Transexual assassinada dois anos depois de Gisberta
Dn de 01 de Março de 2008, F. Câncio e K. Catulo
(
http://dn.sapo.pt/2008/03/01/cidades/
transexual_assassinada_ano_depois_gi.html)
Luna não era vista desde a noite de 19 de Fevereiro
Há anos que Luna, 43 anos, tinha lugar cativo na esquina do Conde
Redondo com a rua Ferreira à Lapa, em Lisboa.
A partir das 22.00 a zona transforma-se de centro de serviços em
bairro de luz vermelha, com dezenas de trabalhadores sexuais -
mulheres, transexuais e transgénero - nos passeios. Luna, nascida no
Brasil, uma transexual em transição para um corpo de mulher, era um
deles. Tinha operado o peito e o rosto estreito era já completamente
feminino. Estava na última fase - as consultas de psicoterapia num
hospital de Lisboa - que antecede aquilo que é comummente referido
como "mudança de sexo". Um sonho partilhado com uma das poucas amigas
que tinha em Portugal, uma transexual já operada que a descreve como
"muito meiga" e que falou com ela pela última vez, por telefone, há
três semanas. "Estava tudo bem com ela, aparentemente", diz.
Na pensão onde Luna vivia há quatro meses, não a viam desde 19 de
Fevereiro. Saiu como de costume às 22.00, para trabalhar. E nunca mais
apareceu. De tal modo que o quarto dela foi esvaziado e as coisas
colocadas nos arrumos, à espera que voltasse. Não ocorreu a ninguém
que lhe tivesse sucedido algo de mal. Quanto muito, pensou-se que
talvez tivesse sido presa - "A polícia volta e meia vem aí e pede a
identificação aos travestis todos", comenta um empregado. A ninguém
ocorreu avisar a polícia do seu desaparecimento. Ou a família, que
reside no Brasil e ainda há um mês pagou, por transferência bancária,
uma dívida de mais de mil euros (o quarto custa 30 ao dia) que ela
acumulara desde Janeiro. A família que lhe enviou na mesma altura um
bilhete para a ter de volta (ela não quis ir, alegando "Ter dívidas
para pagar em Portugal") e que ainda não sabe que às sete da manhã do
dia 28 um funcionário da Resotrans a encontrou enquanto esvaziava o
contentor de lixo numa das antigas pedreiras de Montemor. O corpo, em
adiantado estado de decomposição, terá ido ali parar por ter sido
depositado num contentor de entulho, na capital, contentor que que
viajou até Loures num camião de uma empresa de transportes de resíduos
sólidos.
De cabelo comprido louro, seios fartos, casaco de pêlo bege e roupas
de mulher, o cadáver foi identificado pela PSP como sendo de uma
desconhecida do sexo feminino. Mas na noite de quinta-feira a Polícia
Judiciária já estava na zona do Conde Redondo a questionar transexuais
- e a informação passada aos media era de que tinha sido encontrado
"um homem com roupas de mulher".
De acordo com a sua amiga, que soube da sua morte na quinta-feira,
pela PJ, Luna nunca andava com os documentos - deixava-os na pensão -
nem com dinheiro. "Ela estava com os clientes e ia logo depositar o
dinheiro no multibanco, para não lho tirarem", assegura. Na "sua"
esquina existe aliás uma dependência bancária. O cenário de assalto
parece pois pouco provável. Mas mesmo a causa da morte ainda não foi
divulgada - a autópsia só terá sido completada ontem. Entre as
trabalhadoras do sexo do Conde Redondo, corre a ideia de que terá sido
atingida a tiro. Mas quem viu a fotografia que os agentes da
Judiciária usaram para a identificar retém sobretudo o aspecto inchado
e enegrecido do rosto. "Nem dava quase para a reconhecer, só pelas
roupas e cabelo se via que era ela."
Da pensão, e à qual só chegaram por um cartão encontrado no corpo, os
polícias retiraram já todos os pertences de Luna. Entre eles, sinais
de consumo intensivo de heroína e/ou cocaína. "Ela passava o dia todo
no quarto. E às vezes voltava a meio da noite - trabalhava das dez às
seis, sete da manhã - a dizer que 'tinha de fumar'".
"Era uma pessoa muito só, mas sempre disposta a ajudar os outros",
garante a amiga, que não menciona qualquer dependência de drogas mas
diz que, como todas as transexuais que trabalham nas ruas, "Luna vivia
com medo". O medo de que um dos insultos habituais, dos gritos
lançados dos carros ou das garrafas e pedras arremessadas, se
transformasse numa agressão mais grave. Pouco mais de 24 horas após a
descoberta do corpo, fonte policial explicou ao DN que a PJ coloca a
hipótese do crime estar relacionado com uma rede que pretende
controlar a prostituição naquela zona da cidade. Mas poucos acreditam
nessa versão. Sérgio Vitorino, presidente das Panteras Rosa - Frente
de Combate à Homofobia -, diz que associação trabalha há mais de um
ano com as prostitutas do Conde Redondo e "nunca" detectou qualquer
indício de crime organizado. E teme que este possa ser mais um "crime
de ódio".
(
http://www.ilga-portugal.pt/noticias/20080303.htm)