Soooy Celeste...
Soooy Celeste...
Soooy Celeste...
Celeeeste soy yo!
Deu até medo. Não parava de sair gente das portas dos prédios e das
casas. Seguiram todos para a 18 de Julho de alegrias e tristezas.
Também fui. A certa altura flagrei uma mãe jovem, 30 e poucos anos no
máximo, bandeira na mão, o rosto pintado de azul e branco com o sol
amarelo em volta do olho esquerdo, gritando com a filhinha. Me
aproximei. Com o buzinaço, os fogos e a gritaria toda, não escutei
nada. Me aproximei um pouco mais. Agora, sim. Sabe o que gritava a mãe
para a menina, chorando e sorrindo?
– Soooy Celeste....
A guriazinha, uns dois anos no máximo, engatou na terceira vez:
– Soooy Celeste...
E se perderam as duas cantando no meio da multidão, de mãos dadas. É
isso: os uruguaios sentem a Celeste como se ela fosse uma extensão de
suas próprias vidas. Não é tão importante ganhar ou perder. Eles só
querem amá-la, como os pais amam os filhos sem pedir nada em troca.
Exagero? Preste atenção nas cenas a seguir.
Cerca de 40 mil pessoas assistiram na Praça da Independência ao
sofrimento inesquecível que foi a classificação do Uruguai. Formou-se
um cenário de sonho. Em volta, prédios antigos, alguns dos anos 1950,
com papel picado caindo lá do 25º andar e bandeiras nas sacadas. Ao
centro, uma estátua gigante do general Artigas montado em seu cavalo.
Aos pés do monumento, os jogadores no telão. Por toda a parte, gente.
Gente de todas as idades. Quem disse que o Uruguai é um país de
aposentados não entende nada de Uruguai. Crianças e adolescentes aos
montes torceram e depois festejaram nas ruas ontem com os rostos
pintados. Eles só haviam ouvido histórias de celebrações assim dos
avós e talvez bisavós, nas Copas de 1950 e 1930. Agora já têm o que
contar para os filhos.
John da Silva tem 32 anos e vende panchos e chivitos. Para o jogo,
tomou a seguinte providência. Desfalcou o seu carro de som e o
instalou na carrocinha, com dois potentes alto-falantes. Sabe por que
ele fez isso? Só para ligar no volume máximo quando chegasse a hora de
tocar o hino uruguaio, antes da partida.
– É um sentimento. A Celeste, o Uruguai, o nosso hino: somos todos uma
coisa só – disse John meio sem jeito, achando que não estava sabendo
se explicar direito quando, na verdade, era justamente o contrário.
E o que dizer do velhinho vendendo pôsteres da Celeste com a seguinte
frase: “Gracias. Já cumpriram (o seu dever)”. Isso antes da
classificação. Não importava ganhar ou perder, como repetia a
apresentadora do canal Teledoce durante a cobertura da festa por estar
entre os quatro melhores. Detalhe: é “entre os quatro melhores” e não
“semifinal”. Não apareceu “semifinal” nas rádios e TVs em momento
algum.
Então, aconteceu. Parece roteiro de filme, mas aconteceu.
Surgem as imagens dos jogadores chegando ao hotel na África. O técnico
Oscar Tabárez diz:
– Eles vieram cantando no ônibus.
Aí eles saem do ônibus, se abraçam e formam uma roda. Pulam e cantam.
E cantam o quê? Isso mesmo:
– Soooy Celeste....
Sabe, deu uma baita vontade de ser uruguaio ontem.
DIOGO OLIVIER | ENVIADO ESPECIAL/MONTEVIDÉU