"A banalidade do mal" e a abdicação da faculdade de pensar...

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Edméa Oliva

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Aug 28, 2013, 10:44:11 PM8/28/13
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"Entender não é perdoar"
"O poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e existe somente enquanto o grupo se conserva unido".
                                                                                 Hannah Arendt 
Prezados (as) alunos (as) e colegas,
 
Estive viajando no último final de semana e, desde então, estou ainda mais inquieta, impactada e não resisto a encher mais uma vez a caixa de emails de voces. Peço desculpas por isto, mas o ato de pensar embora inicialmente solitário, demanda interlocutores para compartilhar as idéias. Fui para um banho de descarrego e cultural na "Bahia de Todos os Santos". Estou com toda pilha, pois recarreguei todas as baterias depois de assistir no TCA ao maravilhoso concerto do violinista americano Gil Sharan (um dos maiores do mundo) junto com a OSBA e dia seguinte ao recital Poema Bar com o ator Alexandre Borges e  o pianista português João Vasco que uniram as obras dos poetas Vinícius de Moraes e Fernando Pessoa. Os dois artistas tiveram a companhia das cantoras Mariana de Moraes, neta de Vinicius, e da portuguesa Sofia Vitória. Contudo, o que mais me impactou foi o filme Hannah Arendt (imperdível) que me fez refletir sobre o momento atual das nossas instituições e sobre o risco que corremos ao conviver com pessoas que "pararam de pensar" e só reproduzem de modo robotizado atitudes a partir da ordem de líderes enebriados pelo poder. A análise que Hannah faz sobre o nazista Eichmann e sobre os líderes judeus que não conseguiram salvar 6 milhões de judeus do extermínio, é fantástica. Também me fez refletir ainda mais sobre o papel do docente que é o de Ensinar o aluno a PENSAR. O diálogo dela com seu professor Heidgger traz a tona isto e, mostra como ele decepciona seus alunos quando se torna Reitor e entra "no sistema". Fiquei muito, muito assustada ao ver o filme no Cinema do Museu e depois assistir na TV  a chegada de 4000 mil médicos cubanos escravizados chegando ao meu pais livre e democrático, mas que concordou em não pagá-los diretamente. Parece que o têrmo cunhado por Hannah "a banalidade do mal" é atualíssimo e assustador. Por tudo isso, me fez um bem enorme encontrar colegas e alunos do DME nas passeatas e assembléias dias atrás (infelizmente somente eu de Psiquiatra). Todos indignados, mas esperançosos de que a luta pelos nossos direitos fosse bem sucedida. Enquando, nos indgnarmos com as coisas que merecem, mantivermos a esperança e a luta, estaremos a salvo do medo que paraliza e impede o ato de pensar. Abaixo envio o texto do Psicanalista Contardo Calligaris (há muitos anos ele esteve em Aracaju num evento que organizamos) que de modo bem didático nos envolve sobre o filme e a obra da Filosofa Hannah Arendt, uma das maiores pensadoras do seculo XX. Espero que nunca abdiquemos por nada e por ninguém da faculdade de pensar, pensar, pensar... e que todos os santos e orixás nos proteja, nos deixando bem longe dos que não pensam .
Abraços,
Edméa
 
Contardo Calligaris
Meu vizinho genocida
.

Escrevi minha tese de doutorado de 1980 a 1991. No fundo, trata-se de um longa meditação sobre a ideia central de Hannah Arendt em "Eichmann em Jerusalém - Um Relato sobre a Banalidade do Mal" (Companhia das Letras).

