.
A relação entre língua e sociedade
Este livro propõe a você maneiras possíveis de se combater o “caos”
lingüístico: você irá enfrentar o desafio de tentar processar,
analisar e sistematizar o universo aparentemente caótico da língua
falada. O “caos” basicamente se configura como um campo de batalha em
que duas (ou mais) maneiras de se dizer a mesma coisa ( doravante
chamadas “variantes lingüísticas” ) se enfrentam em um duelo de
contemporização. Um ponto de partida básico para suas análises é: a
relação entre língua e sociedade. A língua falada é, a um só tempo,
heterogênea e diversificada. E é precisamente essa situação de
heterogeneidade que deve ser sistematizada. Se o caos aparente, se a
heterogeneidade não pudessem ser sistematizados, como então justificar
que tal diversificação lingüística entre os membros de uma comunidade
não os impede de se entenderem, de se comunicarem? O modelo de análise
a ser desenvolvido neste livro é o que convencionou denominar “teoria
da variação lingüística”. Trata-se de um modelo teórico-metodológico
que assume o “caos” lingüístico como objeto de estudo.
O iniciador da sociolingüística quantitativa é o americano William
Labov. Podem ser chamados de sociolingüistas todos aqueles que
entendem por língua um veículo de comunicação, de informação e de
expressão entre os indivíduos da espécie humana. “Variantes
Lingüísticas” são, portanto, diversas maneiras de se dizer a mesma
coisa em um mesmo contexto, e com o mesmo valor de verdade. A um
conjunto de variantes dá-se o nome de “variável lingüística”. A
sistematização da língua consiste em: 1) levantamento de dados da
língua falada, para fins de análise dados estes que refletem mais o
vernáculo da comunidade; 2) Descrição detalhada da variável,
acompanhada de perfil completo das variantes que a constituem; 3)
Análise dos possíveis fatores condicionadores (lingüísticos e não-
lingüísticos) que favorecem o uso de uma variante sobre a(s) outra(s);
4) Encaixamento da variável no sistema lingüístico e social da
comunidade; 5) Projeção histórica da variável no sistema
sociolingüístico da comunidade. As variantes de uma comunidade de fala
encontram-se sempre em relação de concorrência: padrão, não-padrão;
conservadoras, inovadoras ; de prestígio e estigmatizadas. Em geral, a
variante considerada padrão é ao mesmo tempo, conservadora e aquela
que goza do prestígio sociolingüístico na comunidade. A língua pode
ser um fator extremamente importante na identificação de grupos, em
sua configuração, como também uma possível maneira de demarcar
diferenças sociais no seio de uma comunidade.
Fato sociolingüístico: Teoria, método e objeto
Em primeiro lugar, a relação entre os três conceitos é óbvia e
imperativa: toda ciência – a lingüística, em nosso caso particular –
tem uma teoria própria, um objeto específico de estudo e um método que
lhe é característico. O modelo teórico- metodológico da
sociolingüística parte do objeto bruto, não- polido, não-aromatizado
artificialmente. Em poucas palavras, dentro do modelo de análise
proposto neste volume, o objeto – o fato lingüístico – é o ponto de
partida e, uma vez mais, um porto ao qual o modelo espera que
retornemos, sempre que encontrarmos dificuldades de análise. O fato
sociolingüístico, o dado de análise, é ao mesmo tempo a base para o
estudo lingüístico: o acervo de informações para fins de confirmação
ou rejeição de hipóteses antigas sobre a língua e também para
levantamento e o lançamento de novas hipóteses. A língua falada a que
nos temos referido é o veículo lingüístico de comunicação usado em
situações naturais de interação social, do tipo comunicação face a
face. A língua falada é o vernáculo: a enunciação e expressão de
fatos, proposições, idéias (o que ) sem a preocupação de como enunciá-
los. Trata-se, portanto, dos momentos em que o mínimo de atenção é
prestado à língua, ao como da enunciação. Essas partes do discurso
falado, caracterizadas aqui como o vernáculo, constituem o material
básico para a análise sociolingüística. Será sempre avaliada em função
da variável estudada e com base nos objetivos centrais do estudo em
questão. O papel do pesquisador – observador: o pesquisador que não
participa diretamente da situação de comunicação. Dessa maneira não
será prejudicada a naturalidade da situação! O pesquisador necessita
de grande quantidade de dados que somente podem ser coletados através
de sua participação direta na interação com os falantes.
O propósito do método de entrevista sociolingüística é o de minimizar
o efeito negativo causado pela presença do pesquisador na naturalidade
da situação de coleta de dados. De gravador em punho, o pesquisador –
sociolingüista, como afirmamos, deve coletar: 1) situações naturais de
comunicação lingüística e 2) grande quantidade de material, de boa
qualidade sonora. O pesquisador, ao selecionar seus informantes,
estará em contato com falantes que variam segundo classe social, faixa
etária, etnia e sexo. O roteiro de perguntas é: o questionário- guia
de entrevista. Esses módulos têm por objetivo homogeneizar os dados de
vários informantes para posterior comparação, controlar os tópicos de
conversação, e, em especial, provocar narrativas de experiência
pessoal. A narrativa de experiência pessoal é a mina de ouro que o
pesquisador- sociolingüista procura. Ao narrar suas experiências
pessoais mais envolventes, ao colocá-las no gênero narrativo, o
informante desvencilha-se praticamente de qualquer preocupação com a
forma. A desatenção à forma, no entanto, vem sempre embutida numa
linha de relato, a que chamaremos “estrutura narrativa”. Na estrutura
narrativa Labov salientou as seguintes partes: resumo, orientação,
complicação da ação, resolução da ação, avaliação e coda, definidas a
seguir. Cada uma dessas subpartes é composta de unidades mínimas de
narração, denominadas “orações narrativas”. Especialmente na
complicação e na resolução da ação a ordem dessas orações narrativas
não pode ser alterada. Na orientação, por exemplo, que consiste na
introdução das personagens, do local e do tempo de ação, a ordem das
orações narrativas pode ser alterada. A avaliação é a parte da
narrativa através da qual o narrador procura motivar o destinatário (o
ouvinte de seu relato) a valorizar o fato narrado. Não há uma ordem
fixa para o aparecimento da avaliação.