ALTERAÇÕES
AO REGIME DO ALOJAMENTO LOCAL. A DISCIPLINA DOS HOSTELS
1)
INTRODUÇÃO
Foi
hoje publicado o Decreto-Lei nº 63/2015, de 23 de Abril, que introduz,
decorridos escassos meses da entrada em vigor, alterações ao RJAL, o que afecta
a indispensável estabilidade legislativa,
um princípio estruturante amiúde sacrificado na legislação do turismo.
Estando
prevista a portaria para a
regulamentação dos requisitos adicionais dos hostels (art.º 14º/4), o argumento da necessidade de decreto-lei para evitar a dispersão de instrumentos normativos é, no mínimo, falacioso. Com
efeito, introduz-se a possibilidade de contornar a proibição da exploração de
mais de nove apartamentos por edifício (art.º 11º/2), aí residindo uma das principais razões para
alterar o RJAL.
Percorramos,
de seguida, as alterações ao RJAL , umas
de fundo, algumas meramente formais, outras manifestamente dispensáveis.
Omissão, no mínimo estranha, é a referente ao Registo Nacional do Alojamento Local (RNAL), um importante instrumento abandonado nos
trabalhos preparatórios do RJAL, mas que foi, entretanto, bem recuperado.
2)
DOCUMENTO LEGITIMADOR DA UTILIZAÇÃO DO IMÓVEL E REFORÇO DO PAPEL DO BALCÃO
ÚNICO ELECTRÓNICO
No
art.º 6º/2/d), aditou-se a possibilidade de outro
título - para além do contrato de arrendamento - que legitime o titular da
exploração ao exercício da actividade de alojamento local. Será o caso de um contrato de comodato (art.º 1129º e
segs. do Código Civil).
As
alterações dos números 3 e 4 do art.º 6º, prendem-se com as comunicações de actualização de elementos ou de cessação
da actividade serem doravante realizadas, não por qualquer meio legalmente
admissível ou ao presidente da câmara municipal, mas no Balcão Único Electrónico, mantendo-se os prazos assinalados para o
efeito (10 e 60 dias respectivamente). Dado que as comunicações passam a ter um
único destinatário digital, o nº 6 é alterado
prevendo a comunicação automática do Balcão
Único Electrónico à autoridade turística nacional.
Tal
como o Balcão Único Electrónico, o novo nº 7 é claramente inspirado na Directiva Bolkestein ou dos Serviços. Dispensa-se o titular da
exploração do estabelecimento da apresentação de documentos previstos no art.º
6º/2 do RJAL, quando os mesmos estejam na posse de qualquer serviço e organismo
da Administração Pública, sendo obtidos através da Plataforma de
Interoperabilidade da Administração Pública.
O
nº 1 do art.º 10º comporta uma inócua alteração formal, aparentemente dispensável,
a simples substituição da expressão requerente
por declarante.
3) LIMITES À EXPLORAÇÃO DE
APARTAMENTOS
A
limitação imposta à modalidade de apartamento de o proprietário / titular da
exploração não poder explorar mais de nove estabelecimentos, em cada edifício,
foi suavizada, ou seja, só se aplica se ultrapassar 75% do número de fracções
existentes no edifício (art.º 11º/2). Um facilitismo - mais um no pouco
exigente RJAL - que não constava do anteprojecto restritamente divulgado.
Mais
de nove estabelecimentos de alojamento local, independentemente da modalidade,
isto é, apartamento ou estabelecimento de hospedagem (nestes se incluindo os hostels), podem motivar uma vistoria da autoridade turística nacional para verificar se reúnem
requisitos para serem considerados empreendimentos turísticos (art.º 11º/3).
Todavia
não se entende a razão de o Turismo de Portugal, I.P., poder - a expressão “pode”
utilizada pelo legislador indicia uma mera faculdade em vez de um dever -
realizar uma vistoria quando sejam
mais de nove estabelecimentos no mesmo edifício quando, em bom rigor, o deve
fazer a partir de um único estabelecimento que reúna os requisitos para ser
considerado empreendimento turístico, mas que por razões de mero facilitismo - irresponsavelmente
criadas e agora reforçadas pelo legislador - opte pelo alojamento local.
O
nº 4 do art. 11º corresponde ao nº 3 do mesmo preceito na versão originária do
RJAL.
No
art.º 13º/2 as menos exigentes normas de
segurança gizadas para estabelecimentos com capacidade até 9 utentes,
passam a aplicar-se a 10 utentes.
4)
HOSTELS
Relativamente
aos hostels, o nº 1 do art.º 14º é objecto de uma alteração passando a falar-se
em vez de unidade de alojamento “única ou maioritária” em predominante, explicitando-se este último conceito: o número de
utentes em dormitório é superior ao número
de utentes em quarto. No anteprojecto considerava-se predominante sempre que
o número de camas por dormitório fosse superior ao de camas
por quarto.
A unidade de alojamento
predominante não consta da versão primitiva do RJAL, sendo referida num
estudo do Fórum Turismo 2.1 sobre a matéria (pág. 7).
Assim
sendo, num hostel híbrido que possua
um amplo dormitório com capacidade para
20 utentes (em cama ou beliche), poderá ter 19 utentes em quartos, ou
seja, muitos quartos e um só dormitório. Sendo que um hotel está impedido (art.º
7º/1 RJET) de ter uma unidade de alojamento com essas características.
Os
requisitos adicionais dos hostels que o RJAL estatuiu que figurassem em
portaria, constam dos números 4 a 8 do art.º 11º. O legislador é, no entanto, pouco
exigente.
No
nº 4, os dormitórios devem dispor de ventilação e iluminação directa com o exterior.
Refere-se janela na letra da lei, mas
por interpretação extensiva chegaremos sem dificuldade à portada. No entanto, pode suscitar-se a dúvida se num hostel os
quartos ou suites podem ser interiores, pois a necessidade de comunicação
directa com o exterior é imposta apenas para os dormitórios e não para todas as
unidades de alojamento.
No
nº 5 exige-se um compartimento individual,
com fecho, embora o legislador não indique a respectiva finalidade (guarda das
roupas e objectos pessoais). Não seria melhor falar-se em cacifo pois compartimento e fecho sugerem-nos, de algum modo, a
figura do hostel cápsula?
Já
no nº 6 surgem-nos os espaços sociais
comuns, cozinha e área de refeição de utilização e
acesso livre pelos hóspedes, instalações que constituem o traço identitário dos hostels a par do dormitório ou camarata. No
entanto, não se define a área mínima de cada um deles (nem sequer a
proporcionalidade relativamente à respectiva capacidade), os equipamentos e
utensílios que devem dispor.
A
pouca exigência do legislador relativamente às instalações sanitárias dos hostels, a raiar a promiscuidade, figura
no nº 7: podem ser comuns a vários quartos e dormitórios e serem mistas ou separadas por género.
Quando
as instalações sanitárias forem comuns a vários quartos - não se estabelece
qualquer regra de proporcionalidade podendo por hipótese ser uma casa de banho para
trinta quartos ou dormitórios - os chuveiros devem configurar espaços autónomos
separados por portas com fecho interior (nº 8).
Fica-nos
a interrogação: sendo a regulamentação dos hostels tão rudimentar não poderia
ter sido logo incorporada no RJAL na primitiva versão? Tanto tempo para tão
pouca exigência!
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Publicat de către carlos torres la
Lex Turistica Nova , 4/23/2015 12:25:00 p.m.