Por isso, era inevitável que eu corresse para ver o filme de Margarethe von Trotta, que acaba de estrear, "Hannah Arendt". Tanto mais que ele narra especificamente os anos da vida de Arendt em que ela assistiu ao processo de Eichmann e relatou sua experiência para os leitores da revista "The New Yorker" (e, logo depois, no livro que citei).
Os artigos foram recebidos por uma salva de injúrias e ameaças. Mas, quando eu me interessei pela questão, a ideia de Arendt em "Eichmann em Jerusalém" já era universalmente aceita no campo dos "Holocaust Studies". Nota: a palavra "holocausto" evoca para mim um sacrifício, como se as mortes pudessem ser algum tipo de expiação; por isso, prefiro a palavra genocídio, que diz a verdade sobre a intenção dos assassinos.
Mas vamos por partes. Adolf Eichmann, tenente-coronel da SS, foi responsável pela logística do genocídio dos judeus pela Alemanha nazista. Em 1960, enquanto vivia escondido na Argentina, Eichmann foi capturado pelo Mossad israelense e levado a Jerusalém para ser processado.
Nessa altura, Arendt já tinha publicado há tempos (em 1951) seu "Origens do Totalitarismo" (Companhia das Letras). Fato extraordinário para a época, Arendt examinava os totalitarismos do século 20 levando stalinismo e nazismo para um mesmo tribunal. Ela encontrava as origens do totalitarismo do século 20 no imperialismo colonialista e no racismo (ideias, convicções, tanto das elites como dos povos) .
Pois bem, dez anos mais tarde, Arendt saía do processo de Eichmann pensando diferente: as convicções (por exemplo, antissemitas) dos funcionários do regime não bastavam para explicar o que os tinha transformado em assassinos genocidas, e o totalitarismo tinha sido possível não graças aos entusiasmos ideais de sua tropa, mas, ao contrário, graças a personagens quaisquer e banais, facilmente dispostos a abdicar sua faculdade de pensar.
Eichmann era um pateta --os filmados do processo, que o filme mostra, são extraordinários para sentir a desproporção entre o tamanho do crime e a mediocridade do criminoso. Preferiríamos que ele fosse um exaltado ou um monstro: sua loucura explicaria o horror de seus atos e o manteria solidamente afastado da gente, diferente de nós. Mas Eichmann não era um monstro, era o vizinho do apê ao lado.
Isso constitui uma desculpa? Ao contrário, aos meus olhos (e aos de Arendt também, acredito), a banalidade do assassino constitui uma agravante.
O vizinho alega as ordens, a ordem ou a fidelidade a qualquer grupo que seja, tudo porque quer parar de pensar: essa é sua culpa original e mais grave, graças à qual ele se torna capaz de agir como se não existissem considerações morais. De fato, ele quis sobretudo deixar de dialogar com sua consciência.
Talvez em 2015 eu publique minha tese. Fiquei a fim de explicar este fato um pouco assustador: há algo na dinâmica de nossa subjetividade normal que faz com que parar de pensar seja uma tentação constante, como se qualquer desculpa (ideológica, por exemplo) fosse boa para fugir da solidão, que é a condição do diálogo moral de cada um com sua consciência.
O coletivo (a nação, o partido, o sindicato, a torcida, a gangue, o grupo adolescente de amigos, a própria família) não oferece apenas ideologias e desculpas: ele fornece uma função para cada um de seus membros. Com isso, não preciso pensar para decidir minha vida --preciso apenas preencher minha função. É bom o que é funcional ao grupo -ruim, o que não é.
Qualquer crepúsculo do indivíduo é um crepúsculo da moral. Pensemos nisso, por favor, quando torcemos, agitamos bandeiras ou falamos, misteriosamente, na primeira do plural.
Minha tese tinha o título "A Paixão de Ser Instrumento". Ela perguntava: por que a ideia de se transformar em instrumento (abdicando a subjetividade da gente) teve e continua tendo tamanho sucesso?
Para qual razão psíquica fundamental teríamos todos uma predisposição a sermos seres estúpida e covardemente coletivos? Por que preferiríamos ser funcionários do horror a conviver com as incertezas cotidianas do juízo moral? A resposta não cabe aqui. Mas a questão não envelheceu.

 

Edméa Oliva

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Apr 27, 2016, 1:22:05 PM4/27/16
to laps...@googlegroups.com

Pessoal,
Estou lhes repassando um email antigo porque se refere ao filme que lhes sugeri.
Bjs,
Edméa

---------- Mensagem encaminhada ----------
De: "Edméa Oliva" <edmeaol...@gmail.com>
Data: 28/08/2013 23:44
Assunto: "A banalidade do mal" e a abdicação da faculdade de pensar...
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