O mineiro Urubatan Helou, de 61 anos, começou a trabalhar no ramo de logística Quando essa palavra nem era usada para o setor. Quando fundou a Braspress, em 1977, ele mesmo dirigia uma Kombi e um caminhão com os quais fazia entregas. Quase 35 anos depois, sua frota é composta de 1 .100 caminhões, todos estampados na cor azul royal.
Nos últimos três meses, Helou contratou imigrantes bolivianos (antes ilegais, mas agora regularizados pelo governo brasileiro) para suprir a carência de profissionais. Mas não foi o suficiente. "Se eu não consigo formar motoristas, vou tomar dos outros", afirma Helou.
Ele passou a oferecer salários melhores e caminhões mais novos — com no máximo dois anos de uso — para atrair motoristas. "Ambiente de trabalho para um motorista é dentro do caminhão", diz. Foi assim que a Braspress, em março de 2011, convenceu o baiano Aílton Ferreira de Souza a deixar a transportadora na qual ele trabalhou por dois anos.
Souza teve seu salário aumentado de 1 157 para 1 320 reais e hoje faz de duas a três viagens por semana entre a capital paulista e Curitiba. Depois que chegou à Braspress, Souza foi sondado por outra empresa do ramo para trocar de emprego. "O mercado de trabalho está muito bom para o motorista, mas preferi ficar", diz .
A falta de motoristas é mais um problema na lista de carências do setor logístico. O Brasil padece há muito tempo de rodovias precárias, portos ineficientes e uma malha ferroviária mirrada. Agora, sofre também com a falta de centros de distribuição, com a carência de equipamentos para operar estoques e com a insuficiência de profissionais de diferentes calibres — do engenheiro de logística ao operador de empilhadeira.
O conceito de logística — como a integração do transporte com a produção, o armazenamento e a distribuição — é relativamente novo no Brasil. Nos anos 90, a estabilidade econômica impôs a redução das operações industriais, e a terceirização do transporte foi adotada como medida para ganhar competitividade.
A partir do ano 2000, as grandes companhias passaram a delegar todo o entra e sai das fábricas aos operadores de carga. "Logística de verdade existe no Brasil há menos de dez anos", diz Fernando Simões, presidente do grupo JSL, o maior operador logístico do Brasil. O que acontece agora é que a necessidade de processos mais eficientes de distribuição tem sido exigida também das médias empresas — apertando ainda mais o fluxo de distribuição no país.
"O problema do Brasil não é falta de caminhão. Faltam mesmo empresas capazes de fazer a distribuição de uma forma segura e eficiente”, diz Marise Barroso, presidente da Mexichem Brasil, empresa de tubos e conexões, dona da marca Amanco.
Estima-se que não haja mais de 30 empresas de logística realmente preparadas para atender o mercado brasileiro. "A competição é tão intensa que já tem transportadora escolhendo cliente", diz Adalberto Panzan, presidente da Associação Brasileira de Logística.
A ineficiência logística custa caro para o país. De acordo com o Banco Mundial, o custo no Brasil equivale a 20% do PIB — o dobro dos países ricos. "Todos os modais de transporte, rodoviário, ferroviário e aquaviário, estão estrangulados, e qualquer expansão de atividade vai significar piores serviços de transporte para as empresas", diz Peter Wanke, coordenador do Centro de Estudos em Logística, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A falta de infraestrutura explica parte do problema. A escassez de mão de obra, que atinge quase toda a economia, também penaliza o setor — como no caso da Braspress. Calcula-se que faltem 100 000 motoristas de caminhão no Brasil. Uma parcela significativa daqueles que no passado trabalhavam como autônomos acabou migrando para a construção civil ou para a indústria.
Isso cobriria o déficit atual e ainda atenderia à expansão futura da atividade. A entidade pede que o governo solucione um dos maiores obstáculos à formação de novos motoristas: a habilitação profissional custa 2.400 reais.
Nas empresas usuárias do transporte, a ordem do dia é criar saídas para contornar os obstáculos logísticos e continuar atendendo o cliente. A Kimberly-Clark, fabricante de produtos de higiene pessoal, opera com estoque 30% acima do que seria ideal para evitar eventuais desabastecimentos. O envio de uma carga de São Paulo a Manaus pode levar até 30 dias — o prazo aceitável seria de no máximo dez dias.
"O custo financeiro de carregar um estoque tão grande é enorme", diz João Damato, presidente da Kimberly-Clark. A fabricante de eletroeletrônicos Samsung mantém uma verdadeira operação de guerra diária em Manaus para conseguir a liberação dos contêineres com componentes importados que chegam da Ásia.
"Como há apenas três fiscais agropecuários que liberam os contêineres, precisamos caçá-los todos os dias nos três portos da cidade", diz Benjamin Sicsu, vice-presidente de novos negócios da Samsung. "Às vezes, colocamos a carga no caminhão e vamos atrás deles." A liberação no prazo pode significar custo mais competitivo para a empresa — e preço menor para o consumidor. Na divisão de TVs da Samsung, a logística representa 10% do custo final do produto.
Com as empresas tentando reduzir os riscos de desabastecimento, não é para menos que o setor logístico esteja num aperto. Hoje, a busca por centros para a estocagem e a distribuição é intensa. No cinturão que liga as cidades de São Paulo, Sorocaba e Campinas estão em construção 40 centros logísticos de grande porte. Todos os espaços já estão pré-locados ou vendidos.
"Quem quiser um novo armazém tem de esperar de seis a sete meses", afirma Pedro Candreva, diretor da consultoria imobiliária Jones Lang LaSalle. O reflexo da situação é que o preço médio real do metro quadrado para aluguel dessas estruturas aumentou quase 70% desde 2005.
E mesmo quem consegue lugar ainda tem de enfrentar os tradicionais problemas de infraestrutura no Brasil. Em maio de 2011, a operadora logística americana Penske inaugurou um centro de distribuição na cidade de Cajamar, na região metropolitana de São Paulo. Até o final de junho, o centro operava com gerador — a concessionária de energia não havia feito a conexão à rede elétrica. Também não havia chegado lá o cabo de telefone fixo. No Brasil que cresce sem infraestrutura, as carências não se limitam à logística.